sábado, 26 de junho de 2021

Robert Walser, o misterioso, e antologia de contos "A Rosa"


Walser nasce em 1878 na cidade de Biel na Suíça e morre no dia 25 de Dezembro de 1956, dia de Natal. É encontrado morto na neve, durante um passeio solitário.

Em Biel cresce, estuda mas abandona cedo a escola com 14 anos de idade indo trabalhar como aprendiz num Banco da cidade. Interessa-se pela literatura e escreve poesia.

Os primeiros poemas são publicados em 1898 com apenas vinte anos e o sucesso dos poemas vai ser enorme.

Os primeiros poemas são publicados em 1898, com vinte anos apenas, mas o sucesso vai ser enorme. Durante uns anos sonha em ser famoso e decide ir para a Alemanha.

Em 1905  vai viver para Berlim. Escreve novelas, atrás de novelas. Supõe-se que terá escrito cerca de mil contos e sete ou oito romances.

Em 1907 publica “The Tanners” (Os Irmãos Tanner); em 1908, “O Assistente”; em 1909 sai “Jakob von Gunten”, um dos seus livros mais conhecidos. 

As obras são apreciadas porém não lhe trazem dinheiro nem glória especial. Nem a possibilidade de se estabelecer na vida literária de Berlim.

Em 1913, pensando ter falhado a vida de escritor, volta para a Suíça para Biel, sua terra natal. Vive num pequeno sótão no bairro dos criados do "Hotel Blaues Kreuz". Ali vai viver pobremente. Continua sempre a escrever e a publicar.

De 1916 a 1917 escreve uma série de curtas peças em prosa “Prose Pieces”. Entre 1917 e 1918 escreve “A Poet’s Life” e “The Walk” (1917) e em 1920 “Lake District” - todas elas são publicadas por editoras suíças.

A novela “The Walk” (“O Passeio”) é amplamente considerada como o trabalho mais importante deste período da vida de Walser. A novela “Tobold” e “Theodor” (escritas ainda em Biel) não são publicadas e os manuscritos perdem-se.

No ano de 1921 muda-se para Berna. Troca de casa constantemente. Publica em jornais na secção dos ”folhetins”. Em 1925, sai “The Rose” uma antologia de contos. É deste livro, “A Rosa”, que quero falar.

Outros textos seus – os chamados “microscripts”- ou “microgramas”-  não chegarão a ser publicados. Escritos numa caligrafia tão minúscula e escritos - com um lápis - até às bordas do papel foram inicialmente considerados textos ‘codificados’ num código secreto. Eram muito difíceis de entender.

Segundo alguns críticos, Walser “Quis fazer-se cada vez mais pequenino até desaparecer.” (2) Apesar de ser considerada difícil a leitura da sua obra, Walter era, no entanto, um escritor essencial de uma simplicidade quase exagerada.

Depois de um esgotamento mental em 1929 é internado no manicómio Waldau, em Berna, e depois no sanatório psiquiátrico de Herisau (Appenzel).

Em 1933, deixa de escrever e os restantes vinte e três anos de vida passa-os naquele sanatório, anónimo, desaparecido, e esquecido pelo mundo. O grande escritor Robert Walser que foi admirado por grandes escritores - de Thomas Mann e Robert Musil a Hermann Hesse, de Franz Kafka a Walter Benjamin - hoje permanece desconhecido do grande público.

Franz Kafka e Robert Musil

Walter Benjamin e Hermann Hesse

Em Portugal, felizmente, foram publicadas muitas das suas obras (3). (Mostro algumas das imagens dos livros que encontrei no "Wook", muitos deles publicados na Relógio d' Água, o que, penso, pode ter utilidade se estiverem interessados em ler.)

Era um homem simples que nunca quis ser mais do que era e isso admirava. Desdenhava os pensamentos de grandeza dos outros. “Para o diabo a ânsia de se ser mais do que se é. Uma verdadeira catástrofe que põe em todas as coisas existentes uma máscara de maldade e de fealdade”, dizia.

Gostaria de falar dos contos de “A Rosa”  (2) e de como esse livro me veio parar às mãos. E não posso deixar de contar a história da pessoa que no-lo ofereceu um dia do ano de 2004. 

