Vemos, através
da Biografia de Bruno Nardini, a digressão do grande génio pela Itália do Renascimento e da Arte.
Madonna della Scala, 1491
A parte mais importente da sua vida passou-a Michelangelo entre a Florença de Lorenzo il Magnifico e de Fra
Savonarola e o esplendor e o luxo da Roma papal. E, depois, o
périplo de Michelangelo continua pelos estados senhoriais e papais da Itália.
Lorenzo il Magnifico
A fase mais importante da sua vida
passou-a na Florença de Lorenzo o Magnífico. Lorenzo foi, como vimos, um diplomata e político, o patrono
dos académicos dos artistas e dos poetas. Grande mecenas da Signoria di Firenze, defende as Artes e a Cultura
da cidade. A sua morte marcou o fim da Idade de Ouro de Florença. E esse final mundial da paz também na Itália do século XIV - leva ao Renascimento.
E Michelangelo nesse momento afasta-se de Florença. Acaba por voltar, mas entretanto,
o frade beneditino Girolamo Savonarola, conquistara o poder e instaurara a República
de Florença.
Num clima de perseguição de "primitivismo" religioso, criando terror na cidade, a sua perseguição
dos artistas e das suas obras - que se dirige sobretudo à arte do Renascimento.
"Manda
queimar livros, objectos e quadros, inclusive de Domenico Ghirlandaio. Parece
que artistas como Boticcelli e Lorenzo di Credi lhe terão entregado,
relutantemente, pinturas suas para serem queimadas." , conta o autor do livro.(7)
E Michelangelo
afasta-se outra vez de Florença em 1496 e vai para Roma. Começara a esculpir uma
estátua de Bacco. Um ano depois da
sua saída, em 1497, Savonarola decide excomungá-lo.
Nunca mais nada foi simples nesses tempos da Signoria de Florença. Nem depois. O próprio Savonarola
é, por sua vez, excomungado pelo Papa Alexandre VI que condena os seus
excessos e queimado na Piazza della Signoria em 1498.
Michelangelo seguira para Roma e vai viver no esplendor e o luxo da Roma papal do Papa Julius II.
Papa Julius II
Nesses diversos
momentos o artista trabalhou em várias cidades – de Urbino a Veneza e
Bolonha, onde o Papa Julius II o protegeu e lhe encomendou várias obras. Como por
exemplo a estátua de "Bacchus", hoje no "Museo Bargello". É a Roma que,
a partir de 1496, Michelangelo vai voltar e onde vai viver, longamente. E ali vai voltar à pintura que
abandonara.
O tempo passara. A
Itália fora particularmente afectada pela peste, e especula-se que a familiaridade
resultante com a morte fez com que os pensadores pensassem mais nas suas vidas
na Terra, em vez de na espiritualidade ou na vida após a morte.
Também se argumentou que a Peste
Negra provocou uma nova onda de piedade, manifestada no patrocínio de obras de
arte religiosas.
Roma sobrevivera também ao “grande saque” de 1527-1528 do Imperador Carlos V, e a cidade papal continuara no seu esplendor renovado.
Havia que festejar. E o Papa Clemente VII Médicis decide encomendar a
Michelangelo, em 1534, um trabalho que o tornará famoso no mundo: a sua obra-prima, o Juízo Universal. Papa Clemente VII por Sebastiano del Piombo
De facto, tendo sido acabadas na
Capela Sixtina as obras de restauro que tinham durado 22 anos - a Capela vai ser
toda pintada de novo.
Michelangelo
era considerado o melhor artista de Itália e vai ser ele pois quem é o escolhido para pintar o tecto
da Capela Sixtina.
O Papa pede ao artista que apague os frescos ainda ali
existentes - e que comece a pintar na Capela o “Juízo Final”.
Michelangelo
Buonarrotti vai poder criar a obra visionária, de
riqueza cromática e de equilíbrio de formas quase impossíveis - que será o “Juízo
Universal”. (6)
O Papa Clemente morre sem poder ver nada do enorme trabalho apenas iniciado. Mas o Papa Paulo
III, dará continuidade ao imenso projecto.
o Papa Paulo
III
Não podemos
esquecer, porém, que enquanto pintava o tecto da Capela tudo o que se fazia e
criava passava sempre pelo crivo da Santa Inquisição - e esse sentimento de
terror e de medo pode ter-se reflectido na obra do Mestre.
Galileo perante 'Santa Inquisição'
A sensação de
perigo e ideia da morte – a morte era uma constante na mente do pintor – faz
com que se possa sentir um certo pessimismo em algumas figuras.
Pietà Vittoria Colonna
Como refere o biógrafo: "o pensamento da morte era uma constante na obra de Michelangelo e pode
ter-se reflectido nesta obra cujo tema era de muita gravidade".
O estilo
espectral de algumas figuras e um certo sentido de simplicidade e precariedade nada
têm que ver com a idealização das esculturas anteriores do Mestre nem com o
estilo triunfante de antes.
Tudo parece enquadrar-se mais na estética “gótica”
do que na “renascentista”.
Há quem atribua essa sua atitude "menos
triunfante" ao grave estado de depressão do Mestre pelo desaparecimento da
sua amiga - a grande humanista Vittoria Colonna - que morre em Roma em 1547.
