Entardecia
mais cedo, em pleno Outono a mudança da hora fazia sentir o Inverno próximo. Amanhecera um lindo dia de céu azul, com sol que
brilhara nítido desde manhã.
A tarde descia e revelava nuvens escuras, sempre a correrem, alargando-se até ao horizonte em tom de rosa acinzentado cada vez mais escuro.
A tarde descia e revelava nuvens escuras, sempre a correrem, alargando-se até ao horizonte em tom de rosa acinzentado cada vez mais escuro.
A Piazza, sempre agradável, parece inóspito e o próprio Caffè degli Specchi não nos aquecia: tudo anunciava mau
tempo, mas não aquele temporal que surgiu subitamente.
O céu fechou-se e só os relâmpagos iluminam a Piazza dell’ Unità, e os trovões ribombam, num ritmo continuado, repetitivo.
O céu fechou-se e só os relâmpagos iluminam a Piazza dell’ Unità, e os trovões ribombam, num ritmo continuado, repetitivo.
A
praça esvazia-se num instante e todos correm a refugiar-se nos caféspróximos. Nós tínhamos ido à Livraria Ubik, que fica no
espaço do Palazzo Tergesteo, ao pé da
Borsa.
Nesse espaço restaurado, há restaurantes, lojas, a livraria e também novo Caffé Tergesteo -substituto do antigo que fora famoso.
Na esplanada, protegida da chuva, é um nunca acabar de gente que entra, que
espreita, que volta a sair para afrontar a tempestade. Ou que, como nós, se
senta à espera que ela acalme.
Nesse espaço restaurado, há restaurantes, lojas, a livraria e também novo Caffé Tergesteo -substituto do antigo que fora famoso.
Bebemos um chá com ervas desconhecidas, a
escaldar, e esperámos. Parava, não parava? Havia quem se arriscasse, com o
guarda-chuva aberto, logo as varetas viradas porque o vento, em rajadas
fortíssimas, a bora, começara a
soprar.
Por
fim, decidimos sair porque o temporal se eternizava e não ia parar. Continuavam, chuva e vento, intensos.
Saímos
para a rua, à aventura, de regresso ao Hotel que não ficava longe. No momento
em que atravessávamos a praça aberta para o
golfo, por onde o vento girava em círculos, fugíamos do
céu iluminado pelos raios.
Recordei
as trovoadas da minha terra e do ar aterrorizado com que a Florinda dizia: “Meninas, está iminente” e nos íamos
proteger todas num canto da sala, depois de desligar o telefone e o aparelho de rádio. Como soava trágica a palavra "iminente"!
“Santa Bárbara bendita,
que
no céu estás escrita,
Em
Trieste, lembrei esses momentos em que sentia uma atracção aliada ao medo da
trovoada.
Aqui,
sobre as nossas cabeças, girava interminável e iminente. A água que
batia de chapa na calçada e nos fustigava as mãos e a cara, ia formando
ondinhas no chão.
Não valia a pena voltar para trás à procura da protecção que não existia em lado nenhum. A Piazza e os cafés estavam já longe e todo o comércio estava fechado. Não se via alma viva por aqueles sítios.
Não valia a pena voltar para trás à procura da protecção que não existia em lado nenhum. A Piazza e os cafés estavam já longe e todo o comércio estava fechado. Não se via alma viva por aqueles sítios.
Avançámos,
embrulhados nos impermeáveis, convencidos de que seria rápido. Chovia
ininterruptamente e nem víamos bem por onde íamos. Chuva, batida de lado com muita
força, ao sabor da “bora” que começara a soprar. Imaginei o mar ali perto e tive medo.
Decidimos
meter pela estreita ruela, entre dois alinhamentos de casas, no espaço entre a via Cavana e a via Armando Diaz – um caminho que pareceu abrigado do vento, talvez a via Pescheria. Mas deparámos
com uma espécie de corredor de águas, num remoinho
junto às sarjetas e tampas de metal.
via Cavana, dias antes, de noite
Do
alto dos velhos telhados, caía chuva em catadupas. Tinha medo de
encontrar um buraco escondido e entalar lá um pé. A decisão de afrontar a tempestade fora inconsciência, mas agora não podíamos fazer mais nada a não ser andar em frente.
