domingo, 31 de julho de 2011

São Tomé e os seus artistas: começo com o pintor Pascoal Viegas (Canarim)

Canarim, duas versões de "Danço Congo"


De Pascoal Viegas, o Canarim, pouco se sabe, a não ser que era um grande pintor que nasceu em São Tomé, com um quadro num museu de Nova Iorque, segundo me disseram.
No entanto, nos seus quadros, deixou uma pequena biografia, em caligrafia desenhada, ao lado das legendas em que explicava cuidadosamente o assunto dos quadros e as personagens que dele participavam.
Assim no quadro em que pinta o teatro "Tchiloli" diz:
Tchiloli: a banda do Professor João, encenador dos rapazes da Escola do Riboque


Desenho do curiôso artista (artista Nativo da Província Portuguêsa S. Tomé) Pascoal Viana de Sousa Almeida Viegas Lopes Vilhete; que nasceu em Santana a 3 de Maio de 1894. O infeliz Bisnéto do 1º Barão d’Água-Isé. Foi aluno interno do Colégio Universal Calçada de Santana Nº 180, Lisboa, no ano 1908 pª 1912, do mêz de Fevereiro.”

No quadro "Danço Congo" acrescenta entre parêntesis, a seguir a Pascoal Viegas, o nome de Canarim.

Chamavam-lhe também Sum Canarim, ou Sum Canaril...
Penso que Sum tem o sentido de "Senhor", porque me lembro dos passarinhos de São Tomé os "sum deçu" que eram os pássaros que "iam acordar o senhor nos céus" -segundo me ensinaram lá,,,
Algo mais ficamos a saber também sobre as cenas que pinta, normalmente alusivas à cultura da Ilha: o Danço Congo, a Dança - Baile Ússua”, o teatro Tchiloli,


Sobre o “Danço Congo” escreve na legenda: “quadro da representação de Danço Congo, a móda de S. Tomé. Essa dança não é verdadeira de S. Tomé. Dizem que foi um Nativo desta Ilha que andava no Congo é que veio plantar essa brincadeira em S. Tomé; há muitos anos”.


Existem duas versões (pelo menos) desta pintura, variando inclusivamente o número dos participantes: numa são 17 e na outra 21 (ver no início do post as duas imagens)... duas cenas do espectáculo Tchiloli, no Riboque, em 1995

Falando do Tchiloli refere que é a “representação da tragédia do Marquêz de Mântua (Tchilôli) organisado pelos Nativos desta Ilha”.
Há mais do que uma versão desta pintura (deixo-vos as duas), divergindo o nº de personagens que cuidadosamente assinala e numera: 17 personagens num dos quadros, 21 no outro...

Sobre a Ússua, que ainda vi dançar em São Tomé na inauguração do Mercado do Ponto, explica que é “uma Dansa de Baile denominado ÚSSUA –NOVA; que foi organisado pelo grupo da família Camblé.” Viajando pela net encontrei referência a um trabalho mais aprofundado sobre Canarim e a arte em São Tomé, que aqui vos deixo, em parte.


«O "ingenuista" Canalim


O nome que se tem como referência em São Tomé e Príncipe na época colonial a nível da pintura é o de Pascoal Viana de Sousa Almeida Viegas Lopes Vilhete (nascido no séc. XIX), conhecido com o nome de Canarim ou Sum Canalim.


Ele que é «referido como o maior pintor ingenuista de São Tomé e Príncipe», soube representar de maneira inigualável a sua época. A pintura de Canalim buscou estímulos nos ambientes físico e humano das ilhas.


Entretanto, Sum Canalim não só enveredou pela pintura. Foi também autor de pequenas esculturas,como já acima assinalei, que dada a qualidade do material usado na sua elaboração, não tiveram senão uma duração efémera.


