Nova
série policial, para mim - mas que existe desde 2011: “Vera”, a afectiva,
humana Inspectora Vera Stanhope, que prefere “entender” a julgar e que no
entanto persegue os criminosos, num mundo fora do mundo de tão belo.
Northumberland, as colinas Penines
E
selvagem, sem dúvida, o mundo das aldeias da região de Northumberland, condado
ao Norte de Inglaterra, quase na fronteira com a Escócia, zona de grande beleza
e de paisagens quase selvagens, paisagem de charnecas e pântanos a perder de
vista. Onde o ser humano –como em toda a parte- deixa de ser humano para
voltar ao estado primitivo, nas emoções, nos afectos, nos ódios e nas invejas.
E no amor.
Lugar paradisíaco “de espaços a perder de vista”, disse, onde os assassinatos
parecem ainda mais absurdos; e onde mais choca a barbárie primitiva dos
seres humanos: a prepotência sobre os indefesos ou a agressão dos mais
frágeis.
O
abandono, a injustiças da vida, os adolescentes perdidos, os homens violentos,
as mulheres batidas ou em fuga. Ela, Vera, que foi uma filha quase abandonada, criada
por um pai que se esquecia dela e que ela tentava proteger e salvar.
Como
ela conta a uma das suas personagens, adolescente, que julga poder salvar
todos: “nós não os podemos salvar, querida. Eles não querem ser salvos.”
Porque
não há salvação se não a procurares e aceitares. Se te abandonares aos instintos, às paixões
e à perdição, porque mesmo nos lugares paradisíacos, o ser humano pode ser
boçal, egoísta, manipulador. E ser capaz de matar para seu proveito.
Gosto da doçura desta mulher que trata as
pessoas por 'love' ou 'pet' e que é solidária com o sofrimento dos outros.
E que se preocupa! É tão raro esse
sentimento.
Ruth Rendell
Ao
contrário do que muitos julgam, estes livros não são superficiais. Li
um artigo sobre Ruth Rendell em que se defendia a “tese” de que é na literatura
policial que hoje se vai mais fundo na denúncia dos podres das sociedades; onde
se fala das doenças mentais escondidas, do abandono e do abuso sobre os seres
em que a fragilidade é mais acentuada:
mulheres, crianças, adolescentes.
Em que o lado mau da humanidade é analisado a fundo. O lado "escuro", o mal que existe em tanta gente. Em que a inveja e a coscuvilhice são tão "mortais" como as armas.
Em que o lado mau da humanidade é analisado a fundo. O lado "escuro", o mal que existe em tanta gente. Em que a inveja e a coscuvilhice são tão "mortais" como as armas.
The dark side of the moon era uma bela canção dos Pink Floyds. Aqui
fala-se de algo bem pior: o “dark side of mankind”: nas profundezas da alma
onde se instala a maldade: the evil…
Gosto
da humanidade que a comisssária Vera 'põe' nestas histórias
violentas e sinistras.
A “Vera” da série é Brenda Blethyn que foi actriz de teatro e representou Shakespeare e que entrou em filmes de Mike Leigh.
E ganhou prémios pela sua interpretação (Secrets and lies, por exemplo).
A “Vera” da série é Brenda Blethyn que foi actriz de teatro e representou Shakespeare e que entrou em filmes de Mike Leigh.
E ganhou prémios pela sua interpretação (Secrets and lies, por exemplo).
Vidas
perdidas, pessoas solitárias, destruídas, infelizes - que me fazem lembrar na violência dos sentimentos o pessimismo das
histórias do grande romancista inglês Thomas Hardy (salvas as distâncias com a
autora Ann Cleeves), onde o ser humano é sempre o mesmo ser humano frágil, ou
abusado, ou perseguido, ou solitário.
Era
pessimista, Hardy? Em muitos dos seus romances, sim era. Como escreve Claire
Tomalin “a visão sombria das coisas acentuava-se de livro para livro” (*).
Claire Tomalin
A
escritora policial Ann Cleeves - em cujos livros se baseia a série televisiva
britânica, “Vera”, iniciada em 2011- nasceu em 1954. Estudou
Literatura Inglesa, na Universidade de Sussex, mas cedo abandonou os
estudos. Teve várias profissões, desde cozinheira a “guarda-costeira”.
Suntherland (foto de Diogo C.)
Em
2014, Cleeves foi ‘agraciada’ com um Doutoramento Honorário, em Letras, na
Universidade de Suntherland.
Edward Hopper
A cervejaria Theakston
Nesse mesmo ano, foi proposta para o Dagger in the Library dos escritores policiais, prémio criado pela
CWA (Crime Writers Association).
Ann Cleeves vive hoje em Whitley Bay onde muitas das suas histórias são ambientadas.
(*) Sobre esse assunto,
escreve Claire Tomalin (op.cit. pg. 219, cap. The Blighted Star): “Por
vezes negava ser um pessimista, e é verdade que mantinha a sua alegre vida
social em Londres. (...) enquanto ia trabalhando nos romances mais duros."
(**)
Estas cidades-mercado (market town ou market right, era o termo legal) foram
criadas na Idade Média, em vários países da Europa. Tinham a particularidade de poderem ter “feiras”. Eram cidades
que gozavam desse direito: podiam “hospedar” mercados em que se vendia tudo –o que as distinguia
das cidades ou aldeias normais.
Os preconceitos são sempre inúteis. Uma boa novela policial pode dar quarenta patadas a outra qualquer, é um género literário muito respeitável. A mim nunca me deu por aí, não sei porquê, salvo alguma de Agatha Christie e pouco mais. Mas gozo de te ver gozar...
ResponderEliminarBeijinho
Também sou fã da série
ResponderEliminar