Tentávamos colocar os pés com cuidado para não cairmos nalgum buraco, escondido pela água.
Tentávamos colocar os pés com cuidado para não cairmos nalgum buraco, escondido pela água.
Continuámos
a avançar com a sensação de não termos avançado nada e a dada altura virámos
para a via Armando Diaz onde ficava o
Liberty Residence. Nada se distinguia, naquela água suja que tinha uns quinze centímetros de altura.
Na esquina, no momento de dar a curva - momento que nos pareceu uma eternidade descobrimos, aterrorizados, que a rua estava ainda mais cheia do que a ruela anterior. Pareciam ribeirinhos que, vindos das outras ruas, entravam na rua grande, em tumulto.
Faltavam poucos metros e a água chegava-nos aos joelhos. A roupas encharcada, prendia-se às pernas e impedia os movimentos.
Na esquina, no momento de dar a curva - momento que nos pareceu uma eternidade descobrimos, aterrorizados, que a rua estava ainda mais cheia do que a ruela anterior. Pareciam ribeirinhos que, vindos das outras ruas, entravam na rua grande, em tumulto.
Sem guarda-chuva, mal defendidos, quase me senti desfalecer. “E se caio?”,
era o meu terror.
A
Diaz é uma das ruas principais, paralelas
ao mar: a mais larga, e todas as ruas que a cruzavam despejavam nela as
águas vindas da parte alta da cidade, do Castelo e do monte San Giusto.
Era uma espécie de rio, em forte corrente, que puxava para para o Golfo, em
direcção à Piazza dell’ Unitá. Com as
botas cheias de água, pesadas como se tivessem pedras lá dentro, o casaco a
pingar, os cabelos molhados e agarrados à cara, sem ver nada, era um verdadeiro
pesadelo.
“E
se caíssemos na água lamacenta? E se não conseguíssemos subir para o passeio
que era alto?"
Nem sei se foi nesse momento, se depois, que imaginei as perguntas.
Nem sei se foi nesse momento, se depois, que imaginei as perguntas.
Andámos bastante, ainda, para atingir o passeio e entrar pela porta do hotel!
imagens da net, dia de temporal
Depois
foi um banho, uma aspirina com um copo de leite quente, e as nova roupa vestida, até me sentir seca e segura.
A
trovoada durou muitas horas, noite fora. Como estaria a bela Piazza dell' Unità? E o Golfo e o Molo Audace? Conhecia as imagens do mar batido pela bora, mas não assim de noite e com chuva.
Ia espreitar de vez em quanto à janela. Impressionava-me o céu negro. De tempos a tempos, um relâmpago iluminava todo o quarto!
E, logo outro. E, logo outro. E outro. A seguir, o ribombar dos trovões que pareciam afastar-se
a rolarem, um após o outro.
Ia espreitar de vez em quanto à janela. Impressionava-me o céu negro. De tempos a tempos, um relâmpago iluminava todo o quarto!
relâmpagos sobre Trieste (imagem net)
relâmpagos sobre Trieste
Acabei
por adormecer. A manhã seguinte foi azul e cheia de sol, sem rasto de água. Apenas um ou outro pingo caía dos beirais.
Em volta, por cima da rua, as gaivotas giravam como loucas.
No Molo Audace, as costureirinhas continuavam a coser, tranquilas, as bandeiras da Itália livre.
No Molo Audace, as costureirinhas continuavam a coser, tranquilas, as bandeiras da Itália livre.
Isso é que foi uma aventura!
ResponderEliminarConfesso, que se fosse comigo ia achar divertido, andar assim à chuva.
Felizmente tinha à sua espera o quentinho do hotel!
Gostei das fotos!
Beijinhos e uma boa semana:)
Isso é o que eu chamo de uma grande aventura. A minha avó sempre dizia: com chuva forte não se brinca.
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