Hoje
foi dia do Natal e ontem a mágica noite para as crianças que esperam sempre uma
surpresa. Por
isso quis falar hoje sobre uma história para crianças que foi parar a São Tomé!
Tantas coisas que aconteceram
antes disso. Prometi há tempos contar a história de uma tartaruga que quis
imitar a bolotinha que, num dia de
grande ventania, cai do carvalho onde vivia no chão. E por
ali fica sem saber o que vai fazer.
Quando caiu, ainda pensou voltar a subir mas depressa percebe que não pode voltar
atrás: “Como posso subir à árvore se não
tenho asas?”
Essa história foi escrita por
Américo Rodrigues e já falei dela aqui no blogue há uns tempos. O livro chama-se “Pfafummmmmfumfum,
a Bolota do Barroquinho” e tem uns desenhos muito poéticos de Gyora Gal
Glupczynski.
Curiosa, a bolota começou a olhar em
volta. Não conhecia nada se não a sua árvore mas lá de cima vira muitas coisas.
Não se assustou e decidiu ir conhecer a vida, os bichos e as plantas e tudo o
que a rodeava. E começou a rebolar por ali abaixo.
Ia encontrando pelo caminho coisas
e seres desconhecidos que lhe causavam imensa curiosidade. Formigas! Gatos! Ouricinhos!
Parar?
O que fazer? Decidiu seguir em frente! E coisas estranhas
começam a acontecer, coisas desconhecidas e como a bolota queria saber aprender
tudo continuou a deixar-se rebolar, sempre a olhar.
No
fundo a vida avança pela curiosidade e pelo sonho, acho eu, sejam homens ou
sejam bichos. Como a tal “bola colorida que salta corre e avança nos pés de uma
criança” - e de que falou um certo poeta.
Esta
era pois a história de Américo Rodrigues. A vida continua sempre e a história também continuou! Os meses passaram e continuaram a
acontecer coisas. Porque se nós quisermos as coisas acontecem! Se ficarmos
parados não acontece nada.
A
vida continuou e a ideia deste livro seguiu até São Tomé e Príncipe. Porque o Américo
- e a Isabel Mota que é são-tomense - assim o decidiram. A
Isabel nascera lá, veio para Portugal ainda bebé e só voltou com o pai a São Tomé já com
18 anos.
Com filhos grandes hoje, decidiu ser altura de voltar à terra natal e mostrá-la
aos filhos.
E
foram passar todos – eles e o Américo - umas férias juntos. Não posso imaginar o que a minha amiga Isabel terá sentido, não consigo mesmo!
Eu
conheço São Tomé, a beleza da ilha, das montanhas, da floresta virgem, chamada
“obó”, lá nos picos altos, e quantas vezes encoberta pelo nevoeiro cerrado.
O
que pode sentir uma pessoa que só viera uma vez e muito jovem à sua terra? O que pode recordar?
A
Isabel é muito minha amiga como eu sou dela. Contou-me, emocionada quase às
lágrimas, que foram “sentires” muito complexos. De choque e de espanto pela
intensidade: das cores, dos cheiros, da beleza e diferença das flores,
das comidas, da fruta infindável, dos gostos tão diferentes!
E
acrescento eu pela minha memória: “a leve ondulação a água do mar, quase parada, na Baía de
Ana de Chaves. A baía de sonho com os barcos poisados sobra as águas quase
imóveis, nas suas cores suaves.” E quando,
de repente, "explode o vermelho rubro do pôr-do-sol de São Tomé. E a acácia
rubra com flores cores de rubi onde ia com o Manuel ver esse cair da tarde.”
Como
o tal sonho existe e comanda a vida, o Américo teve um convite para
contar a história da nossa ‘bolotinha’ numa escola de crianças em São Tomé.
Foi
na zona da Madalena, no jardim de infância “Baú dos Sonhos”. As crianças receberam-no
com alegria - e o sonho continuou, fez-se vivo - porque o sonho é também
contagioso!
Sentados
todos em roda no chão, as crianças ouviram a história e riram. Mas muitas
coisas não percebiam. O
que era uma bolotinha? E os pássaros
que o Américo referia? O que eram perdizes?