Chamava-se Agostinho Castro e foi um amigo especial, riquíssimo de cultura e sentimento, humilde no seu enorme saber e sensibilidade. Era uma pessoa muito especial que punha os outros à frente dele, “escondendo” as suas qualidades para melhor falar das dos amigos e daquilo que amava. Dos escritores, dos poetas, dos lugares ou das pessoas de tudo isso ele falava a sério.

Escrevera e nunca publicara – nem foi publicado que eu saiba – um livro de grande interesse sobre uma viagem que fizera à Rússia numa excursão organizada depois do 25 de Abril de 1974. Chamava-se, creio, “Em direcção ao sol”. Enviou-nos o manuscrito com centenas de páginas dactilografadas, estávamos nós ainda em São Tomé.

Amava os escritores russos e Dostoievsky em particular.

Falar de Dostoievsky e d'O Idiota, seu livro bem amado, e lembrar a figura de Galya, a personagem feminina  que ele Walser também "amava". E recomendou: "vejam bem na página 24." De facto, lá estava a referência de Walser à personagem feminina, Galya.

Explicava esse encantamento : “Eu queria ir ver a Rússia!”.  E continuava, entusiasmado: “Tinha de ir conhecer a Rússia de Tolstoi, de Dostoievski, de Gogol, de Tchekhov, de Bounine”.

A terra dos escritores que lhe tinham ensinado a viver, a apreciar a humanidade na sua riqueza e miséria, na beleza e na nobreza ou na violência dos sentimentos. 

Dostoievsky, pintado por Vassily Perov

Dostoievsky que ele tanto admirava, o de “Crime e Castigo” sim, como Walser, mas sobretudo o de “Pobres Gentes” e de “O Idiota”. Queria conhecer a terra do criador do Príncipe Mushkine.

Do exemplar de “A Rosa” que nos oferecera assinalara, numa letrinha bem desenhada - e quase tão minúscula como de Robert Walser nos seus últimos textos, a que chamam “microgramas”. O tempo passou depressa e não demos por ele, nem entendemos por que de repente o Agostinho desapareceu.

Por isto e por aquilo vamos adiando o importante e indo atrás de outros brilhos menores. A verdade é que que acabámos por não falar com o Agostinho sobre este seu projecto de livro que seria o seu Diário da Rússia...   

Hoje penso que deveria ter lido este livro há muitos anos. Era importante já que ele no-lo oferecera e se dera ao trabalho de garatujar linhas e linhas nas páginas em branco que terminavam o livro e até na página da dedicatória, num frenesim que queria dizer muito.

Talvez tivesse querido dizer que precisava que o ouvissem, que lhe escrevessem, que alguém lhe falasse, respondesse às suas dúvidas e acalmasse o seu desespero.

Poucos anos mais tarde, depois de um silêncio a que não demos o devido valor, soubemos que morrera. Nada sabiam do livro que escrevera nem da razão por que morrera. Desapareceu. E disso me quero penitenciar porque era um amigo leal e sincero. 

E volto a Robert Walser.

O escritor, após um colapso nervoso, em 1929, é  internado num hospício. Alguns escritores e admiradores procuraram-no para lhe fazerem companhia porque o admiravam. Como por exemplo, Carl Seelig seu admirador e amigo, que mais tarde será o seu executor literário. (5)


 Vai começar a visitá-lo a partir de 1936 e dão longas caminhadas juntos e falam de tudo e de nada. Dessas conversas sobre arte, e sobre o mundo em que vive rodeado de neve, entre refeições juntos e variações de humor Seelig vai tomando notas. Publicará uma espécie de biografia desses anos de convívio.

Também o catalão Vila-Matas (4) o procura, também ele escreve sobre Walser, incluindo mesmo um personagem nos seus livros que representa o escritor. Escreve o escritor espanhol, citado num artigo de Marta Medina (5).
 

Autor infelizmente minoritário, antecedente de Kafka, de “humildade extraordinária e simplicidade formal que esconde um olhar agudo e pormenorizado sobre a vida (...) literatura. E acrescenta: "No conocía el ódio y todos conocemos el odio, si lo pensamos demasiado. Él se parecía a Beckett, que jamás hablaba mal de nadie".

