quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Valery Larbaud e um poema sobre Lisboa - "Nuit sur le port"...



O escritor francês Valery Larbaud nasceu em Vichy, no dia 28 de Agosto de 1881, e ali morreu em 2 de Fevereiro de 1957. Escritor,  mas também poeta, romancista, ensaísta e tradutor.
Publica os primeiros versos, usando pseudónimos -heterónimos, como o nosso Pessoa, mas não de modo tão elaborado- como A.O. Barnabooth (o mais conhecido), Hagiosy L. ou M. Tourmier de Zambe. 
O pai de Larbaud era proprietário das Termas das Águas de Vichy e ele viveu sempre muito bem, 'uma vida de dandy', como dizia. 
Era um grande viajantepela Europa, em deslocações constantes - como tanto as sonhou o nosso Cesário Verde! 

Sim, "Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o mundo!"  Recordo esses versos do Sentimento de um Ocidental, o seu desejo de evasão, de viagens, fechado na sua Lisboa e, depois, no campo. Indo até Paris, de passagem, e pouco mais. Quanta nostalgia não terá tido das viagens que não faria!
                  “Batem os carros de aluguer ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o Mundo!”

in 'Sentimento de um Ocidental', Cesário Verde (1855-1886)


Valery Larbaud viajava nOrient-Express, mas igualmente no Sud-Express que, segundo ele, não se deveria chamar Sud-Express, nem sequer Paris-Lisbonne, mas sim "Quai d'Orsay-Rocio" (assim era a ortografia de 'Rossio'...) -que era a viagem que  fazia. Frequentava as termas porque tinha a saúde muito frágil. De Inverno, ia para Montpellier, ou Nice, por causa do clima ameno do Sul.
Em 1934, adoece seriamente. Volta de uma viagem a Itália num grande abatimento e, em 1935, sofre um acidente cerebral que o deixa hemiplégico e afásico. E vai passar os últimos 22 anos da sua vida, numa cadeira de rodas e incapaz de falar.
Grande leitor, Valery Larbaud possuía uma biblioteca extraordinária. Conhecedor de várias línguas: fala italiano, alemão, inglês e espanhol, é um grande tradutor.

Traduz James Joyce, por exemplo, de quem fica amigo. Vai ser ele o ‘corrector’ do Ulysses (traduzido por Auguste Morel) e é a Joyce que dedicará a novela “Amants, heureux amants”. 
É também o tradutor de poesias de Coleridge, de algumas obras de Samuel Butler - que admirava- e de muitos outros.
 Samuel Butler
O que ele próprio escreve é de uma grande beleza, e as suas  figuras femininas de jovens e de adolescentes são tratadas com delicadeza.
Publica Fermina Marquez” em 1911 onde fala dos amores da adolescência. Há quem o compare ao "Grand-Meaulnes", de Alain-Fournier.  
Depois, vem “Enfantines” em 1918 - de que quero destacar duas novelas: "Rose Lourdin" e "Portrait d’Eliane à quatorze ans".
Do livro intitulado "Amant, heureux amants" (dedicado a James Joyce, 1920), releio a edição da Gallimard (a 5ª edição, de 1924) que agrupa também “Beauté mon beau soucis” (1921) e “ Mon plus secret conseil”. 
Auguste Renoir

O título Beauté mon beau soucis” (livro dedicado à cidade de Alicante) é tirado dos versos de Malherbe, que dizem: 

“Beauté, mon beau soucis, de qui l’âme incertaine
A comme l’Océan son flux et son reflux:
Pensez de vous résoudre à soulager ma peine,
Ou je vais me résoudre a ne la souffrir plus.”
Auguste Renoir
É uma história, cheia de poesia em dois momentos - em que os sentimentos parecem 'brotar' sem entendermos porquê. Amor? Desconfiança? Quem ama quem, de verdade? Marc Fournier ou Richard Harding? Qual deles escolherá a figurinha de adolescente, depois jovem mulher, a inglesinha Queenie Crosland que o seu criador trata com tanto amor. 
Tal como a Fermina Marquez, aluna do Colégio Espanhol. Tal como as outras mulheres.
Cedo viaja por Itália, que percorre de cima abaixo, sobretudo o Norte. Veneza, Florença, Génova mas também Nápoles. Ou Inglaterra. Em 1911, encontra André Gide em Londres - de quem fica amigo e que convida, mais tarde, para a sua casa de Vichy. 