Eles
conheciam outros pássaros na Ilha: os truqui
sum deçu, “os passarinhos do senhor
Deus” que agitavam a longa cauda fazendo um ruído que pareciam estalinhos!;
Ou os amarelo-e-verdes,
que constroem os ninhos, espécie de pequenos cestos - entrelaçando fitas de andala;
Tudo
isso preocupou o Américo Rodrigues e a Isabel. Depois das férias, ao voltarem a
Portugal, havia uma certa inquietação.
O Américo continuou a pensar na
visita à escola e no que se poderia ter feito - ou fazer - mais. O Américo Rodrigues é um poeta e, lá por dentro dele, continuou a magicar em tudo e a tentar resolver o problema.
A verdade é que acabou a escrever outra história, agora passada agora na realidade são-tomense: de modo a
que as crianças pudessem entender tudo. E o livro foi apresentado em Novembro no belo espaço da Biblioteca dos Coruchéus!
E
assim apareceu outro livro. Passa-se em São Tomé e a personagem da história
vai ser um bichinho são-tomense muito comum na ilha: a tartaruga.
O novo livro chama-se: “Até breve, Toti!” E vai ter uma ambição muito
importante: vai ser bilingue: português-forro (ou "santome" - como também se chama, na ilha).
O verdadeiro título será nas duas línguas: “Antê óla bilá,
Toti! Até breve, Toti!”
A
tartaruga faz parte da vida em São Tomé: durante séculos a tartaruga fez parte
da alimentação da ilha, com outros seres marinhos: o peixe bonito, o peixe
vermelho ou o tubarão pequeno.
Havia
pouca carne e no mar havia as proteínas possíveis - o que realmente mais
faltava na ilha. Faziam-se trabalhos artísticos de grande beleza.
Agora
a tartaruga é protegida.
O novo livro vai falar de coisas que não sabemos: por exemplo que, em São
Tomé, em certas noites escuras de Verão, as tartarugas-bebés deixam os ovos que as
mães ali puseram há muitos meses.
E correm, minúsculas, a toda a velocidade para o mar para não serem apanhadas por predadores. O pintor são-tomense Osvaldo Reis, ilustrador do livro, consegue dar essa corrida rápida e quase sentimos a ansiedade das pequenas tartarugas!
Bem,
agora não conto mais. Mas vão descobrir os que lerem o livro (2) como a vida
pode ter um sentido. O mundo pode ser bom e há sempre uma possibilidade de alguém ajudar
alguém:
Porque há sempre uma mão (ou uma patinha) à espera de outra mão...ou de
outra patinha!
Osvaldo Reis em São Tomé há dias a ler o livro numa escola
* * *
(1) o primeiro livro de Américo Rodrigues, intitulado
“Pfafummmmmfumfum, a Bolota do Barroquinho”, foi
publicado em 2023, editora “EDIÇÕES ESGOTADAS”.
(2) Este novo livro foi publicado
em Portugal pela Bosq-íman:os/Ilhéu Portátil, 2024. Para tal foi criada
a Associação Cultural Ilhéu Portátil. A edição foi paga só por voluntários que
deram as quantias que puderam para que este projecto fosse possível. O livro tem ainda a
particularidade de ser bilingue, português-forro
(também chamado ‘santome’).
O tradutor é o professor são-tomense Ayres Veríssimo
Major; as ilustrações são do pintor são-tomense Osvaldo Reis e o desenho
gráfico é de Leonor Varo. Na imagem, vemos o professor com o livro acabado de chegar a São Tomé!
O livro foi apresentado no
dia 30 de Novembro na "Biblioteca dos Coruchéus", em Lisboa.
(3) Com uma edição de 250 livros, a
maior parte da edição está já a ser distribuída grátis em 120 “jardins de
infância” de São Tomé. Muitos já chegaram às escolas e os outros continuarão a ser
enviados por todos os meios possíveis.
Alguns dos exemplares estão a ser
vendidos online (ver FB, e site Ilhéu
-Portátil) para pagar o trabalho do
artista cujas pinturas têm uma beleza incrível.
https://falcaodejade.blogspot.com/2023/05/a-bolota-do-barroquinho-um-livro-de.html