sábado, 19 de fevereiro de 2022

O escritor Fred Uhlman e "L'amico ritrovato"

“L’amico ritrovato” de Fred Uhlman (1) foi-me oferecido em Roma por uma grande amiga, Anna Marra que conheço desde os anos em que a Gui esteve em Moscovo e ela também estava.

Reencontrámo-nos muitas vezes já em Portugal e em Roma. Lembro que muitas vezes em Roma ficávamos a ouvir música à noite. E foi assim que ouvi uma canção de Iva Zanicchi, “Zingara”. E conheci também as canções  de Ivano Fossati.

Desta vez falámos da história do "amigo reencontrado" de Fred Uhlman. Lera-o muitos anos antes numa edição francesa mas perdera-lhe o rasto. Na amanhã seguinte, a Anna foi comprar-mo à Feltrinelli que não é muito longe da casa dela. Trouxe-o comigo e fiquei à espera do momento para o ler calmamente.

 

Passa-se em 1932 em Estugarda. Dois adolescentes - Hans Schwartz, judeu, e Konradin von Hohenfels descendente da nobreza alemã - encontram-se no liceu e entre os dois surge uma empatia súbita, cria-se uma amizade profunda, especial e intensa.

Fred Uhlman (2) escreve o livro em 1971 com 70 anos de idade. O título original é "Reunion".

Nunca antes tivera coragem para voltar ao passado. Depois da subida de Hitler ao poder, o escritor fora para França; dali para Londres onde se fixa e casa. Mais tarde pede a nacionalidade britânica.Além de escritor foi também considerado um grande pintor.


Nunca mais quisera ouvir falar nem saber da Alemanha. Para ele lembrar o passado era “como pôr sal nas feridas que tinha.

A edição italiana tem uma bela capa de Egon Schiele  “L’amico ritrovato” (1) é impressionante. Doloroso. Obsessivo. Chocante. Belo, como uma sinfonia trágica.

Escreve Arthur Koestler, que o considera uma obra-prima menor, no Prefácio (1976), explica: “(...) porque é uma obra pequenina que apesar de tratar da mais atroz tragédia da história humana é escrita numa forma menor, cheia de nostalgia” (op.cit.pg.9) o que confere à narração “uma qualidade musical ao mesmo tempo lírica e obsessiva.”

Até à chegada de Konradin ao liceu, Hans não tivera um amigo - era um adolescente reservado que apreciava a solidão.

O livro começa com uma frase de Hans: “Entrou na minha vida em Fevereiro de 1932 e nunca mais saiu dela.” Depois de se conhecerem melhor Hans escreve: “tudo o que sabia nessa altura era que ele ia ser meu amigo”.

Uma história de amizade pura, uma devoção inocente entre dois jovens a crescerem com passeios pela montanha, “nas suaves, serenas e azuladas colinas da Swabia”.

Percebe que Konradin é alguém que sente e pensa como ele, também um solitário, têm as mesmas preferências - mas gostam de discutir sobre poesia e sobre o passado e o futuro do país.

Muitos judeus alemães (e mesmo alemães) nessa data tinham a ingenuidade de pensar que nada ia acontecer de mal na Alemanha. O pai de Hans, médico judeu, pertencia a uma classe culta e não se preocupava com o nazismo. Quando um dia um amigo lhe perguntou se não receava Hitler respondeu: “É como uma doença passageira, parecida com o sarampo, que passará logo que a situação económica comece a melhorar”. (o.cit.pg.46)

O sinistro crescimento de forças nazis acaba porém, com a amizade dos dois rapazes e com sua a adolescência. Um dia, muitos anos mais tarde, Hans acaba por saber notícias do "amigo perdido".E o que sabe reconcilia-o com Konradin.

A desintegração desta amizade anuncia o que se vai passar na Europa, anos mais tarde.

 

Em 1960, saem as suas memórias, intituladas The Making of an Englisman." Em1971, sai "Reunion" -L'amico ritrovato. 

O escritor vai escrever ainda a "continuação" da história com o livro, publicado já póstumo em 1985, "A Carta de Conrad".

 (1) “L’amico ritrovato”, Ed. Universale Economica, Feltrinelli, Cover Design Ufficio Grafico Feltrinelli, capa de Egon Schiele, “Deux garçons”, 1910

(2) Fred Uhlman nasceu a 19 de Janeiro de 1901 em Estugarda e morreu a 11 de Abril de 1985 em Londres.

Depois da chegada de Hitler ao poder foge para França, vive com o dinheiro que ganha com as suas pinturas vendidas a particulares. Ali frequenta os meios artísticos e pratica a pintura. Em 1936 está em Espanha mas chega a Guerra Civil Espanhola e volta a Paris. Dali segue para Inglaterra.  