Casa de campo da tia de Valery
A casa de Valery Larbaud era, aliás, muito frequentada por amigos, escritores ou pintores: Léon-Paul Fargue, Charles-Louis Philippe, Fernand Léger, Claudel e Paul Valéry – que admirava- são alguns deles. 
Existe, em Vichy, o Centro Cultural Valéry LarbaudNa sua biblioteca, encontram-se todos os grandes escritores do seu tempo. Sabia admirar, sem inveja.
“Era uma das suas qualidades, (escreve Marcel Arland no Prefácio das “Oeuvres”, Gallimard, Pléiade) a disposição que  tinha para amar e admirar”.
Além do mais, divulgador que foi, através das suas traduções de autores desconhecidos – americanos, ingleses, espanhóis, portugueses  e italianos- “fazia da tradução uma obra de arte ao mesmo título que as suas próprias obras e isso era outra forma de generosidade”. “Traduzir com amor, continua Arland, “favorecia, nas literaturas europeias, a mútua compreensão e as trocas.” E o mútuo apreço.
Em 1924, em Génova, encontra o amor da sua vida, Maria Angela Nebbia, uma italiana, genovesa, que o acompanhará toda a vida.
Descobri, há dias, num livrinho oferecido há muitos anos por uma pessoa amiga, “Poésie dans la nuit", o poema "Nuit sur le port", que fala de uma passagem do autor por Lisboa.
Valery Larbaud tinha grande curiosidade em conhecer o nosso país. Conhecia bem a Espanha, desde a Andaluzia a Barcelona, e ficara amigo do escritor Ramón Gomez de la Serna.
Em 1926, decide viajar com Maria Nebbia até Lisboa. Gomez de la Serna vivia, por essa altura, em Portugal, numa vivenda que mandara construir no Estoril, “El Ventanal”, que Larbaud achava “bizarra como o seu proprietário”. "(…) Com janelas abertas sobre o Oceano, e virada para a América”.
'El Ventanal', no Estoril, que existe ainda
Quando parte para Lisboa decide não avisar Ramón do dia da chegada. 
Chega no Sud-Express, a 25 de Janeiro de 1926. Conta: “estava apenas a uma hora de caminho de comboio para o Estoril e da casa de Ramón. Ele esperou-me dias seguidos, mas o tempo passou –eu cheio de vontade de o ver”. 
o Sud-Express, em Santa Apolónia
E ia, no entanto, arranjando mil pretextos para evitar a curta viagem, desde o estuário do Tejo, desde a Avenida da Liberdade -onde vivia- até ao Estoril. Adiamento que correspondia apenas à vontade de “andar por Lisboa, sozinho com Maria Nebbia, e termos, juntos, alguns momentos  de calma”.  
E vão 'flanando' pela cidade, entusiasmados, com as coisas que nunca vira, arriscando-se até Belém e Algés. 

Encanta-se com a vista que tem da janela da pensão onde se instalam na Avenida da Liberdade, nº 168. Escreve:
“A 'Avenida da Liberdade'a Avenida por excelência, para onde dão as minhas janelas, está toda lilás, com as árvores floridas, e, através daquelas grinaldas vivas e perfumadas, o sol mal consegue atingir o pavimento de grandes desenhos brancos em fundo cinzento.”

Encanta-se com os bairros, da Baixa e da Alta de Lisboa, com as vistas do elevador de Santa Justa sobre a cidade. Encanta-se com as cores, com as árvores e as flores e com as gentes que acha afáveis mas taciturnas.
No Museu das Janelas Verdes, deslumbra-o uma cabeça de Cristo, um Ecce Homo, dum primitivo português, anónimo, da 2ª metade do século XVI, que ali encontra. E recorda esse olhar invisível que o impressionara tanto, “coberto com um manto real, o olhar que nunca veremos”.
Este Ecce Homo (ver o link abaixo) é uma obra magnífica da segunda metade do séc. XVI. Encontrei a imagem num blogue que falava do referido quadro: 
Uma representação poderosamente dramática e contida de Jesus, ultrajado e supliciado, no Pretório antes do Calvário, depois de flagelado, cingida a sua cabeça com uma coroa de espinhos, os braços atados com uma corda, que lhe rodeia o pescoço e desce ao longo do pescoço nu até aos punhos, com um manto branco que lhe encobre a coroa e lhe tapa a parte inferior do rosto, encobrindo-lhe os olhos".(*ver o link abaixo)