Bruno Nardini cita uma passagem de um
livro de recordações do renascentista português, o pintor e estudioso Francisco
da Hollanda, que escreveu sobre esses colóquios e sobre essa amizade que foi marcante para Michelangelo:
“Via-a
comportar-se com ele como alguém que se armasse com estratagemas e
circunspecção, alguém que procurasse atingir uma cidadela inexpugnável."
E continua:
"E, do
mesmo modo, como se Michelangelo fosse o sitiado, via-o atento e
vigilante... Mas foi à marquesa a quem no fim tocou a vitória. E confesso: quem
poderia resistir-lhe?” ( pg. 138-9)
E Michelangelo
continua a pintar até ao fim – as últimas pinturas que são o “Martírio de São Pedro” e a “Conversão
de São Paulo” (1542-1550) que o Papa Clemente VII encomendara.
Mas depois,
concretiza o seu desejo: abandona a pintura pela sua antiga paixão, a escultura.
Depois de sete
anos – empoleirado em andaimes e tábuas, a viver uma espécie de vida de eremita
sem vir cá abaixo, com o pescoço torcido pela posição a que era obrigado -
Michelangelo dá a obra por terminada.
Acabada a obra máxima, Michelangelo Buonarrotti vai ainda entregar-se, durante oito anos à pintura de duas obras maiores: dois
quadros extraordinários: "Martírio de São Pedro" e "Conversão
de São Paulo" - que serão as últimas pinturas.
o Martírio de São Pedro
A Conversão
de São Paulo
O artista nunca para de trabalhar mas, na realidade, ele quer é voltar à escultura – a sua verdadeira
paixão. Falar dessa
paixão - é falar das quatro “Pietàs” (ou "Deposições do Cristo
morto" ) que esculpiu, incansavelmente, durante a sua vida.
Em 1555, escrevia:
“Não nasce em mim pensamento algum/ que não tenha dentro esculpida a morte.”As suas Pietàs são talvez para ele o seu ponto superior de criação.
A primeira
“Pietà”, a mais conhecida, ou a mais visitada, realiza-a com apenas
22 anos (1497-1498) quando chega da primeira vez a Roma em 1496 para trabalhar
para o Papa Alexandre VI. Encontra-se em San Pietro do Vaticano. E é já
uma obra de génio.
Pietà di San Pietro (1498)
As outras três
foram já realizadas depois dos seus 70 anos. Em 1550, realiza uma Pietà (‘detta’ Pietà
di Palestrina) que ainda hoje não se tem a certeza de ser completamente sua.
De facto só em
1756 é que Leonardo Cecconi atribui esta Pietà, encontrada em Palestrina, a
Michelangelo. Trata-se de um trabalho incompleto - quase apenas um esboço que tem algumas semelhanças com a Pietà
Rondanini.
Poderá pensar-se que se tratasse de uma obra começada pelo Mestre e depois passada a um dos seus discípulos.
Em 1564, em
Florença, o grande escultor dedica-se a esculpir a Pietà Bandini - chamada assim pelo nome do primeiro
comprador. Uma Pietà em que se vê amparando o Cristo a figura de Nicodemo e a Virgem que o abraça e tem o rosto junto ao seu.
A Pietà Bandini
O Cristo e a Virgem, pormenor
O estilo
espectral das figuras desta Pietà afasta-se da idealização exemplificada nas
esculturas anteriores - e enquadra-se mais na estética gótica do que na renascentista.
Há uma simplicidade e um sentido de precariedade que nada tem do estilo
triunfante de antes.
A Pietà Rondanini
Esta última Pietà deveria ser colocada no próprio túmulo do artista, mas nunca na realidade nunca o foi. É a esta obra que se dedica com mais força e nela trabalha muitos anos, com um amor e grande dedicação.
Teria sido
– como contam - o seu tormento, uma agonia e uma ansiedade insustentáveis -
duas das características da sua arte - aqui bem presentes.
Parece ter
acabado com uma “explosão de desesperada raiva, como se nota na quase
destruição à martelada de duas figuras o Cristo e Madalena.”
A Pietà está hoje no Castello Sforzesco de Milano.
Trabalhara nela entre a década de 50 até à sua morte e talvez a tivesse
iniciado já no tempo da Pietà di Firenze.
Segundo dizem
os especialistas, esta última Pietà Rondanini foi o testamento
espiritual de Michelangelo.
O seu autor trabalhou nela até morrer, deixando-a
inacabada.
Igreja Santa Croce, em Florença
Michelangelo
Buonarroti morre em Roma no ano de 1564, no dia 12 de Março. Depois de
muitas voltas pela Itália, o seu corpo é, finalmente, enterrado na sua amada Florença
– como era seu desejo - na Igreja Santa Croce. É belo o túmulo de Michelangelo Buonarrotti, em Florença.
Túmulo de Michelangelo Buonarrotti
NOTA: Sobre a
“Biografia” de Bruno Nardini devo dizer que é muito completa, e que o autor se
baseia em toda a documentação possível, em documentos históricos daquele tempo,
em cartas de Miguel Ângelo e em outras correspondências.
No final do
livro há uma cuidada tabela cronológica dos acontecimentos históricos e
artísticos e um índice topográfico dos trabalhos que realizou o Mestre.