sábado, 20 de outubro de 2018

Outono havias de vir...


Leslie Howard e Rosamund John

Parece que chegou há dias atrás o Outono, com o tal furacão anunciado logo de véspera!
"Leslie" dizem que se chamava. Um bonito nome - que era o de um grande actor inglês que morreu jovem, na guerra, em 1943, num avião que foi abatido pelos alemães : Leslie Howard. 

Não sei qual o grau de danos o “Leslie” terá causado por aqui.  Inferiores, no entanto, aos traumas que percorrem o mundo! Todos os fenómenos idênticos  -  furações, enchentes, desabamentos de terras -tudo isto nos conduz a uma espécie de 'globalização das desgraças', incluindo a, gravíssima, destruição gradual do clima!

Estamos na Europa já, pelo turismo que avança a passos largos e, por enquanto, Portugal é uma espécie de "El Dorado" para passar umas férias, não especialmente caras, agradáveis, com gente que se mostra gentil e os acolhe bem. 

Na capital, Lisboa, toda “renovada” e cheia de “atracções” e lojas de modas; no Porto, igual movimento de massa e de procura de quartos -ou apartamentos- a preços já elevados em cidades da província, praias, montes, rios e monumentos bonitos que não custam muito a ver. 
(E as duas bonitas pontes que atravessam o rio Tejo - penso - como terão "reagido" ao furacão?)


Com os "Tuga tours" que me parecem a grande descoberta portuguesa, original e alegre, deste turismo novo, ou para gente mais nova...
Não sei quem inventou essa ideia por aqui, sei sim  que os carrinhos "Tuga-Tuk Tuk" vêm da Índia, tendo sido inspirados nos velhos rickshaws chineses, dos filmes de outras eras.
Pertencem ao grande construtor dos carros TUK TUK, o indiano Tattoo que teve a ideia genial de criar carros pequenos a preços acessíveis. Uma pequena revolução do homem que permitiu aos indianos terem o seu mini-carro, acessível a mais pessoas.

Gosto deles! São pequenas coisas que podem rejuvenescer o nosso turismo. E são alegres, coloridos, cheios de enfeites exóticos...
E o furacão passou por aqui, no Estoril, com vento muito intenso, 
o nosso salgueiro
As persianas batiam, as madeiras rangiam e o vento assobiava e soltava uivos estranhos, assustadores, enquanto os ramos das árvores se torciam, a gemer.


Porém, o nosso elegante e esguio salgueiro, as árvores altas, os plátanos e os eucaliptos à roda do Liceu de São João,aguentaram forte. 
o nosso salgueiro

Preocupa-me apenas um enorme plátano mesmo em frente da janela virada para a Escola que parece querer rachar e cujos ramos ameaçam cair sobre os carros que habitualmente estacionam por baixo dele. Sejamos optimistas. Detesto anunciar desgraças! deixo isso para outros...
 as árvores da Escola de São João

Ignoro o que se sentiu por outros lados, mais junto ao mar. Talvez em Cascais  tenha pregado um belo susto aos que, a todo o custo, querem fotografar os acontecimentos raros, os fenómenos excessivos da Natureza que nos parece enlouquecida. 

Tentar fixar o momento! O "átimo" irrepetível que a alma do fotógrafo tenta captar para todo o sempre! 

***


Nota: 
"Leslie Howard foi um grande actor inglês que nasceu em Londres em 3 de Abril de 1893 - e morreu, no Golfo de Biscaia, em 1943 quando o avião civil, em que viajava, foi abatido pelos alemães. 
Conta-se que o seu agente - figura importante e muito forte - teria sido confundido com Winston Churchill. E os alemães deitaram o avião abaixo.
Azares da fortuna para o jovem e já famoso actor inglês. Estava no lugar errado, no momento errado."

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Bom dia de anos, Cláudia!


Deixo-te algumas flores da minha varanda! Muitos parabéns, amiga de tantos anos!Voltaram a nascer bonitas este ano! talvez porque lhes dei mais atenção. 


Lá dizia (mais ou menos) o Principezinho (e o Ouricinho parece estar de acordo): 
"... se amas uma coisa, tens de ser responsável por ela,tens de te 'dedicar'..." A amizade e as flores têm muita coisa em comum... 
Um beijo grande!


Outras histórias: O monte de Turquinos, no Baixo Alentejo...



Vivíamos nessa altura numa aldeia que se chamava Sabóia, perto de Santa Clara, no limiar entre o Alentejo e o Algarve”, contava-me a minha tia. 

Nunca tinha ouvido falar desse lugar. Os meus tios viveram uma vida que parecia aventurosa mas devida apenas ao que o meu tio estudara e ao trabalho que escolhera: topógrafo. O que os levou a calcorrear milhas pelo Alentejo fora, de forma com certeza nem sempre cómoda. A aventura estava sim dentro deles. E eu admirava-os por isso.

Eram caminhos de pedra soltas onde a potente moto Jawa do meu tio não conseguia chegar, porque os pneus se rasgavam nas pedras cortantes. Tinha que a deixar na aldeia e subir a pé até à casa do monte.

O meio de transporte comum era a carroça. Ou, muito provavelmente, o burro. Dessa vez, ela ia a caminho de Turquinos, o monte onde iriam viver uns tempos.