No entanto fica ligado aos refugiados espanhóis fugidos da Guerra Civil. E cria uma associação de protecção em Londres

Em Londres as suas exposições de pintura têm sucesso, em galerias famosas e também no Leighton House Museum de Londres, em Cambridge e por fim no Victoria & Albert Museum, em Londres.

(3) Arthur Koestler escritor nascido em Budapeste, em Setembro de 1905, de origem judaica, criado na Áustria. Em 1931 adere ao Partido Comunista Alemão, saindo em 1938. Em 1940 vai viver para Inglaterra cuja nacionalidade tem. Morre em 1983, suicida.

Escreve um livro terrível “Darkness at Noon” sobre a sua desilusão do Comunismo, depois da chegada de Staline.

https://en.wikipedia.org/wiki/Fred_Uhlman

    https://fr.wikipedia.org/wiki/La_Lettre_de_Conrad

 

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

EM DEFESA DAS LIVRARIAS! A LIVRARIA GALILEU DE CASCAIS

Venho, pois, falar de livros, de escritores e de leitores. Hoje venho em defesa das livrarias. Das livrarias e do difícil papel do "livreiro", da dificuldade que é para uma livraria manter o “nível” alto ou, nalguns casos, apenas sobreviver.

Manter o nível no fundo é isto: não terem de se "rebaixar" a seguir as modas literários,  “livros do dia”, os best-sellers daqui e dali. Há literatura tantas-vezes-lixo, tão vendida pela alta publicidade, tão ao sabor dos dos-livros-que-se-vendem.

"montra" com Paula Rego

Quero hoje bater-me pelas pessoas extraordinárias que vendem os livro. E conheço muitas! Em Lisboa, no Porto, em Portalegre, em Cascais! As que amam os livros, que sabem tudo deles, que sabem o lugar exacto onde eles estão, que não precisam de ir ao computador e que não confundem os escritores uns com outros, que sabem de que século é o autor.

Essas pessoas estão em riscos de acabar ou de terem de procurar outro emprego. Ou de se reformarem.

Porque os tempos estão difíceis, crises varias (já nem falo do Covid-19) e devem fazer-se escolhas porque há  contas no fim do mês. Mas se amar a leitura há sempre um modo de poder ler, há muitas livrarias com preços convenientes. E que apresentam os livros com os escritores.

O vício de ler adquire-se cedo mas a verdade é que conheço muito boa gente que começou tarde e leu tudo e mais alguma coisa. Seja como for, é um vício bom. Mas há diversões mais fáceis: a televisão, os jogos virtuais, os Big Brothers que arrastam para outros assuntos vazios.

Falo hoje da Livraria Galileu de Cascais que conheço bem. Vi uma série de fotografias no Facebook com muitos jovens alunos a espreitarem os livros e a dona da livraria, Caroline Tyssen, desabafava, feliz:

Jovens na Galileu. LUZ! Um deles ficou muito admirado de ver um livro por abrir – nunca tinha visto).

E penso quanto seria útil o “passeio” (mensal, semanal anual!) do professor com os seus alunos -de todas as idades e níveis- que os levasse a uma livraria. 

 

Onde encontrariam tudo, onde podiam manusear os livros, pôr-lhes as mãos em cima, criarem uma relação de simpatia. Saber que se pode ter um livro com imagens de ballet, de pintura, livros valiosos que são primeiras edições de há quase cem anos.

Mostrar que o livro tem uma existência, o papel nem sempre é igual, um mais fino, outro mais rugoso e escurecido pelo tempo, uns estão fechados mas hoje a maioria está aberta.

A culpa não é com certeza dos professores que aceitariam fazê-lo mas sim de uma certa forma de burocracia a que os professores são “obrigados” – relatórios, estatísticas, actas, papeladas - em detrimento do tempo a dedicar a actividades culturais.

Quero deixar a frase que Caroline Tyssen escreveu no início de Fevereiro, em modo de poema:

 

 “Acabou Janeiro.
Toca a arregaçar as mangas para Fevereiro.
Cascais é um deserto.
O comércio está todo parado.
Restaurantes fechados.
Estou sem imaginação.”

Mas a imaginação está lá. Basta ir ver algumas das fotografias que “roubei” da sua página Facebook.

Ler abre os espíritos, torna-os maleáveis e aptos a receber conhecimentos.  E  destrói a ignorância, a intolerância e outros males. Os jovens têm que "apanhar" o vício de ler.

Leiam! Leiam! Leiam!