domingo, 29 de março de 2009

ela


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http://www.youtube.com/watch?v=79Wsp9TpIZw&feature=related


Ela



A descer a serra, de carro, ia ouvindo um Nocturno de Chopin, quase sempre o mesmo.
Lembrava-se de a ouvir tocar Chopin e Lizt, na velha casa amarela da sua infância.

Era Verão e via os campos, lá em baixo, dourados, as searas brilhantes, com uma ou outra papoila bem vermelha.

Ia ter com ela, que estava a morrer.

Sabia que ela sofria e que tudo ia acabar em breve. Irremediavelmente, iam ficar separadas, como tinham vivido tanto tempo.

Enquanto fazia e desfazia as curvas da estrada, no meio dos pinhais e dos eucaliptos, a ver as giestas amarelas, pensava que, se calhar, lhe era indiferente vê-la chegar.
Depois, quando entrava no quarto, esquecia tudo, e às vezes deitava-se a seu lado, cantava-lhe baixinho as canções que lhe ensinara, em pequenina.

“Ah! Si j’étais
le rossignol qui chante...
Dans la fôret,
je viendrais près de toi.
Et chanterais
d'une voix si touchante...”

Uma dessas manhãs, ela começou a chorar, de olhos fechados, soluçando como uma criança.
-“O que foi, Mamã?”
Respondeu:
-“Dói-me...”

O que lhe doía? Sabia que não lhe doía o que lhe doía a ela, o afastamento de sempre, mas tinha ainda a esperança que tivesse sentido alguma saudade desses tempos e estivesse agora mais perto nessa recordação.
Daí, a vontade de chorar?...

O mais provável, no entanto, era que lhe doesse a sua dor real, física.
Queixara-se sempre pouco, e aguentava a dor como aguentara a solidão na casa da Serra.
Mas desta vez gemera, protestara.
Deu-lhe a mão e começou a chorar, baixinho, para ela não ouvir.

(Chopin, Nocturno op.9, n.2, tocado por Arthur Rubinstein)
para ouvir clickar em baixo:
http://www.youtube.com/watch?v=YGRO05WcNDk

1 comentário:

  1. Maria João
    comecei a ver o seu blog.
    digo que "comecei" porque ainda não tive tempo para ler tudo.Está muito "recheado"!
    Do que vi, gostei muito.
    Parabéns!

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