Mas é, sem dúvidas como pintor que ele está mais presente. «As suas melhores produções [versam sobre os temas como] o "Tchiloli", o "Danço Congo", o "Fundão", o "Socopé", a "Santana", o "Cortejo Religioso" e o "Piadô Zaua"*.» E aí me parece que Sum Canalim ganha a dimensão de um pintor etnográfico.
(...)
A mim pessoalmente, baseando na análise que faço, parece-me que Sum Canalim não se mostrava preocupado em retratar com fidelidade o aspecto físico das formas que pintava. Parece-me outrossim que havia mais nele uma preocupação ideográfica que nos revelava, não sei se intencionalmente, algum humor característico de ilustrações caricaturais.


Assim, por detrás da ingenuidade do seu estilo de pintura, parece-me haver um aspecto cómico que até então não me lembro de ter sido referenciado.


Reconheço, contudo, que pode ser discutível essa observação. Discutível também pode ser o facto de eu achar que Sum Canalim encontra-se numa posição oposta a do Protásio Pina de quem farei referência posteriormente.


Isto é, enquanto Sum Canalim pautava por um "estilo" ideográfico, como já referi, caracterizado, na minha opinião, por algum humor intencional ou não, Protásio Pina pautava por um "estilo" fotográfico quase, o que lh e conferia o estatuto de reprodutor fiel das formas.
Existe, entretanto, opinião de que Protásio Pina «foi no plano temático seguidor de Sum Canalim.»

in "A evolução das artes plásticas em S. Tomé e Príncipe", de Lukene Fernandes B. Neto, tal como encontrei referido em:

http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/6616


Em São Tomé, conheci ainda o pintor Protásio Pina cujas pinturas eram de uma perfeição incrível! Durante muito tempo foi ele que "desenhou" e pintou os selos de São Tomé, lindos pássaros, flores para nós desconhecidas, coisas maravilhosas de cor e de beleza.


óleo do pintor são-tomense Nezó


Descobri ainda dois blogs com interesse sobre a cultura de São Tomé. Um, genérico, sintético, incompleto, dá uma ideia geral da “cultura” das ilhas, com alguma bibliografia interessante. (Countries and their Cultures) refere três nomes nas artes plásticas:


“(...) there is an emerging art scenario in the nation of São Tomé and Príncipe, with painters like Pascoal Viegas Vilhete, Almada Negreiros, representing rural life and forms in modern expressionistic style.”

http://www.everyculture.com/Sa-Th/S-o-Tom-e-Pr-ncipe.html

O outro (intitulado "olam") revela uma figura que não conhecia: o antropologista Paulo Valverde, de cujo livro ando agora à procura... (Máscara, Mato e Morte. Textos para uma etnografia de São Tomé, Oeiras, Celta, 2000).


Pensei na "pintura etnográfica" do Canarim quando li que, em dado momento do seu trabalho, terá "falado" da obra dele.

http://olamtagv.wordpress.com/2009/05/10/o-visivel-e-o-invisivel-em-paulo-valverde/

Deixo-vos o texto ("o visível e o invisível em Paulo Valverde") que me impressionou:

(...) um dos mais significativos antropólogos portugueses de sempre. Dir-se-á que é fácil atingir essa meta, porque a concorrência sempre foi de pequena monta. Sim, sem dúvida. Mas para quem alguma vez assistiu a uma aula deste homem que morreu com 37 anos, ou para quem teve o prazer de ler as suas páginas hoje tão esquecidas, a sua celebração é incontornável”, escreve o co-autor do blog, Luís Quintais (Departamento de Antropologia da Universidade de Coimbra).


Continua:


Serve também o presente post para chamar a atenção para esse livro que deverá estar, estou certo disso, a apodrecer, exemplares muitos, nalgum canto escuro de um armazém de refugos. Triste sorte para um prosador extraordinário cuja escrita terá pouquíssimos antecedentes entre nós, e que, no seu melhor, ombreia com páginas de Malinowski e de Leiris. Ah, é verdade, aí vai a referência: Paulo Valverde, Máscara, Mato e Morte. Textos para uma etnografia de São Tomé, Oeiras, Celta, 2000.

Entre a pequena comunidade de antropólogos sociais portugueses, é reconhecida a enorme perda intelectual e afectiva (sobretudo para aqueles que com ele privaram de perto) que representou o falecimento prematuro de Paulo Valverde (1961-1999). Vítima de malária contraída em São Tomé, Paulo Valverde afirmar-se-á cada vez mais como uma espécie de personificação trágica e mítica da figura do antropólogo enquanto herói.”

