Tobie Nathan
Vou
guardando certas páginas do jornais e revistas para ler mais tarde, com mais tempo. Neste caso, trata-se duma entrevista encontrada no jornal Le Monde (1).
O
título "Les âmes errantes" de Tobie Nathan interessou-me e guardei o jornal. Li-o há pouco. Gosto de saber, de ler
desordenadamente conforme me apetece, sem plano de leitura.
Ouvia
dizer, quando era pequena “o saber não ocupa lugar” e confesso que me parecia
uma frase pomposa e até antipática. No entanto é verdadeira: o nosso cérebro
acaba por ter lá muito espaço: apaga umas coisas e regista outras.
Há sempre mais espaço para uma nova aprendizagem - e o artigo interessou-me.
Há sempre mais espaço para uma nova aprendizagem - e o artigo interessou-me.
Esta
entrevista com Tobie Nathan (1948, Cairo), etnopsiquiatra, termo que nem conhecia, é muito
útil para consolidar o que talvez já pensasse antes sem saber. Ele conta quem
o empurrou para saber mais sobre isso.
Com 21 anos, uma infância turbulenta e movimentada, criando problemas
atrás de problemas, era um momento difícil. Nascera no Egipto, era judeu e, em 1957, no tempo do general Nasser, os pais fugiram para Itália e viveu parte da juventude em Roma. Depois, instalaram-se em Paris.
Difícil percurso, para um miúdo, em adaptação e readaptação constantes.
Difícil percurso, para um miúdo, em adaptação e readaptação constantes.
Georges Devereux
Georges Devereux
Para Nathan, “aquele curso foi como uma bofetada! Não aguentei mais do que 4 semanas
mas percebi que ia voltar quando me sentisse mais preparado.”
Para ele foi uma pedrada no charco, no vazio. Volta dois anos mais tarde. Quer inscrever-se na tese de doutoramento com o Professor que o deslumbrara anos antes.
Para ele foi uma pedrada no charco, no vazio. Volta dois anos mais tarde. Quer inscrever-se na tese de doutoramento com o Professor que o deslumbrara anos antes.
“Fez-me
um teste da sua autoria e depois conversámos. Cheguei às 10 da manhã e parti às
10 da noite. Entretanto, contara-me a sua vida. No final desse dia que passámos
juntos, disse: 'aceito-te' no meu seminário!”
Nathan
fica impressionado. Tinha pais, não era órfão, tivera acompanhamento mas fora
um rebelde sempre, mas neste momento sente uma coisa especial como se tivesse sido adoptado.
“O
facto de ser aceito por este professor bastante rígido, rodeado dum perfume de
Austro-Hungria – pareceu-me uma adopção. O professor Devereaux tornou-se, pois, meu director de tese e foi assim
que me tornei ‘etno-psiquiatra’. Mas o que era a etnopsiquiatria?", interroga-se.
No fundo, tratava-se apenas de aprender mais e mais ainda.
“Aprender com os outros povos os
conhecimentos que eles têm dos problemas de saúde psíquica e saber os seus tratamentos”.
Aprender coisas a partir das outras culturas, no fundo.
“Ter em conta as suas tradições e os seus
ritos ancestrais para curar os males.”
Penso em Claude Levi-Strauss, e na dedicação de toda a sua vida ao estudo dos povos ameríndios, no Brasil, e outros cuja cultura e tradição estudou.
A viver junto deles, a querer entender e a aprender com eles. Basta ler “La pensée sauvage” ou "Tristes Tropiques".
Ou em Victor Segalen que foi estudar os povos que Gauguin pintara e que escreveu sobre eles.
Penso em Claude Levi-Strauss, e na dedicação de toda a sua vida ao estudo dos povos ameríndios, no Brasil, e outros cuja cultura e tradição estudou.
A viver junto deles, a querer entender e a aprender com eles. Basta ler “La pensée sauvage” ou "Tristes Tropiques".
Ou em Victor Segalen que foi estudar os povos que Gauguin pintara e que escreveu sobre eles.
Nathan cita
o livro de Devereaux que considera essencial: “Mohave Ethnopsychiatrie
(1961), “onde ele descreve pormenorizadamente
os pensamentos que os ameríndios Mohave têm a propósito das doenças a que chamamos
mentais.”
jovem Mohave (foto de 1903)
Achei
interessantíssimo que houvessecuriosidade em “aprender” com os povos considerados “primitivos” por tantos ignorantes que por aí andam. Não desconhecer essas culturas é não só um enriquecimento próprio como uma forma de
evitar que essas culturas morram. E criar laços, união, pontes.
(1) Les âmes errantes, ed. L’ Iconoclaste,
2017
Parece-nos estranho ouvir isto, no entanto a etnopsiquiatria existe e pode funcionar!
A
verdade é que quando o governo de François Hollande, em 2014, encarrega Tobie Nathan de “acompanhar” durante uns meses um grupo de jovens em vias de radicalização islamista, e ele segue cerca de 50 jovens
rapazes e raparigas, o trabalho interessa-o muito e descobre mais do que julgara.
Tira conclusões, faz um relatório, mas não acredita que
seja suficiente e decide escrever um livro, para continuar ele próprio, esse estudo e essa
reflexão.
Na sua opinião, existem nesta questão “demasiados clichés, demasiadas ideologias a agitarem-se, e falsas respostas dadas.” Daí, nasce o livro “Almas errantes”, publicado em 2017.
Na sua opinião, existem nesta questão “demasiados clichés, demasiadas ideologias a agitarem-se, e falsas respostas dadas.” Daí, nasce o livro “Almas errantes”, publicado em 2017.
Deixo
algumas passagens que julgo importantes para entendermos o modo como aborda
essa questão e a procura de um novo discurso político que defenda uma
sociedade verdadeira em que não falte utopia.
“No
livro lança uma ponte entre a sua própria existência de emigrado judeu egípcio
e estas vidas de jovens “capturados” por uma ideologia religiosa radical. Um
livro apaixonante e belo.” (wikipedia)
“Não se trata de
fabricar um contra-discurso, é preciso sim fabricar um discurso. Esta é a
prevenção: um discurso verdadeiro da nossa sociedade, que proponha a utopia”, escreveu Nathan.
Importa conhecer a outra cultura, o que nos é desconhecido. Importa não ignorar que o
Homem é feito de muitas culturas e “nada
do que é humano nos é alheio”, como dizia outro pensador, há muitos
séculos. “Homo sum: nihil humani a me
alienum puto.”(2)
Terêncio
(2)
in Le Monde, de 15 de Outubro de 2017
(3)
Publio Terêncio, dramaturgo e poeta romano, nascido entre 195-185 a.C. É sua a frase: “Sou homem: nada do que é humano me é estranho.”
(4) Etnopsiquiatria ou Psiquiatria Transcultural
(em inglês) é um campo de pesquisa que partilha objectos e métodos ligados
tanto com a psicologia clínica como com a
Antropologia Cultural. Interessa-se pelas desordens psicológicas em relação
com o contexto cultural em que surgem.
Gostei de ler. "Almas Errantes" é um título bonito e deve ser um livro interessante.
ResponderEliminarÀs vezes também guardo artigos e coisas para ler mais tarde, mas nem sempre depois leio.
Beijinhos e boa semana:)
(Coloque mais post. Fico sempre ansiosa à espera de ver um novo post.
Este é o melhor blogue da blogosfera!)
Tu és a minha fiel leitora, Isabel,obrigada!
EliminarSou sim!
ResponderEliminarE tenho aprendido muito com a Maria João:)
Beijinhos:)
Uma história interessante e rica. Almas Errantes me chamou.
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