sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

A MINHA ILHA PERDIDA


 Tive uma casa na Ilha de São Tomé. Nessa casa conheci o pôr-do-sol dourado, a penumbra súbita antes do crepúsculo da noite chegar, as chuvadas que irrompiam na tarde com os relâmpagos e os trovões súbitos depois de um dia de sol.

Tive um jardim e via as flores, as árvores e as plantas da janela do meu quarto, ao acordar. As flores que nasciam da noite para o dia, as plantas cresciam depressa e o delicado arbusto do papiro punha-se a dançar no vento da tarde.

As rosas de porcelana, os ‘bicos de papagaio’ ou heliogónias e a linda flor branca da árvore do café. A planta do chá capim, chamado chá do Gabão ou citronelle,  que plantara no quintal e perfumava tudo.

Amei o cheiro da terra molhada e das flores e dos frutos. E os meus olhos encantavam-se no meu jardim com cores que nunca vira.

Recordo a goiabeira e o cheiro intenso das goiabas, vejo a árvore da fruta-pão altíssima cheia dos seus frutos verdes, redondos e enormes e a planta

 

do café mesmo à entrada da casa.

E também  o desenho dos coqueiros inclinados para um lado, cheios de cocos, parecia-me às vezes no poente um desenho esboçado a tinta da China.


Gostei das gentes que conheci e das terras e dos passeios que demos pela ilha. Dos mercados - o velho Mercado Central e o novo, o Mercado do Ponto que vi ser construído e onde dancei a “ússua” na noite da sua inauguração. 

Ou o pequeno mercado do Pantufo, ao ar livre, logo à saída da cidade no caminho de Santana

 

Ao lado ficava a loja minúscula que vendia de tudo e se chamava "Mundo já vê".

Por isso gostaria de vos contar-vos o que senti quando cheguei a São Tomé e como me senti atraída por aquela terra tão longínqua.

Recordo:

O avião começara a baixar sobre a ilha de São Tomé. Sentada no meu lugar, ao lado da janela, com as mãos fazendo concha sobre os olhos, eu procurava ver a terra. Apenas a escuridão em volta. 

 

 De repente, as luzinhas brilharam por toda a parte no chão criando uma estrada. Respirei fundo.

 


Passados longos momentos as portas abriram-se e desci as escadas do avião, recebendo no rosto uma golfada do ar quente e húmido, denso e perfumado, que cheirava a terra húmida e que sufocava. Respirei o ar pesado, o peito doía-me. O suor molhava-me a testa e descia-me pelas costas.

 

Fora, a noite era negra. Estávamos na estação das chuvas e sentia-se muito forte no bafo da noite o perfume enjoativo dos frutos maduros, o cheiro da canela e das flores.

 

Olhei tudo numa curiosidade imensa. No largo da aerogare, vi as flores brancas das magnólias perfumadas, as sebes de ‘ibiscos’ cor do chá, os troncos duros e fibrosos das rosas de porcelana. 

 

Veio um motorista pegar-me nas malas e arrumou-as no carro. Recostei-me no cabedal gasto dos assentos e abri a janela procurando um pouco de frescura inexistente e fiquei de olhos presos nas praias de areia branca, nas filas de coqueiros inclinados para o mar a ouvir os ruídos estranhos da noite.


Na escuridão, de repente o fulgor de uma baía de contornos delicados suavemente iluminada pela lua amarela, com o reflexo dos barcos parados, baloiçando-se lentos nela, a escuridão das águas negras, e a espuma das ondas a brilhar numa lâmina de luar. 

 

Olhei, fascinada: era a baía de Ana Chaves. O táxi continua a andar na noite e eu viro-me para a ver através do vidro sujo, abaixo do recorte da floresta, as primeiras casas baixas à entrada da cidade.

 

E o carro segue o caminho que rodeia a baía em direcção ao centro da cidade. Do meio da noite entre o mar e a estrada surgem árvores gigantescas, com as grossas raízes retorcidas à flor da terra, ao lado de uma balaustrada branca que corre ao longo da água.

 

Estava em África. Em São Tomé, quase sobre o risco do Equador que eu sabia passar por cima do Ilhéu das Rolas.

 

Com o tempo foi a descoberta de um mundo de beleza e de simplicidade. De praias de areia fina e branca onde as árvores desciam até ao mar.

 

De pescadores que deixavam as redes a secar em cima dos barcos elegantes feitos num só bloco - cavados no tronco da enorme ‘ocá’ – árvores que são por vezes centenárias.

 

Nunca mais poderia esquecer esta terra, nem os amigos que por lá fiz durante cinco anos da minha vida. 

Nem aquela casa.

 

Sabia que não esqueceria nunca também a arte dos pintores são-tomenses; 

nem os artistas que trabalhavam a madeira ou a tartaruga; 

nem o estranho teatro da 'Tragédia do Tchiloli’, no Riboque, que o Professor João preparava para nós com os pequenos alunos da escola, de teatro, grandes actores já.

 

o Riboque

Passados tantos anos, lembro com muita saudade os amigos desaparecidos - a poetisa Alda Espírito Santo e o Senhor Semedo, grande companheiro desses anos - amigo com quem falava como se meu pai fosse.


D. Alda do Espírito Santo
 
a Dáy
 

Penso em todos os que acompanharam a minha vida desses anos, a começar pela Dáy menina que conheci com nove anos que deixei com catorze.

 
o Nini

 a Milly e o Miki
 
E a minha cozinheira Milly, mãe dela, e os outros filhotes: o Nini e o Miki. E a Adelina e a Diamantina, minhas lavadeiras e amigas, por onde andam? Nunca mais os verei? Mas como esquecer?”


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