sexta-feira, 15 de outubro de 2010

AD AMICOS, soneto de Antero de Quental. Sim, lembrando os Amigos e o tempo que passa e, logo, Apollinaire...


Antero de Quental, pintado por Columbano Bordalo Pinheiro

quadro da pintora Marie Laurencin, grupo de amigos com Apollinaire


OS AMIGOS

Já o Principezinho aprendera com os amigos:

No teu mundo os homens cultivam mil rosas no mesmo jardim...E não encontram o que procuram...E no entanto o que procuram poderia encontrar-se numa só rosa ..."

"Mas os olhos estão cegos. É necessário procurar com o coração."

"Serás sempre meu amigo"—disse o princepezinho.

E nós perguntamos, ansiosos, também:

Vais ser sempre meu amigo?”, é esse no fundo o nosso medo...

Na Universidade de Coimbra, num ambiente boémio, Antero de Quental, Eça de Queiroz e Oliveira Martins, entre outros jovens intelectuais, reuniam-se para trocar ideias, livros e formas para a renovação da vida política e cultural portuguesa.

Foram amigos. Foi o início da "Geração de 70".

E o tempo passou, a água correu debaixo das pontes...

« Passent les jours et passent les semaines/ Ni temps passé/ Ni les amours reviennent/ Sous le pont Mirabeau coule la Seine », escreve o grande Apollinaire…

(Passam os dias e passam as semanas/ Nem o tempo passado/ Nem os amores voltam/ sob a ponte Mirabeau o Sena corre...)

Guillaume Apollinaire, pintado por Vlaminck

Passaram os anos... Outros anos, outros amigos.

Lembro a geração do meu pai e dos seus amigos.

Em Portalegre, Manuel Portilheiro, Rui Abreu, Florindo Madeira (pai).

Anos mais tarde, ainda em Portalegre, José Régio, o Eng. Ventura Reis, o capitão Carlos Saraiva, a Luisinha, sua mulher, Arsénio da Ressurreição.

Outros amigos.

Em Lisboa, durante a juventude, na Universidade que fizeram juntos, Marques Cardoso, Cruz Costa, como ele médicos, e Viterbo Moreno, o "eterno estudante", melómano e culto amigo...


Guardo as dedicatórias de Marques Cardoso ao meu pai, em livros de Antero que lhe ofereceu:

Nas “Primaveras Românticas” (Versos dos Vinte Anos, 3ª edição), comprada na Livraria Couto Martins, da Rua da Prata, escreve:


Eu ponho em ambos o mesmo nimbo claro da minha admiração” (Março de 1943);

Nos “Sonetos” (3ª edição, prefaciada por J. P. Oliveira Martins), diz:


Querido Amigo, Você e o Poeta teem (sic) para mim um fundo de semelhança que me chama, do seu Marques Cardoso” (dedicatória sem data);


Nas “Odes Modernas” (Nova edição, segundo a 2ª, 1926):


“Meu bom Falcão, um grande Amigo é uma existência dentro da nossa a refulgir” (sem data também)


É, pensando nos amigos de todos os tempos, eternos e imortais, que vos deixo este soneto de Antero:

AD AMICOS

Em vão lutamos. Como névoa baça,

A incerteza das coisas nos envolve.

Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve,

Nas suas próprias redes se embaraça.


O pensamento, que mil planos traça,

É vapor que se esvae e se dissolve;

E a vontade ambiciosa, que resolve,

Como onda entre rochedos se espedaça.


Filhos do Amor, nossa alma é como um hino

À luz, à liberdade, ao bem fecundo,

Prece e clamor d'um presentir divino;


Mas n'um deserto só, árido e fundo,

Ecoam nossas vozes, que o Destino

Paira mudo e impassível sobre o mundo.


(in Sonetos Completos)


E agora deixo, completo, o belo poema de Apollinaire:

"Sous le pont Mirabeau… "


Neste poema, Apollinaire faz alusão à ruptura com a pintora Marie Laurencin, e evoca a passagem do tempo que foge, tal como as águas do Sena, debaixo da ponte Mirabeau…


Sous le pont Mirabeau coule la Seine

Et nos amours

Faut-il qu'il m'en souvienne

La joie venait toujours après la peine

Vienne la nuit sonne l'heure

Les jours s'en vont je demeure

Les mains dans les mains restons face à face

Tandis que sous

Le pont de nos bras passe

Des éternels regards l'onde si lasse

Vienne la nuit sonne l'heure

Les jours s'en vont je demeure

L'amour s'en va comme cette eau courante

L'amour s'en va

Comme la vie est lente

Et comme l'Espérance est violente

Vienne la nuit sonne l'heure

Les jours s'en vont je demeure

Passent les jours et passent les semaines

Ni temps passé

Ni les amours reviennent

Sous le pont Mirabeau coule la Seine

Vienne la nuit sonne l'heure

Les jours s'en vont je demeure


"Le Pont Mirabeau"Apollinaire, Alcools (1912)
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O retrato de Antero, pintado por Columbano, que reproduzo acima, encontra-se no Museu do Chiado, onde actualmente se apresenta uma Exposição das obras do pintor, Exposição essa integrada no Programa das Comemorações do Centenário da República
Columbano, auto-retrato "no meu atelier"

4 comentários:

  1. Tal como Florbela Espanca, Antero Quental tem um poema que se chama "ser poeta" :) até acho, em jeito de brincadeira, que ele tenta responder-lhe o que é "ser poeta"
    Deixo aqui o poema :)

    "Quereis saber que é ser-se poeta?
    Pois bem. Aqui vos deixo em breves traços:

    É vaguear em sonhos p´los espaços,
    Sem que o nosso ideal encontre a meta!

    Querer ter a magia dum profeta,
    Ter forças p´ra vencer nossos fracassos,

    À ilusão e à vida dar os braços
    Quando o Cupido atira a sua seta.

    É descer aos mistérios das ravinas,
    Desvendar horizontes nas colinas
    E em tudo achar motivos de beleza!
    Ser simples como as ervas pelo chão

    E agradecer a Deus este condão,
    Que é sentir dentro em nós a Natureza!”

    L-I-N-D-O!

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  2. "L´angoisse de l´amour te serre le gosier
    Comme si tu ne devais jamais plus être aimé"
    (Apollinaire)

    O teu pai foi um homem afortunado, por ter sido como foi e por ter tido os amigos que teve. Deves sentir-te muito orgulhosa.Eu também adorava o meu, e sei que é um amor que nunca morre, eles vivem em nós, e quanto mais passa o tempo, mais agradecidas estamos de que nos tenham querido tanto.Beijinhos

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  3. É lindo sim, Paula! Obrigada pela "troca". Bom fim de semana...Um beijo

    Maria, estás sempre perto de mim, "sinto-te" a girar aqui por perto, minha amiga da alma...
    Beijos

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  4. É sempre um enorme gosto passar por aqui.
    "Sonho que sou um cavaleiro andante..."
    o palácio não procuro,desilusão alguma,às vezes.
    Cordial abraço,
    mário

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