E segue-se a homenagem, a citação do livro e algumas passagens que me despertaram a curiosidade.

Paulo Valverde morreu, já depois de eu sair de Sao Tomé (vivi lá de 1991 a 1996). Era um jovem de 37 anos que estuda a cultura da ilha, os costumes, as crenças, e morre com paludismo. No entanto, deixa um rasto de luz sobre a Ilha.


"Este livro reúne um conjunto de textos escritos pelo antropólogo Paulo Valverde no decurso do trabalho de campo que realizou em São Tomé e Príncipe entre 1995 e 1999. Paul Valverde morreu neste último ano, vítima de malária, deixando por concluir a tese de doutoramento que preparava. João de Pina Cabral, seu orientador, assumiu a tarefa de compilar e organizar para publicação os escritos que ficaram.

(em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223551923K1tKL7sq3Ob98FJ8.pdf)


Mais informações:



Sobre São Tomé:



PUCCINI - MADAME BUTTERFLY

Gal Costa & Caetano Veloso - Coração Vagabundo

Lisboa, Verão 2011 (MJF)

Desafinado - Gal Costa

dunas do Guincho (MJF)

sexta-feira, 29 de julho de 2011

"Os Olhos de Jade" -mais um capítulo...



CAPÍTULO 16

Os últimos quilómetros tinham-lhe custado a fazer. A angústia voltara e queria ver Joan o mais depressa possível.

Os campos estavam verdes, como sempre. A folhagem das árvores mantinha os tons de ferrugem e de dourado dos fins do Outono. Algumas árvores porém, descarnadas, erguiam os ramos agressivos. Parecia-lhe ver neles pássaros negros a espreitar. Pássaros que lhe lembravam os corvos do quadro de Sovrasov de que tanto gostava.


Acelerou. Na curva da subida que levava à casa, quando se deixa a estrada para Arundel, quase derrapou.
A tarde caía e via as luzes da casa acesas. À entrada do jardim, buzinou várias vezes.

Joan veio lá de dentro, a correr, ofegante:

- Michael! Michael!

Ele saiu do carro e abraçaram-se com força, comovidos. Joan tremia. A expectativa acabara. Não ia continuar a lutar sozinha, o irmão ia ajudá-la.

- Oh! Joan!
- Que bom é olhar para ti, saber que estás aqui. Só de te ver sinto-me melhor...
- Minha querida Joan! Tens um ar tão cansado! A eterna voluntarista, a querer ser a mais forte!
- Estás esgotada! Conheço-te...Não podes aguentar tudo.

Olhava-a com ternura e voltou a abraçá-la com força. Beliscou-lhe a face.
Joan sorriu-lhe, triste.

- A Helen esteve cá ontem. Agora chegaste tu!
- Estamos aqui os dois. Não te deixo sozinha. Sei o que pensas, o que sofres...
- Michael! Quem pôde fazer isto, Michael? A mãe não merecia...
- Vamos descobrir, Joan! Não a faz voltar à vida, eu sei...

Hesitou e continuou:

- Mas será vingada!
- Sim...
- Não é a vingança em si que interessa, tu sabes, mas quero que sejam castigados os culpados, isso quero!

- Tenho saudades dela, faz-me falta. Tudo era fácil mesmo vivendo lá longe, quando sabia que ela estava aqui à espera. Nenhum mal me podia acontecer!
-Eu sei...

-É horrível! Prometes que vamos encontrar o assassino? Quando tu prometias, eu acreditava...


Sentiu-a tão frágil que lhe disse logo:



- Prometo que vamos saber o que aconteceu, e quem foi! Prometo que hei-de conseguir!


Olhou para ela, com um ar sério e acrescentou:




- Não vai ficar um centímetro nesta terra que eu não mexa, nem um bocadinho dentro desta casa que eu nãoveja! Hei-de descobrir. Juro!



