sexta-feira, 19 de maio de 2017

A série britânica "Vera", a comissária Vera Stanhope...


Nova série policial, para mim - mas que existe desde 2011: “Vera”, a afectiva, humana Inspectora Vera Stanhope, que prefere “entender” a julgar e que no entanto persegue os criminosos, num mundo fora do mundo de tão belo.
Northumberland, as colinas Penines

E selvagem, sem dúvida, o mundo  das aldeias da região de Northumberland, condado ao Norte de Inglaterra, quase na fronteira com a Escócia, zona de grande beleza e de paisagens quase selvagens, paisagem  de charnecas e pântanos a perder de vista. Onde o ser humano –como em toda a parte- deixa de ser humano para voltar ao estado primitivo, nas emoções, nos afectos, nos ódios e nas invejas. E no amor.

Lugar paradisíaco “de espaços a perder de vista”, disse, onde os assassinatos parecem ainda mais absurdos; e onde mais choca a barbárie primitiva dos seres humanos: a prepotência sobre os indefesos ou a agressão dos mais frágeis. 
O abandono, a injustiças da vida, os adolescentes perdidos, os homens violentos, as mulheres batidas ou em fuga. Ela, Vera, que foi uma filha quase abandonada, criada por um pai que se esquecia dela e que ela tentava proteger e salvar.
Como ela conta a uma das suas personagens, adolescente, que julga poder salvar todos: “nós não os podemos salvar, querida. Eles não querem ser salvos.”
Porque não há salvação se não a procurares e aceitares. Se te abandonares aos instintos, às paixões e à perdição, porque mesmo nos lugares paradisíacos, o ser humano pode ser boçal, egoísta, manipulador. E ser capaz de matar para seu proveito.
 Gosto da doçura desta mulher que trata as pessoas por 'love' ou 'pet' e que é solidária com o sofrimento dos outros. E  que se preocupa! É tão raro esse sentimento.
Ruth Rendell 
Ao contrário do que muitos julgam, estes livros não são superficiais. Li um artigo sobre Ruth Rendell em que se defendia a “tese” de que é na literatura policial que hoje se vai mais fundo na denúncia dos podres das sociedades; onde se fala das doenças mentais escondidas, do abandono e do abuso sobre os seres em que a fragilidade é  mais acentuada: mulheres, crianças, adolescentes. 
Em que o lado mau da humanidade é analisado a fundo. O lado "escuro", o mal que existe em tanta gente. Em que a inveja e a coscuvilhice são tão "mortais" como as armas. 
The dark side of the moon era uma bela canção dos Pink Floyds. Aqui fala-se de algo bem pior: o “dark side of mankind”: nas profundezas da alma onde se instala a maldade: the evil
Gosto da humanidade que a comisssária Vera 'põe' nestas histórias violentas e sinistras. 

“Vera” da série é Brenda Blethyn que foi actriz de teatro e representou Shakespeare e que entrou em  filmes de Mike Leigh. 

E ganhou prémios pela sua interpretação (Secrets and lies, por exemplo).
Vidas perdidas, pessoas solitárias, destruídas, infelizes - que me fazem lembrar na violência dos sentimentos o pessimismo das histórias do grande romancista inglês Thomas Hardy (salvas as distâncias com a autora Ann Cleeves), onde o ser humano é sempre o mesmo ser humano frágil, ou abusado, ou perseguido, ou solitário.

Era pessimista, Hardy? Em muitos dos seus romances, sim era. Como escreve Claire Tomalin “a visão sombria das coisas acentuava-se de livro para livro” (*).
Claire Tomalin 

A escritora policial Ann Cleeves - em cujos livros se baseia a série televisiva britânica, “Vera”, iniciada em 2011-  nasceu em 1954. Estudou Literatura Inglesa, na Universidade de Sussex, mas cedo abandonou os estudos. Teve várias profissões, desde cozinheira a “guarda-costeira”.

Suntherland (foto de Diogo C.)

Em 2006, ganhou o Prémio Duncan Laurrie Dagger, o prémio de literatura policial mais famoso, no Reino Unido.
Em 2014, Cleeves foi ‘agraciada’ com um Doutoramento Honorário, em Letras, na Universidade de Suntherland.
Edward Hopper

Em 2015, foi a Presidente do Júri do “Festival do Crime” -  do prémio “T & R Theakston” - do nome da cervejaria Theakston, que existe na ‘cidade-mercado’ (**) de Masham, no Yorkshire. 
A cervejaria Theakston
Nesse mesmo ano, foi proposta para o Dagger in the Library dos escritores policiais, prémio criado pela CWA (Crime Writers Association).

Ann Cleeves vive hoje em Whitley Bay onde muitas das suas histórias são ambientadas.


 (*) Sobre esse assunto, escreve Claire Tomalin (op.cit. pg. 219, cap. The Blighted Star): “Por vezes negava ser um pessimista, e é verdade que mantinha a sua alegre vida social em Londres. (...) enquanto ia trabalhando nos romances mais duros."

(**) Estas cidades-mercado (market town ou market right, era o termo legal) foram criadas na Idade Média, em vários países da Europa. Tinham a particularidade de poderem ter “feiras”. Eram cidades que gozavam desse direito: podiam “hospedar” mercados em que se vendia tudo –o que as distinguia das cidades ou aldeias normais.

2 comentários:

  1. Os preconceitos são sempre inúteis. Uma boa novela policial pode dar quarenta patadas a outra qualquer, é um género literário muito respeitável. A mim nunca me deu por aí, não sei porquê, salvo alguma de Agatha Christie e pouco mais. Mas gozo de te ver gozar...
    Beijinho

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