Encanta-se com a passarada empoleirada nas árvores sem folhas, do Largo Camões e as árvores cheias de pássaros, nesse Março de 1926. 
Encanta-se, para terminar, com a sua amada Praça do Comércio – de que fala com um entusiasmo juvenil, que lhe é tão natural, nestas páginas sobre Lisboa!
O nobre espaço solar do Terreiro do Paço, a mais bela praça da Europa, rodeada de palácios antigos erguidos sobre arcadas e com as escadas que descem na água do Tejo, vasta, como um braço de mar. O facto da praça não ter pavimento contribui para a impressão  majestosa que nos dá: o principal está dado: tal como ‘a Piazza del Popolo’, com os sulcos e os atoleiros, como na gravura de Piranesi.”
Valery Larbaud era, como Julien Greene ou Olivier Frebourg, um amante do Terreiro do Paço, a Praça do Comércio, que considerava uma das mais belas praças do mundo, ali à beira do Atlântico. 
Dias mais tarde, já na companhia de Ramón, conhecerá escritores portugueses, entre eles António Sérgio e Almada Negreiros, fará uma conferência sobre a poesia francesa do século XVI, será aplaudido, encontrará amigos!

Acho que já falei de mais! Deixo a poesia de Larbaud, "Noite no porto".
Do seu yacht, o poeta apercebe os contornos  da cidade de Lisboa, como se a espiasse de longe. 
“O rosto vaporizado em Portugal”, desejando “viver nesse perfume de laranja em nevoeiro fresco”  a espreitar, “de joelhos no sofá da cabine, às escuras, através do clarabóia redonda e luminosa que recortava a noite”.

E contempla as avenidas dos casinos e os cafés, os globos de luz branca dos candeeiros, através dos cortinados pendentes, das palmeiras sombrias, a ver as fachadas iluminadas dos hotéis imensos.

Nuit sur le port
"Le visage vaporisé au Portugal
(Oh, vivre dans cette odeur d’orange en brouillard frais!)
A genoux sur le divan de la cabine obscure
-  J’ai tourné les boutons des branches électriques-
A travers le hublot rond et clair e, découpant la nuit,
J’épie la ville.
C’est bien cela; c’est bien cela. Je reconnais
L’avenue des casinos et des cafés éblouissannts,
Avec la perspective de ses globes de lumière, blancs
A travers les rideaux pendants des palmiers sombres.
Voici les façades éclairées des hôtels immenses,
Les restaurants rayonnant sur les trottoirs, sous les arcades
Et les grilles dorées des jardins de la Résidence.
Je connais encore tous les coins de cette ville africaine:
Voici les postes, et la gare du Sud, et je sais aussi
Le chemin que je prendrais pour aller du débarcadère
À tel ou tel magasin, hôtel ou théâtre;
Et tout cela est au bout de cette ondulation bleue d’eau calme
Ou vacillent les reflets des feux du yacht…"

Lettre de Lisbonne”, em “Jaune Bleu Blanc”, Oeuvres, Pléiade, Gallimard (pp. 918-933).
Lisbonne géocritique d’une ville”  de Alain Montandon

outros links:

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Morreu um Homem que se chamava Shimon Peres : lutou pela Paz!



Morreu um grande homem, sem dúvida, e o mundo vai ficar mais escuro, mais sombrio. No entanto, como acredito que nada é em vão, a sua acção e as suas palavras e gestos marcarão as gerações israelitas futuras. Não acredito em fatalidades negativas por isso sei que Israel vai dar a volta necessária e afastar quem o não serve bem. Outro 'justo' virá!
"Quando o justo (e a sua consciência) deixa a cidade, fica a cidade às escuras”.
Com Ytzhak Rabin, Shimon Peres foi um dos motores dos acordos de Paz de Oslo. Por esse facto, em 1995, recebeu, com Rabin e Arafat, o  Prémio Nobel da Paz.
Leio o que sobre ele escreveu Avi Shavit, jornalista e historiador israelita do 'Ha'aretz': 
“Por razões muito diversas e em modos diversos Rabin e Peres perceberam que o conflito de via acabar. De falcões previsíveis tornaram-se pombas.” 
Como Rabin, Shimon Peres considerava que a Paz é para se fazer com os inimigos –não com os amigos, pois com esses não é preciso. 
Por isso, até ao fim da vida acreditou que a Paz entre Israel e a Palestina seria possível. Por brincadeira costumava dizer, nos últimos tempos: "Se for preciso, vivo mais dois anos para assistir a esse momento!"
René Magritte, No limite da liberdade