Levantou a mão aberta, depois pousou-lhe devagar os dedos na face molhada.

-É muito doloroso, Michael.

-Não chores, Joan, a mãe era forte. Queria que fôssemos fortes, mesmo nesta situação. E temos que fazer isso por ela...
-Mas eu quero chorar! Não aguento mais este peso, preciso de chorar!

Encostou-se ao ombro de Michael, a soluçar como quando era criança. Ele pôs-lhe o braço à volta, com ternura:
-Está bem, chora, Joan, eu percebo...Temos muito que falar.

-Ando nervosíssima! Vejo coisas que não existem, oiço barulhos de passos. Será só a minha imaginação? Precisava tanto que viesses, precisava do teu apoio...

-Estou aqui! Mas vamos para dentro. Está frio...

- Tens razão...

- Vou buscar as malas. Vai entrando em casa.



E empurrou-a devagarinho. Joan virou-se para ele, à porta.

- Queres um chá bem quente? Queres? De certeza que estás gelado!
- Quero, claro que quero!



Voltou ao carro e tirou as malas. Fechou o porta-bagagens e ficou a olhar em volta com as malas na mão. Era a casa e o jardim da sua adolescência. A casa de tijolos vermelhos, as janelas de guilhotina com pequenos vidros quadrados, a trepadeira de glicínias que subia até ao telhado, junto da porta pintada de branco. Lembrava-se de a ver, no fim da Primavera, cheia de flores entre o azul e o lilás, perfumadas, e, depois, com folhas pequeninas de um verde aveludado, vivo. Conhecia todos os recantos da casa, da cave ao sótão. Ergueu os olhos para o telhado, desviou-os para a varanda do quarto, viu o parapeito onde se empoleirava para espreitar o que se passava do outro lado da sebe. Os campos verdes e as estradas que serpenteavam no meio das árvores.

As recordações vinham umas atrás das outras.

Ficara a viver só com a mãe e com o Gabriel, muito cedo. Joan entrara numa boarding school em Londres, nem sempre vinha aos fins de semana.

Quando voltava, trazia consigo os protestos de sempre, rebelde e provocadora, tentando zangar-se com Gabriel.

Revia-a na farda do colégio, com o blaser cor de beringela e a saia cinzenta, a camisa branca sempre impecavelmente engomada, primeiro de soquetes brancos e mocassins pretos, mais tarde, com meias de seda e sapatos de verniz com um pouco de salto.

Sorriu, a lembrar-se dela. Uma vez, no Natal, chegara e olhara receosa para a mãe. Furara as orelhas e tinha umas argolinhas douradas que se agitavam a cada movimento. A mãe sorrira e fora buscar-lhe uns brincos pequeninos, com safiras.

Continuara a viver por ali, pela casa, a procurar encher a sua solidão inventando brincadeiras e aventuras. Frequentava uma escola em Brighton, ia na camioneta do colégio, que o vinha buscar e trazer, criara amigos. Era muito miúdo, adaptara-se, mas Joan fazia-lhe sempre falta.

Ouviu a voz dela, a chamá-lo.

- Michael, perdeste-te? O chá arrefece!

Veio ter com ele, observando-o, com atenção.

- Desculpa, perdi-me a olhar para o jardim e estava a lembrar-me de nós todos, aqui. Nunca mais vai ser a mesma coisa. Pensamos sempre que temos o tempo todo à nossa frente, que nada vai mudar e não o aproveitamos. Acho que nem o vivemos como devíamos...
-É verdade. Tu eras o “beduíno”, lembras-te? Beduíno! Nunca mais ninguém te vai chamar assim...

Disse, preocupada:

-Estás magro, Michael! Não tomas conta de ti! Se calhar não comes bem...

Voltava a ser a irmã mais velha.

- Às vezes não tenho tempo, nem paciência. Como qualquer coisa, feita a correr.
- Tens que arranjar alguém! Tens que te apaixonar... Não se pode viver assim! És um lobo solitário.
- Arranjar alguém? Complicado como sou? E exigente... Só uma estrela!
- Brincas, mas não se pode viver tão isolado!
- Tenho amigos, bons amigos...
- Mas eles têm namoradas com certeza.
- Nem todos. E depois isso não importa. Estou vivo!
- Preocupas-me!
- Não te preocupes, minha querida... Eu podia sobreviver até no deserto!