Em 1956 Robert Walser põe, pois, um fim 'involuntário' à sua vida, à sua 'obra em potência' e também aos vinte e três anos de reclusão psiquiátrica, durante os quais não escrevera nem uma só linha.

"Aqui não vim para escrever, mas sim para ficar louco" – terá dito Walser, segundo conta Enrique Vila-Matas.

O corpo de Robert Walser é encontrado na neve, por um grupo de crianças, no dia de Natal do ano 1956. Morrera com um ataque cardíaco durante o passeio solitário que costumava fazer.

Escreve Marta Medina, em 2016 (7), referindo-se à sua morte: “aparecia ali, sozinho, desenhando-se pouco a pouco debaixo do manto de neve, enquanto no resto do mundo surgiam as fanfarras do Natal de 1956.” Paradoxos da vida: hoje é considerado um dos mais importantes escritores do século XX.

(1) Robert Walser nasceu em Bienne ou Biel (Suíça) em 15 de Abril de 1878. Morreu em 1956 quando dava um passeio na neve no dia 25 de Dezembro, dia de Natal, de 1956, perto do manicómio de Herisau na Suíça onde estava internado.

https://www.robertwalser.ch/en/rw

(2) “A Rosa”,  Relógio d’ Água, Dezembro de 2004 

(3) na revista espanhola "El Confidencial Cultura" de 16/12/2016, um artigo da jornalista Marta Medina intitulado: "Robert Walser, el maestro de Kafka que menguó tanto que acabó desapareciendo"

(4) Carl Seelig (1894-1962) escritor e editor de origem suíça amigo de Walser e seu amigo e guardião e executor literário. Editou Stefan Zweig, Max Brod e Joseph Roth e fez a primeira biografia de Einstein. Publicou uma biografia de Robert Walser intitulada “Caminhadas com Robert Walser”

 (5) ainda Marta Medina, jornalista e colunista de "El Confidencial". Num artigo sobre a reedição espanhola de “O Passeio” de Walser cita o escritor catalão Vila-Matas (‘El Confidencial’ – Cultura - de 16 de Dezembro de 2016)

https://www.elconfidencial.com/cultura/2016-12-16/robert-walser-siruela-el-paseo_1304411/

http://www.enriquevilamatas.com/escritores/escrunamunop1.html

https://www.blogs.unicamp.br/amigodemontaigne/2008/01/16/robert-walser/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Walser

 


3 comentários:

  1. Tantos autores desconhecidos, e bons para ler, e o tempo que passa a correr!

    Beijinhos:))
    Bom domingo:))

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  2. Estimada Maria João,
    Nunca tinha lido um texto sobre Robert Walser que me fizessse lê-lo!
    A Maria João conseguiu-o! Tenho um livro dele e outro do Gonçalo M. Tavares intitulado "Walser" mas nunca os li. Vou comprar A Rosa e Caminhadas com Robert Walser da autoria de Carl Seeling. Fiquei muito curiosa com este último e com muita vontade de o ler.
    OBRIGADA por esta exposição magistral sobre o autor!
    É emotivo o que descreve sobre o que se passou com o amigo Agostinho Castro. E, deve fazer eco em todos nós! O tempo passa veloz e de forma não intencional "afastamo-nos" dos que mais gostamos e nos merecem atenção. Quando um dia "regressamos", muitas vezes já é tarde!
    Um beijinho amigo e mais uma vez OBRIGADA!.:)

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    1. Obrigada, Cláudia, eu tentei transmitir o meu entusiasmo à medida que me ia lembrando de coisas várias da vida, do tempo perdido, do desaproveitar o momentos de companhia, de "falhar" sem querer aos amigos. E fui lembrando muita coisa. Ainda bem que gostou, eu é que fico agradecida! Ainda ando com o livro atrás de mim, tenho a sensação de que não li tudo...
      Também gostava de ler as tais Caminhadas do Seeling. Se encontrar, arranja-me um? Um beijinho

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