Nasceu na Polónia, em 1923, com o nome se Szimon Persky. Por curiosidade, era Persky o nome da actriz Lauren Bacall que era da sua família.
A família de Szimon Persky, na Polónia
"Se não tivesse sido sempre de um optimismo excessivo em cada instante da minha vida, não teria chegado aqui. Apesar das ameaças, das guerras. Apesar do meio ambiente onde o pessimismo, ai de mim, é mais considerado. Fico consternado ao ver até que ponto tudo é feito para quebrar o 'élan', o entusiasmo, a audácia, o sonho e, sim, incitar ao cepticismo, mesmo ao cinismo enquanto o importante seria insuflar força e confiança no mundo. Pais e professores procuram normalizar  as crianças: obrigam, enquadram, em vez de lhes dar asas. Que erro!"
“Tive a sorte de me ter cruzado na minha vida com um génio, Bem Gurion, o fundador do Estado de Israel. Era, simultaneamente, um verdadeiro intelectual e um líder nato. Um homem erudito, ávido de conhecimentos em todos os campos –história, filosofia, línguas– mas também um homem de pulso e de decisão. 

Não se esquivava a nenhuma pergunta ou dúvida e estava-se nas tintas para as convenções pondo em questão sempre tudo, todas as ideias pré-concebidas. Com um código moral e um grande sentido da história. 
Tornei-me ‘bengurionista’ aos 15 anos e nunca deixei de o ser!” (…) A melhor maneira de aprender a nadar é fazê-lo contra a corrente. Sem ter medo da solidão, da controvérsia, da impopularidade. Toda a vida ataquei, lutei sem que isso tenha influído negativamente sobre o meu comportamento. E eis-me hoje presidente de Israel com uma popularidade espantosa. Não faz pensar isto?”
Tanto que havia para contar sobre a sua acção! Já o tenho feito por aqui. Hoje quero deixar a minha homenagem sobretudo com palavras do grande político israelita. E deixo este seu pensamento positivo:
Perguntem-me se sou optimista ou pessimista. A minha resposta será: os optimistas e os pessimistas morrem da mesma maneira, mas vivem de maneira diferente. E a minha oferta às pessoas é sugerir que vivam como optimistas!”
Vivamos como optimistas. Porque tudo é possível: basta querer com força, lutar até mesmo contra a corrente -mas acreditar naquilo que fazemos: no nosso ideal que é o nosso sonho! A Paz um dia vai chegar.
René Magritte, Pomba sobre o mar


domingo, 25 de setembro de 2016

Recordando um filme que faz bem " The Blues Brothers", de John landis


Como esquecer estes dois? John Belushi e Dan Aykroyd figuras extraordinárias dum filme especial.
Estes dois fizeram parte de uma banda de Jazz de rythm and blues, nos anos 70. Apresentavam-se até num show na televisão: intitulado Saturday Night Show. 
O primeiro espectáculo foi na noite de 22 de Abril de 1978. Eram os Blues Brothers, Jack e Elwood Blues...
Steve Cruppers, Tom Malone, Lou Marini e  Matt Murphy faziam parte da banda. 
os 'blues' de John Lee Hoocker

Outros, já famosos, vêm retocar o filme com a maravilha que são: Cab Calloway, John Lee Hoocker, e Ray Charles a Aretha Franklin passando pelo grande James Brown! Até Steven Spielberg entra no elenco, num pequeno papel...
James Brown
Cab Calloway, jovem...

John Landis
Daí parte o filme de John Landis, com o regresso da “band” agora “em missão por conta de Deus” para salvar da falência o orfanato onde tinham sido recolhidos, em miúdos.
Filme de bons sentimentos, de humor. Esta é a história. O resto são momentos de boa disposição, ternura, sob o olhar complacente e bom, de Landis, e a inteligência dos dois actores e a quantidade de cantores e artistas! 
uma 'endiabrada' Aretha Franklin

Ray Charles