Voltou a olhar em redor.

- O que eu adorava esta casa... Nos últimos tempos, quando voltava, era tudo extraordinário, outra vez. A mãe estava à espera e parecia que o tempo não passava, nem para ela nem para mim... Sentias isso também?

- Sim! Tudo voltava a ser igual: a frescura dela, a alegria, a facilidade enorme que tinha de nos pôr à vontade, nos fazer falar de nós, dos nossos problemas, sem insistir, sem perguntar...



Pensativa, abanou a cabeça.


- Nunca percebi como o fazia. E eu falava, falava...
- Queria facilitar-nos a vida pondo-nos a falar?

- Acho que sim...

- Nunca se substituía a nós, queria que fôssemos nós a pensar, a interrogar a vida, a analisar o que se passava dentro de nós e à nossa volta...

- Sim, Michael. E a saber escolher o que era verdadeiramente importante.

- Creio que nos queria preparar para a vida.




Voltou a olhar em volta:


- Era um mundo encantado...

- Ó Michael! Nada volta para trás. Acabou esse mundo encantado...

Ele pôs-lhe o braço no ombro e entraram em casa.



NOTA:

Escolhi estes quadros do pintor russo Alexei Kondratyevic Savrasov que pintou magníficas paisagens (24 de maio de 1830- 8 de Outubro de 1897) de enorme lirismo.
A paisagem de Outono é de Van Gogh

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Lembrando Franz Liszt que teria 200 anos em Outubro...

monumento de homenagem a Liszt, em Bratislava








Em França uma série de comemorações estão previstas e Liszt faz parte da maioria dos programas dos festivais de Música de Verão.
retrato de Liszt por Pierre Petit, 1870




Em La Roque d’Anthéron, por exemplo, o festival Internacional de Piano apresenta em várias noites música de Liszt. http://www.festival-piano.com/
Em Montpellier acontecerão eventos semelhantes.

http://www.festivalradiofrancemontpellier.com/

Franz Liszt ( Liszt Ferencz, ou Liszt Ferenc )

Nasceu em 22 de Outubro de 1811 em Raiding, na Boémia (então, Hungria e hoje pertencente à Áustria) e morreu em 31 de Julho de 1886 em Bayreuth, na Alemanha.
Raiding, Áustria, que pertenceu ao Reino da Hungria no Império Habsbúrgico


Franz Liszt compositor, pianista, virtuoso, chefe de orquestra e professor...


O pai tocava piano, violino, violoncelo e guitarra. Esteve ao serviço do Príncipe húngaro Nicolau Esterházy e conheceu pessoalmente Haydn e Beethoven.

Com 6 anos Franz começou a ouvir o pai com atenção e mostrou interesse pela música.

O pai ensina-lhe piano quando tem 7 anos e aos 8 anos Franz Liszt compõe algumas músicas.


Aparece em concertos em Bratislava, com 9 anos (1920). Depois desses concertos um grupo de pessoas abastadas decidiu pagar-lhe os estudos no estrangeiro.


Há quem diga que foi o próprio Príncipe Esterházy, melómano, que disso se terá encarregado e fez com que fosse estudar para Viena.


Teve mestres como Carl Czerny e Antonio Salieri.


O primeiro concerto público em Viena realiza-se no dia 1 de Dezembro de 1822, no "Landständischer Saal," e foi uma grande successo.


Foi elogiado nos círculos aristocráticos austríacos e húngaros e encontrou Beethoven e Schubert.

Em 1823, o Príncipe não renova a licença para a estadia da família Liszt em Viena: o pai de Liszt viera trabalhar ali. O pai abandona então o serviço do prímcipe. Voltam à Hungria, e de novo a Viena, onde o pai morre.


