sábado, 25 de junho de 2016

A poesia de Charles Baudelaire, sempre...



“Embriaga-te!
Seja do que for – não necessariamente
De álcool… 
De poesia, de virtude,
De vento, de vagas, da estrela
E do pássaro…”
Hocusai, A grande vaga
Hocusai, Vendaval

(Para não sentires o horrível fardo do tempo que te pesa nos ombros e te inclina para o chão, para a terra…)
 Baudelaire, por Gustave Courbet

Um dia, em que, na solidão morna do quarto onde acordares, não te sentires em forma - porque essa bebedeira passou – pergunta ao vento, à vaga, à estrela e ao pássaro e ao relógio que horas são.



E o vento, a vaga, a estrela, o pássaro e o relógio dirão:
 A grande vaga de Yin Yan


"É hora de te embriagares!...
De vinho, de vento, ou de poesia ou virtude,
Como quiseres…”

(Charles Baudelaire, in Le Spleen de Paris)

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Sidney Bechet Ouvir "Petite Fleur", no Olympia de Paris (8 de Dezembro de 1954)

Flor de lótus (fotografia de Lê Thu Thahn)

Jardim algures

Sidney Bechet nasceu em Nova Orléans, em 14 de Maio de 1887, e morreu em Paris em 14 de Maio de 1959. Vai para Chicago em 1917, onde se liga a músicos e ao Jazz.


Compositor de jazz, clarinetista, saxofonista, foi solista na célebre orquestra Souther Syncopated Orchestra, dirigida por Will Marion Cook (1919) e com ela viajou pela Europa. Em Londres, apresentaram-se em espectáculo ao Rei George V.
Will Marion Cook

Foi um músico prodígio, nascido numa família crioula da Luisiana.  
Típico expoente do ramo  jazz crioulo, foi um dos maiores solistas do primeiro jazz, abrindo caminhos sobretudo ao uso do saxofone soprano
Em Londres descobrira o “saxofone soprano” que vai substituir o clarinete. Mais fácil para fazer o “vibrato”, sua marca.

Ernest Ansermet, músico e director suíço, da Orquestra da Suisse Romande, amigo de Stravinsky, foi, no campo da  música clássica,  um dos primeiros a levar o Jazz a sério e, em 1919, escreve um artigo a elogiar Sidney Bechet.
"Muito especial", dizia dele Ansermet “Bechet segue o seu próprio caminho esteja onde estiver. E talvez seja o caminho em que amanhã o mundo vai swingar”.   

Ainda novo, muda-se para New York. Onde vai encontrar Louis Amstrong e Clarence Williams.


Clarence Williams, pianista, consegue que ele grave com Louis Amstrong.  


A partir de 1949, vive em França, onde morre em 1954. Tinha 62 anos e era famoso.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Um poema de Rimbaud, 'L'esprit', e dois pintores de que gosto.

L’esprit
Ondinas de água, de John Waterhouse

"Eternelles Ondines,
Divisez l’eau fine.
Vénus, soeur de l’azur,
Emeus le flot pur.

Ninfa do bosque, de John Waterhouse

Juifs errants de Norwège
Dites-moi la neige.
Juif e casa no bosque, de Chagall

Chagall, Judeu a ler

Anciens exilés chers
Dîtes-moi la mer."


segunda-feira, 20 de junho de 2016

EDUCAÇÃO! EDUCAÇÃO! EDUCAÇÃO!

Falar de educação tem sempre sentido. E de professores também. 
Encontrei um belo artigo na revista britânica, The Economist, que fala exactamente destes problemas. E pensei o que há de verdade no que se pensa e se diz sobre o assunto.
Há professores-natos - ou é um mito? Nasce-se professor? Para mim, não se nasce. É um longo trabalho de aprendizagem em que há a parte do estudo, do conhecimento da pedagogia, e da cultura.
Para se ser professor tem de se ter um dom especial? Talvez: paciência e vontade de aprender e de passar aos outros o que se sabe.
Neste número de The Economist, tudo começa na aula de Matemática dum professor, com alunos entre os 12/13 anos. 
Quem o visse, à vontade, tranquilo, voz forte e agradável, sorrindo a cada resposta correcta, pensaria: “Jimmy C. nasceu para ser professor”. No entanto, não nasceu ensinado: formou-se na “arte de ser professor”, na North Star Academy em Newark (New Jersey). 


