terça-feira, 27 de novembro de 2018

VIAJAR É IR E VOLTAR



A nossa viagem a Trieste, nossa e do Ratinho e do Ouricinho acabou! Hora de regressar a casa! Com um certo alívio, acho. Tinham saudades? Talvez. Os outros amigos estavam à espera.

O primeiro a falar foi o passarinho negro. Sempre atento aos dias que passam, ao tempo que faz, empoleirado na janela, foi o primeiro a ver-nos chegar.

- Então que tal a viagem? Parecia que nunca mais voltavam!
Olhou de lado para umas figurinhas que me pareciam desconhecidas.
-Eles até vieram espreitar e saber o que tinha acontecido. Vem aí o Natal e vocês todos lá por fora!

As tais figurinhas costumam vir no Natal e são dois bonecos a fingir de Pai Natal e o outro um limpa-chaminés Vêm ajudar a enfeitar a árvore de Natal. E ficam por lá, a dar luz e cor com os balões vermelhos e dourados.

- Ah! Tinha muita vontade de voltar a casa!, suspirou o Ouricinho.
-Tanta beleza que existe em Trieste, um mar lindo, um céu luminoso como o nosso, pessoas boas...mas concordo contigo: voltar é  bom.

 O Ratinho parecia cansado. Até o passarinho reparou.

- Estás com um ar cansado!

- Sim, venho cansado! As maletas são um inferno! Bem dizias tu, Jana.

"Pois são", pensei cá para dentro: “como eu as detesto”!
O Ratinho continuou a conversa:

- Desta vez o burrinho Alfonso não foi e quem se encarregava das chaves e das malas era eu… Uma grande responsabilidade, claro.

O Ouricinho espreitou-o pelo canto do olho e sorriu. A verdade não era bem esta e o Ouricinho sabia,  mas o Poeta gostava de se mostrar importante.

O Burrinho, agarrado às chaves de outras malas velhas que já não serviam, tinha um olhar triste. Talvez pensasse: “não precisaram de mim desta vez”. Agarrava as chaves com força na patinha. “Se calhar nunca mais vão precisar de mim…”
O Ouricinho olhou pela janela do quarto, viu as árvores e a chuvinha fina que descia pelos vidros devagarinho - e quase se comoveu:
- Que lindas as nossas árvores!
Todos concordámos. Eram lindas. A Gatinha japonesa concluiu o nosso pensamento:

- Como dizia aquele poeta inglês, "home, sweet home!"...
O Ratinho acrescentou - ele era sempre o mais sábio:
- Sim. Acho que se chamava Howard Payne. Ou coisa parecida.
Demos uma volta pela casa “para matar saudades” –disse o Ratinho- e fomos ver a varanda. 

- Que bom ver isto tudo!, disse o Ouricinho.

Era a nossa bem conhecida desarrumação geral, pela casa toda. Coisas que não couberam nas malas da ida, gavetas meia fechadas, papéis e livros aos montinhos por aqui e por ali.

E a varanda? Fez-me pena ver as minhas flores tão mimosas e cheias de cores lindas quando parti e, agora, restos de folhas secas caídas, misturadas com terra molhada. Só as flores do ibisco amarelo tinham algum brilho, na tarde enevoada.

À volta, os vasos, partidos com a terra espalhada, que as chuvadas tinham deitado ao chão. O ar murcho das folhas mortas, batidas cruelmente pelos ventos que vêm do mar, entristeceu-me.

Tanto trabalho que me deu conseguir aquelas poucas flores depois do Verão quente e sem fim que foi o deste ano! Para ter de recomeçar um trabalho difícil.

Mas o Ratinho repetiu a frase do amigo e isso animou-me:

- Que bom voltar a casa!

Eu esqueci-me da tristeza que as flores estragadas me tinham trazido.

“Tudo se recupera, nada se perde, tudo se transforma,” e comecei a rir porque era uma frase que uma vez escrevi num caderno de Ciências. Tudo ia renascer mais cedo ou mais tarde. Lá fora, em frente da casa, o salgueiro, que tinham querido abater um dia, revelava um belo colorido de Outono. O Outono começou tarde, é certo...

- Sim! É bom voltar…, acrescentei.

O Manuel ouviu-nos e suspirou - mas de impaciência - e com nostalgia na voz:
- Ah! Ainda tenho à frente mais onze meses até voltar à minha Itália...
E nós fingimos que não o ouvimos. Eu pensava já noutras histórias que vou contar de Trieste...