Depois da morte do pai, Liszt parte com a mãe para Paris. Durante 5 anos viveram os dois num pequeno apartamento. Para ganhar dinheiro e sobreviverem teve de dar lições de piano e de composição. Andava quilómetros e habituou-se a voltar de madrugada e a não tirar o smoking, porque não tinha tempo de voltar a casa e mudar de fato...


Considerado pelos contemporâneos como o pianista com a técnica mais perfeita do seu tempo. Alguns pensavam que era o maior pianista até então. Era sem dúvida um grande virtuoso do piano.


Liszt pintado por Henri Lehman


Franz Liszt pintado pelo pintor alemão, Wilhelm Le Kulbach


Um dia Chopin escreve numa carta a um amigo (na biografia de Adam Zamoyski, intitulada "Chopin, Prince of the Romantics"p. 106):

"Estou a escrever mas confesso que nem sei o que a caneta vai rabiscando. Liszt está a tocar os Études e as ideias fogem-me da cabeça".


E acrescenta: "Quem me dera poder "roubar-lhe" o modo como toca os meus Études".


Foi igualmente compositor. Atrás de si deixou uma obra que influenciou os músicos vindouros do século XX. casa em Weimar onde Liszt viveu.

Algumas das suas mais notáveis contribuições são a invenção do poema sinfónico.

No fundo tratava-se de uma peça musical para orquestra, num único “movimento” no qual se inclui um poema, uma história ou romance, uma pintura, uma paisagem etc.

quadro de Wilhelm le Kulbach para "ilustrar" um poema sinfónico de Liszt


O termo foi usado pela 1ª vez referindo-se às 13 composições de Liszt deste género - baseadas em poemas de Victor Hugo, ou Lamartine entre outros.



quadro do pintor Josef Danhauser



No seu período em Paris, Liszt procura colmatar as falhas na sua educação e procura o contacto de escritores como Victor Hugo, Lamartine e Heinrich Heine. E trava relações de amizade com vários artistas.


Neste quadro de Joseph Danhauser, vemos um sarau musical.


Corre o ano de 1840 e a cena passa-se num salão de Paris. Liszt toca piano. A audiêncai aé constituída por escritores e músicos. Assim da esquerda para a direita temos: Alexandre Dumas, Victor Hugo, Georges Sand, Niccolo Paganini, Joachino Rossini e a amante de Liszt, a Condessa Marie d’Agoult, de quem vai ter três filhas.


Desenvolve também o conceito da transformação temática (thematic transformation) como parte das suas experiências na forma musical e na harmonia, trabalhando até 1885 num tratado da harmonia moderna.


Tratava-se de uma técnica na qual o leitmotiv -ou tema- se desenvolve alterando-o através de vários processos (transposição, modulação, inversão, etc). A técnica corresponde essencialmente a uma “variação”.

Foi o benfeitor de uma série de músicos do seu tempo os quasi, na sua enorme generosidade, ajudou: Saint-Saëns, Edvard Grieg, Berlioz e Alexander Borodin.

http://youtu.be/3WereFdCsII


Mais tarde volta à Áustria, onde vai viver longos anos. Conhece Wagner que virá a casar com uma das filhas de Franz Liszt, Cosima.

Vive na Alemanha, onde morre.


As obras de Liszt para piano estão normalmente divididas em dois tipos: as obras originais e as transcrições, paráfrases ou fantasias, trabalhos em que "interpreta" -variando- outros compositores.


Assim, no primeiro caso, temos obras como as Harmonies poétiques et religieuses (de Maio de 1833) e a Piano Sonata in B minor (de 1853).


partitura da Sonata para Piano em B menor



No segundo caso, temos as transcrições de Liszt a partir de canções de Schubert ou as suas “fantasias” e arranjos para piano de sinfonias de Berlioz ou Beethoven. Nada melhor do que ouvir este grande compositor.


http://youtu.be/nlDlc34cW1Q

Deixo-vos algumas músicas de Liszt tocadas por intérpretes famosos. O meu preferido é Horowitz...

http://youtu.be/ioilkO6drNc
http://youtu.be/McUQ7aj2E5g
http://youtu.be/uSGUkvIHXLw
http://youtu.be/CD0m9vfXadQ


Para quem quiser relacionar Chopin e Liszt (como eu...por isso fui procurar).