E lá íamos a abanar, na carroça, desde Odemira...”
Continuava a minha tia a contar.
Foi uma campanha difícil. O teu tio nunca se queixou. Sabes como ele é.”
Sorriu.
Partia ao nascer do sol e voltava ao fim do dia, já o sol se tinha posto. Sempre com a mesma alegria, a contar histórias para me distrair...”
Lembrava-se da primeira viagem dela. O meu tio já lá estava a viver no monte, há uns meses. Instalara-se numa parte de uma casa, no mote. Os que o receberam era boa gente, cheia de bondade e respeito por si e pelos outros. A minha tia nunca os esqueceu.
Ela adiara a partida porque o filho ainda era pequeno. Fora um colega do meu tio que a fora esperar ao comboio e a acompanhara até a aldeia de Sabóia, no baixo Alentejo.
A carroça chocalhava, dizia-me, ela sentia-se abanar até à alma “dum lado para o outro, dum lado para o outro...”

O olhar velava-se-lhe pela força do calor e do suor enquanto uma neblina parecia subir dos campos e fazia tremeluzir as searas amarelas.

A minha tia, com o meu primo pequenino ao colo, enjoada, vermelha do sol dourado e ardente, que incidia em cima dela desde manhã, ansiava. E eu imaginava uma "Madonna" abraçada ao filho pequeno, a defendê-lo.
"Madonna" de Bernardino Luini, discípulo de Leonardo

O zumbido dos besouros, das cigarras e dos ralos era ensurdecedor e a cabeça ardia. Parecia-lhe que ia adormecer, desfalecia, tinha medo de deixar cair o menino do colo, e só perguntava:
- Ó Vilarigues, ainda falta muito?
- Não é longe, respondia ele. É já ali.

“Não era longe, não, mas custava a chegar lá.”
Quando chegaram, o cacho de bananas, que se lembrara de levar ao meu tio, tinha cozido com o calor e as bananas eram uma papa intragável.

"Menina", de Jacob Maris (holandês)
Nunca a ouvi queixar-se desses tempos.  No entanto, ela era uma menina que viera do Porto, mimada, cheia de comodidades toda a vida, pais com dinheiro que tudo lhe queriam dar, menina querida do seu pai - que nunca adivinhou exactamente por onde ela andava.
 Ela não queria nada. Bastava-lhe estar ao pé daquele rapaz de olhos esverdinhados, de sorriso sempre aberto e carácter alegre, por momentos silencioso e sorumbático, mas que vivia os dias sem remorsos nem invejas, nem ambições que não fossem as de fazer bem o seu trabalho que ele amava, indo de terra em terra como um cigano.

E a minha tia continuou a contar.
“Um dia, parecia-me que ele nunca mais voltava, o pôr-do-sol estava já ali em cima, e decidi ir esperá-lo à curva do caminho, que ficava lá em baixo.”
A noite caiu de repente, porém, e a curva do caminho era sempre mais adiante.
Ouviam-se os ralos, o piar dos mochos, algum pássaro de rapina que descia em voo picado com o seu grito estridente, à caça dos coelhos da charneca, ou de algum rato.
A noite do Alentejo, negra e estrelada, não alumiava e a escuridão envolvia tudo.

Teve medo, tia Nina?”, perguntei. Não, nunca tive medo. Senti-me abandonada, sim, perdida, sem saber se devia andar para a frente ou se voltar para trás. O caminho tinha desaparecido diante dos meus olhos...”

Ouviu o ruído dos bois acompanhados por um homem que os conduzira à fonte, ali perto, mas que ela não sabia onde era. Ouvia o pau que trazia, a arrastar pelos caminhos, e o ruído que fazia "assim como uns estalinhos com a boca" , explicava, a indicar aos animais para onde deviam ir. 

Essa presença animou-a. Foi atrás dele. Chamou-o. Disse-lhe que estava perdida.
O homem respondeu-lhe, tranqulizando-a:
Assim que os animais beberem, a senhora venha atrás de mim e lá adiante no cruzamento vai dar com o caminho para o monte. Não há que enganar.”
Lá seguiram. O homem e os bois iam à frente, a minha tia atrás, a ver bem onde poisava os pés.
Adiante, como o senhor avisara, estava uma bifurcação. O homem disse que continuasse pelo carreiro em frente até ver as luzinhas da terra e desviou para um atalho.
Boa noite…”

E lá foi cada um para seu lado. Ela continuou, pé à frente de pé. A escuridão era total, não via um palmo à frente do nariz.
A dada altura, teve a sensação de ouvir passos pesados e rápidos atrás dela. Estugou o passo, quase corria, desejosa de chegar a qualquer sítio. Sabia lá ela quem vinha ali àquelas horas da noite?
Um vadio? Um maltês?”, pensou.

Viu as luzes, viu a casa perto. Correu e entrou em casa, bebeu água fresca de um cântaro, e sentou-se, ofegante. O coração batia. Custava-lhe a respirar.

Poucos momentos depois a porta abriu-se e o meu tio entrou.
 Calcula que era o teu tio que tinha vindo aquele tempo todo atrás de mim! Nem ele me via nem eu a ele.”
E riu-se com o seu riso cristalino do costume.

Quase a dois passos, nenhum se apercebera de quão perto estava do outro, na negrura da noite...

Quando penso que era o teu tio! O medo que eu tive!”, ria ela.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018