North Star Academy 

Ele é o resultado de uma nova maneira de preparar os professores (a Relay Graduate School of Education), exercitando-os a ensinar, de modo que os alunos possam aproveitar o máximo; e serem obrigados a pensar muito, mas com calma e ritmo. Como uma arte.
Parece simples, não é? Mas é muito difícil. São técnicas experimentadas, calibradas, verificadas. E  que o candidato a professor vai aprender.

Poucas artes são tão necessárias! Muitos factores estão na base do sucesso de um aluno, mas um dos principais é o acesso a um ensino de qualidade para todos"
Os alunos mais favorecidos têm sempre detrás o apoio dos pais e dos explicadores, enquanto os alunos mais pobres, ou vindos de meios desprotegidos, esses nunca recuperarão o atraso, se não tiverem na sua escola pública um ensino bom…
 Ensinar a ser professor é então necessário, para um ensino de qualidade? De certeza! Porque a verdade é que, de facto, os professores não nascem ensinados para ensinar…
Lembramos todos filmes e livros em que o professor nem sempre tem um papel fácil. No artigo, fala-se do filme de John Smith (1995), "Dangerous Minds", com Michelle Pfeiffer. Mas há, ainda, o "Good-bye Mr. Chips", tirado do livro de James Hilton. Ou "Sementes de Violência" (Blackboard Jungle, 1955), de Richard Brooks, com Glenn Ford.
imagem de "Dangerous Minds"

Aqui fala-se do ensino como uma forma de arte – uma ‘arte’ difícil com a qual não se vem ao mundo. O professor deve ser apenas o que escolheu essa arte de ser professor. Ou deveria. 
Para mim, o filme que melhor fala da dificuldade -ou da facilidade (apenas aparente)- de se ser professor é  "O Clube dos Poetas Mortos" (Dead Poets Society, 1989), de Peter Weir, com o inesquecível Robin Williams.
O professor não devia ser nunca (como tantas vezes é) aquele que se sentiu relegado noutros planos que lhe interessavam mais, e se ‘viu obrigado’ a ser professor porque era o “refúgio” que “estava ali à mão”. O refúgio dos que não conseguiram mais nada e que (em tempos idos!) era um lugar de trabalho seguro.

escolas no Japão

Não podemos esquecer que a base com que se trabalha é sempre a mesma –os alunos- mas que há modos diferentes e mais úteis de ajudar os alunos a aprenderem.


Tudo mudou nos últimos anos, é certo, mas muita coisa continua errada, e eu estou de acordo. Seguindo o artigo, vejamos:
Ensinar não é (só) ter um dom inato, ensinar é uma arte terrível mente intrincada e complexa.”
Daí que a formação de professores na ‘arte’ de ensinar”, de que fala o artigo, me tenha agradado.
Elisabeth Green

Fala de Elisabeth Green, chefe de fila da Educação, na América, e do seu livro,  Building a Better Teacher.
É possível construir um professor melhor?
A narrativa de Green acessível e fascinante recusa o ‘mito’ do ‘professor-nato’ e apresenta professores que exploram a ciência por detrás da sua arte de ensinar."(**)
Os professores não podem ser deitados às urtigas, 'lançados na arena' (desculpem a metáfora!), com turmas de 30, 40 alunos, sem preparação pedagógica nem ‘treino’. Precisam de ser preparados, exercitados nesta específica profissão em que se educam jovens seres para o saber e para a vida. Para a relação com os outros. Para o conhecimento.
Há dias tive uma conversa com uma jovem professora que admiro. Ela falava das “grelhas” que detesta. “Querem pôr tudo na grelha”. Quantificação a mais, estatísticas e professores que se refugiam detrás das grelhas?
E contou uma discussão com outros colegas, em que uma teria dito, abespinhada com as críticas dela: 
“Olha que eu tenho 33 anos de experiência!
Ao que ela respondeu, com ironia: 
Não. Tu tens um ano de experiência repetido 33 vezes…”

Não quero meter-me no que não sou chamada, mas adorei, confesso. Porque conheci muitos casos destes: alguma preparação, nos primeiros anos, leituras e consultas, muita convicção no que se fazia e pouca abertura. 
Aliás, uma das coisas que se 'aprende' neste artigo é que quanto mais 'convencido que sabe' é o professor, menos bem ensina.
aula na Coreia do Sul