Chopin nasce em 1810 e Liszt em 1811. Mas Chopin morre 37 anos antes de Liszt...



Horowitz interpreta Liszt: "Consolation No. 3"



Liszt - Romance "O pourquoi donc"



domingo, 24 de julho de 2011

Barbárie, intolerância e violência cega: NÃO!

Li esta descrição, que achei terrível, em La Stampa de ontem. O autor do artigo era Andrea Malaguti :

"Pouco antes do nascer do sol, os helicópteros voam baixo sobre o ligeiro espelho de água que divide a aldeia de Sundvollen do paraíso perdido de Utoya.
Os motores dos Sea King, que e transportam médicos e enfermeiros, martelam o ar com o seu ritmo inquietante.

Em pequenas barcas brancas os pescadores e os voluntários chegados das aldeias chamados pelo tam tam da Internet iluminam o perfil escuro do mar, repercorrendo para trás e para diante os oitocentos metros que dividem as duas costas.

Recuperam os corpos que boiam à superfície. Máscaras desfiguradas, a pele branca, os ombros e as costas furados de balas. Há farrapos de roupas por toda a parte. Sapatos. Camisas. Cintos. Jeans.

Pais esmagados pela angústia esperam notícias no Hotel Sundvollen Hotel, ponto de encontro dos que escaparam.

Gritos contínuos. Uma mulher vomita apoiada num banco. Está frio, e o vento gélido.

Está frio, e o vento é gélido.
A Noruega descobre o que significa confrontar-se com o Apocalipse.”
Confronta-se com a barbárie também. A barbárie que nos perseguiu séculos, que é ignorância, espírito reduzido que só pela inteligência e cultura conseguimos vencer.
O primitivismo da ignorância, da intolerância que percorreram a nossa história.

Nada disto é inesperado: aproximava-se a passos largos, pela Europa fora. O fundamentalismo não é só islamista, pode ser cristão como neste caso.Da nossa Inquisição que durou quase 3 séculos. Do egoísmo e da recusa da diversidade e da liberdade de pensamento do outro.

A alterofobia levada ao paroxismo do ódio, à insuportabilidade do outro e da diferença - seja ela étnica, de religião ou política- pode conduzir a casos extremos psicopáticos, como neste caso. Mas esse sentimento de intolerância existe latente, em pessoas ainda normais...

Ao ponto de se virar contra os próprios semelhantes – iguais idênticos até na cor da pele, no loiro dos cabelos, no ar de vickings e na religião... mas não nas ideias políticas. ´
E o ódio explode só porque a política de um governo é adversa às suas “ideologias” (que ideologia???) de extrema direita e tem uma política de imigração tolerante. Insuportável de aceitar!

Culpa dos ideólogos e leaders de certos partidos extremistas que “giram” pela Europa, apontando como os bodes expiatórios da crise – e de todas as desgraças - os forasteiros.
Que não discutem as ideias e se limitam a apontar "culpados". Os culpados são sempre os estrangeiros. Os “métèques” de todos os tempos - de que falava Georges Moustaki.

Pela Europa toda. Basta ver o que aconteceu recentemente aos ciganos na Hungria que o governo (de extrema direita ) quer guetizar, fechar detrás de um muro alto.

Leio António Sérgio (Volume II dos “Ensaios”, “O Reino Cadaveroso ou o Problema da Cultura em Portugal”, Clássicos Sá da Costa).

Conta ele que o tempo em que nós portugueses fomos grandes foi o das Navegações: que criaram em nós a atitude crítica, a atitude de independência em relação à Autoridade dos textos”.
De curiosidade e abertura ao novo, ao diferente.

De facto, a descoberta do Outro enriqueceu-nos nessas viagens, fizéssemos o que fizéssemos de bem ou de mal.

Cita Garcia da Orta e os seus Colóquios dos Simples e Drogas.

Foi essa abertura a outra realidade tão diversa da circunstante europeia que nos levou às grandes descobertas.

