segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Carta ao meu amigo José Régio

“Amigo do meu coração, pouco falo de ti mas estás sempre presente.  Sabia – soube-o sempre desde os meus 9 ou 10 anos - que no primeiro momento de aflição da minha vida eu podia correr para ti e tu me darias abrigo e consolo.

Querido amigo, viveste sempre próximo de mim, não fisicamente porque em Portalegre a rua dos Canastreiros ficava longe do Largo da Boavista (1), mas porque tu não eras só o meu professor do liceu, o Dr. Reis Pereira: eras o amigo do meu pai e da minha mãe desde longos anos e passaste a ser o meu amigo José Régio que era Poeta.

Eu “cruzava-me” contigo não só nas aulas ou nas imediações do liceu, onde tantas vezes corria para te dar um beijo e tu ficavas aflito na tua timidez e também na tua ideia de que um "professor do liceu" devia ser uma pessoa "séria". Ficava-me o teu cheiro de lavanda fresco e eu pensava para mim que tu tinhas gostado. 

E encontrava-te também nos cafés, nas esplanadas de Verão, nos “saraus” musicais na nossa casa aos sábados para ouvir música clássica. Lembras-te, meu amigo de sempre? 

Disse-te adeus um dia na casa de Vila do Conde, sabia que nunca mais te ia ver. Chorei porque ia perder uma pessoa insubstituível. 

Paul Gauguin, Jacob e Anjo

Disse-te adeus e nunca mais te vi, mas quero que saibas que foi bom ter uma pessoa assim na minha vida. 

Leio os teus poemas, a tua "Velha Casa" e sinto-te próximo, meu amigo. 

Hoje estou triste. Aproxima-se o dia 22 de Dezembro, data da tua morte. 

Tanta coisa vivi nestes tempos, a vida cavalga-nos como cavalo louco  de Chagall - em que tudo se entrelaça, vida, morte, amor, susto- e  acompanhar a vida não é fácil.

Cavalo Vermelho, de Marc Chagall

Chegará um momento talvez longe ainda de pensar nas tuas palavras:

 

“A pouco e pouco, vou chegando.

Não sei a quê. Sei que na tarde ruiva,

Já mal respira, brando,

O Vento que só raro ainda uiva.”


Parece simples, não é? E no entanto é tão complicado. Um beijo meu amigo." 

 ***

JNota: José Régio nasceu em Vila do Conde em 17 de Setembro de 1901 e morreu em Vila do Conde em 22 de Dezembro de 1969


 (1) Hoje Avenida José Régio

 (2) Posfácio à 2ª edição de Poemas de Deus e do Diabo.

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