Mesmo em relação aos professores, considerados bons antigamente, muito haveria a dizer. Caía-se no ram ram ( o tal 'ramerrão' de certas aulas soporíferas) e na repetição do mesmo assunto, com as mesmas palavras, de aula para aula, numa monotonia assustadora.
Recordo certa professora que perguntava, espantada: “O quê? Preparas as aulas todos os dias? Mas és mesmo burra. Então, há tantos anos e ainda não decoraste o que vais ensinar? Não fixaste o que vais dizer?”, como se a matéria de uma aula fosse coisa que se decore ou se fixe.
Nos tempos de hoje, há muito bons professores a fazerem um grande trabalho e é um ‘mito’ (derrotista) dizer que “dantes é que os professores eram bons!” 
Alguns eram, outros não. As aulas eram diferentes e os alunos também. O professor falava para um grupo silencioso (podiam ouvir, ou não, o que se dizia…), de modo repetitivo, a mesma matéria, os mesmos livros analisados até ao osso da gramática. Pergunto: quem podia ter prazer na leitura do livro depois disso?
escola em Singapura 

Novos modos? Novas técnicas? Sim. Pensar e 'fazer pensar' nas aulas é extremamente importante! Quanto tempo ‘se pensa’ numa aula? Existem técnicas que podem ajudar: “perguntar, responder e passar a pergunta a outro colega". O “turn and talk” em que os alunos têm de explicar rapidamente o que estão a pensar a um colega que vai continuar o turn and talk. 
Ir assistir às aulas dos outros professores e convidá-los para as suas é também uma técnica. Como faz o outro nesta ou naquela situação? Porque se aprende nesta "cultura de observar e reagir".
Na amálgama por vezes agressiva ou quase violenta, e na riqueza da turma, há muitas soluções a procurar ‘estudar’. Como resolver as situações de pré-violência e lidar com a provocação -e mesmo a 'tensão' - que, por vezes se gera? 
Que acontece mais do que se pensa, nas salas de aula. Nesses casos complicados, não basta ao professor 'gostar muito' de ensinar!
'Sementes de violência', 1955
Filme de rara violência, há, em "Sementes de violência",  vários "frente a frente" entre professor-aluno que não são simples de superar para o professor.

Muita ‘técnica’ a aprender, para motivar, prender a atenção, usar bem o tempo. É a sala de aula que “marca o passo” do professor e ele tem de avaliar cada aula como um caso.

O que diz de interessante o livro de Elisabeth Green sobre a educação (e como melhorar o ensino), que tem feito sucesso na América: “Building a Better Teacher”. Terei de ler o livro, mas, para já, acho que é maravilhoso alguém se ter interrogado sobre o que é professor nisto tudo? 
Apesar de 70% dos americanos acharem que a “habilidade de ensinar é um talento inato”, para Elisabeth Green isso não passa dum mito : “A caixa negra, escreve ela, está na sala de aula”.

É na sala de aula que se percebe o que está errado, ou certo, naquilo que se aprendeu no curso, nas 'formações'  rápidas e vagas de mais. E aproveitando o que se aprendeu (e o que se sente importante) é que se consegue ensinar melhor. Na prática… 

Algumas conclusões desta auto-observação na prática:
-1º Os professores reconhecem que o modo de ensinar está errado;
- 2º Percebem que há talvez outros modos de ensinar melhor.
Mas essa tal ‘prática’ pode ser auxiliada através da “preparação” prévia do professor, e isso é importantíssimo.
Por isso mesmo, se criaram, em Inglaterra e na América e na Ásia (*), as Escolas para treinar professores. 
Em 2014, um dos especialistas do ensino, da Universidade Durham de Londres, afirma que “as técnicas mais comuns do ensino usadas na sala de aula não prestam”. Têm que se inventar outras.
Alguns conselhos práticos, para melhorar: desenvolver o espírito crítico dos alunos, a todo o momento, em pequenas tarefas; escolher trabalhos curtos e directos para o aluno pensar e responder -e para o prof poder verificar a aprendizagem de modo rápido; aulas planeadas (ainda há muito boa gente que o não faz…) e conduzidas segundo o ‘objectivo’ de cada aula; usar a interacção sempre que possível; antecipar o erro, prevendo as dificuldades da turma; espaçar e variar os exercícios, pois como mostram as ciências do conhecimento, consegue-se “reter” durante mais tempo o  ensinamento; evitar a memorização e o ‘decorar’ porque é o que se  faz nas escolas em atraso.