A descoberta do desconhecido: o outro, os outros, a natureza-outra, a realidade-outra, o homem-outro!

A “nova terra, o novo céu, o novo homem”.

É Garcia da Orta quem diz “não importa a sabença, mas o contributo da busca para a libertação do espírito”, considerando-se ele mesmo um “inquiridor de verdades”!


A “nova terra, o novo céu, o novo homem”. As plantas desconhecidas, as "drogas" novas, novas medicinas... Contra a Autoridade aristotélica, ou da Igreja, dos peripatéticos medievais. Foi nessa crítica que mais próximos estivemos do espírito renascentista.

E foca a importância do desejo de Garcia da Orta “contar o que vira no Malabar” – coisas que, contrariando embora a Autoridade, ele as sabia “muito bem sabidas, como testemunha de vista”.

O tal “saber de experiência feito” de que fala Camões (que o conheceu na Índia) quando diz : “vi claramente visto”...

Foi essa abertura a outras realidades tão diversas da circunstante europeia que nos levou às grandes descobertas.

A aventura do desconhecido: o outro, os tantos outros, a natureza-outra, a realidade-outra, o homem-outro!





Também citado por António Sérgio, aparece o cosmógrafo e navegante Duarte Pacheco e o seu Esmeraldo de Situ Orbis.
Escreveu no Esmeraldo: “a natureza usa de grande variedade em sua ordem, no gerar e criar coisas”.

Essa natureza é variegada e riquíssima e é através da observação, da experiência e do conhecimento que se abrem os espíritos.

Por isso é "melhor ter muito visto", diz.


Quem muito vê, mais encontra (também vi muita gente viajar e voltar exactamente tal qual como partiu: não "viu" nada...).


E se tiver o tal espírito crítico e aberto - e não se refugiar no “nacionalismo” doentio, no "já conhecido", "no seguro, porque igual a mim"- muito encontrará na vida que o possa enriquecer.

O conhecimento é fecundo e dá muito...


Faz com que encontremos o diferente, a parte desconhecida de nós mesmos que nos tornará mais completos quando a descobrirmos. E com ela dialogarmos, em colóquio...

Com os outros...

Árabes, judeus, cristãos, islamistas, animistas, de cor branca ou negra, etnias várias, asiáticos, caucasianos ou mongóis – o que importa?

É essa variedade – a tal variegada natureza criadora - que enriquece a vida e a humanidade!


Pobres dos espíritos doentes, extremistas e restritivos da liberdade de pensamento e de opinião do outro, dos fundamentalistas de todas as religiões, seguidores da Autoridade Única ou de qualquer forma de Superioridade rácica ou religiosa ou política...

Na Noruega foi esse espírito doente, medieval, escolástico e peripatético, intolerante e fechado sobre si, sim, foi ele que fez a carnificina!

Espírito reduzido onde o "plenilúnio da cultura" (de que falava Sérgio) não chegou.

Da cultura verdadeira e aberta, construtiva, que amplifica e abrange em vez de reduzir e fechar...


Georges Moustaki, Le Métèque




Notas:

Garcia da Orta nasceu em Castelo de Vide, cerca de 1500 e morreu em Goa, cerca de 1568.

Médico judeu português viveu na Índia no século XVI. Autor pioneiro sobre Botânica, Farmacologia, Medicina Tropical e Antropologia, escreveu “Colóquios dos Simples e Drogas e Cousas Medicinais da Índia”.


2. O "Esmeraldo de Situ Orbis" é um manuscrito da autoria do cosmógrafo português Duarte Pacheco Pereira. Dedicada ao rei D. Manuel I de Portugal (1495-1521), a obra foi montada em cinco partes, com um total de duzentas páginas, em 1506. Conforme descrito nas próprias palavras do autor, trata-se de uma obra de "cosmografia e marinharia”.

"A experiência é a madre de todas as cousas, per ela soubemos redicalmente a verdade..."
Esmeraldo de Situ Orbis, p. 196

http://carreiradaindia.wordpress.com/category/o-esmeraldo-de-situ-orbis-duarte-pacheco-pereira/