E mais: em vez de perguntar “o quê?", insistir antes no “porquê?” e no “como?” – que levam o aluno a procurar a razão daquilo que está a aprender e, por outro lado, permite ao professor verificar o progresso da compreensão.
Eu acrescentaria: dar espaço ao 'sonho' e à imaginação, para se 'abrir' uma relação criativa com o professor, para que a 'descoberta' seja resultado dessa tal "arte" de ensinar. 
Vejo muitas vezes antigos alunos 'procurarem' o antigo professor para continuarem a falar dos mesmos assuntos que foram 'falados' nas aulas. Não falo de mim, mas sei de quem falo...

Conselhos práticos, úteis sim, mas difíceis de “realizar” sem apoio, tão à distância dessas escolas ‘mágicas’. 
Ter a consciência de que se pode ensinar melhor é já meio caminho andado – mesmo que não seja suficiente para levar o professor medíocre -porque impreparado- a ensinar melhor, de repente. O professor pode fazer progressos, mas é essencial que se lhe dê uma indicação clara do caminho a seguir, e de como mudar "para melhor".

E o que se procura fazer nas  Relay Schools para professores.
Os novos professores –afirmam eles- têm a tendência para se activarem na preparação da profissão, nos primeiros anos, mas fazem-no de modo desorganizado e a luta pela boa aprendizagem nem sempre resulta.”

O novo modo de ensino preconizado pelas escolas americanas, asiáticas ou inglesas seria bem mais rápido, pois prevê a ajuda prévia de modo a que "essa desorganização do professor possa ser sistematizada, com antecedência, para evitar erros futuros.” 
Universidade Durham

E insistem: “é importante pensar que os alunos não podem descobrir sozinhos certas ideias complexas. O professor dever transmitir o conhecimento enquanto cria o espírito crítico do aluno.

Criar uma Cultura do "pensar" é fundamental! O aluno não deve aceitar passivamente o que ouve. 
Agir! Interagir! Pensar! Criticar! Como? Fazendo-o pensar, julgar e dar a sua opinião. 
Como bem dizia um professor da Universidade de Singapura, Charles Chew: “Eu não ensino Física; eu ensino aos meus alunos como se aprende a física”.
Universidade de Singapura
Sabemos que deveria ser assim. Depois olhamos para o que se passa por aqui e por ali e não é bem a mesma coisa…
Para se ter um ensino de qualidade, além de ensinar os professores é, creio, dignificar a profissão, pagar bem os professores, fazer com que sejam prestigiados. E haver respeito pela educação!
Hiroshige, Fuji 1895 
Recordo a minha amiga japonesa, a Senhora Yoko, que me diz sempre:
Japão muita cultura. Tudo diferente da “Iuropa”. Educação, educação, educação! E “Iuropa” não entende nada do Japão. Muito ignorantes do Oriente. Só falam de sushis e tsunamis…Japão é muita cultura! Muita educação". E repetia: "Educação!Educação! Educação!"
Tem toda a razão a minha amiga Yoko. Mas pergunto: Os professores, nesses países que levam a sério a educação, quanto ganham? E quantas horas trabalham? 
importância da escola no Japão

Na Ásia, trabalham 12 horas por semana, na América cerca de 27. E há uma carreira separada. E ganham bem porque são úteis à sociedade e criam as gerações do futuro.
aula no Japão

E por cá como é? Há professores que são verdadeiros heróis! E penso que a nossa escola pública é uma escola decente a nível internacional. Com muita coisa a melhorar. E nisso deve seguir-se o exemplo dos países que o fizeram, sacrificando outras necessidades!

Na Coreia do Sul, por exemplo, a excelência das escolas pretendeu colmatar a brecha enorme da pobreza do país, depois da Guerra. Ensino alargado, escola pública de qualidade transformaram a Coreia do Sul num dos grandes 'tigres' da Ásia - sobretudo na Educação!

Escolas para professores, por que não??? Os professores não nascem ensinados mas podem ter uma forte inclinação para ensinar, e para aprender sempre mais, isso sim! E não esquecer: A caixa negra está na sala de aula”.

É um "mister", belo e difícil, a arte  de ensinar!
Pestalozzi e a 'arte  de ensinar'


(*) As melhores escolas estão na Ásia : Coreia do Sul, Japão, Singapura e até na China, em Pequim e Shangai. 
Os profissionais que se encontram mais isolados no trabalho e afastados de certos contactos e feedback são os professores do Ocidente, da Europa sobretudo - excepto a Finlândia, país onde “existe a cultura de colaborar com os outros, a cultura de reacção”.

(**) O livro de Elisabeth Green "explica, dramaticamente, que o grande ensino não é uma coisa mágica, mas uma 'aptidão' – uma aptidão que se pode aprender.”