sexta-feira, 18 de outubro de 2024

A solidão do judeu é imensa



 "A solidão do judeu é imensa". Não é minha a frase, mas adapta-se à situação do judeu em todos os tempos. Dela fala Ari Shavit no livro "A minha terra prometida" (1)

Sim, tinha razão  Yitzhak Tabenkin (2) quando o afirmava em 1943 "a solidão do judeu é imensa" (...) mas esperança é enorme também", citado por Shavit. Assim pensavam os pioneiros nos Kibbutzim (e os israelitas nos dias de hoje) Israel, a amada "terra prometida" foi também um deserto, que ninguém queria, difícil de conquistar.

Essa "solidão", infelizmente, continua nos tempos de hoje - em especial. Há muito que ressurgiu uma extrema-direita pela Europa, com partidos neo-nazis descomplexados a ganhar eleições – ou muito perto de isso.

 
 
Depois da guerra de Gaza (que se seguiu  à matança pelo Hamas de 1500 judeus (só dia) no dia 7 de Outubro de 2023, maior é ainda a não-aceitação e a crítica
Não contra os judeus, claro, mas sim contra os israelitas e ‘sionistas’ - versão de self-desculpa ‘soft’ do problema, “explicando” que não se trata de anti-semitismo mas sim de anti-sionismo, mas com um sentimento cada vez maior e mais descomplexado – contra os judeus por todo o mundo. 
chegada dos judeus, os sionistas, depois da Guerra

Andando para trás, recordo o que, há poucos anos, aconteceu em França, aquando das manifestações dos “gilets-jaunes”. No Journal du Dimanche (3) aparece esta notícia:

 

"O filósofo de origem judaica, Alain Finkelkraut, da Académie de France, foi verbalmente agredido e insultado por alguns manifestantes”.

Ficou-me uma sensação amarga: a manifestação era sobre problemas que não tinham nada que ver com os judeus – por que razão agrediram Finkelkraut?Bastou ver um judeu perto, um "sionista - mesmo à mão", para surgir a vontade de exprimir o ódio? Chamaram-lhe “porco sionista”  e etc, que está na moda hoje.

Ele próprio contou ao “Journal du Dimanche”: “Senti na minha frente o ódio absoluto. E, infelizmente, já não é a primeira vez que o sinto. (...) Fui atacado de modo muito violento pelos manifestantes e se a polícia não interviesse creio que muitos deles queriam era partir-me a cara.”

 Como explicar este ódio milenário? Como renasce ele, de vez em quando, das cinzas - tal Fénix mitológica? Por que se esconde por detrás de desculpas como: "eu não odeio os judeus, mas sim os sionistas" - o que não é se não uma forma de anti-semitismo, camuflada.  

Nessa mesma altura, foi profanado o túmulo do jovem judeu, Ilan Halimi. Sujaram a pedra do túmulo e arrancaram a árvore sobre a campa.

 
Ilan Halimi

Ora Ilan Halimi fora raptado, torturado e assassinado, em Paris anos antes, por um 'gang' - anti-semita e fascista- que se intitulava 'le gang des barbares' - do que falarei ainda aqui.

A célebre palavra acusatória, JUDEN com as quais, na Noite dos Cristais, foram assinalados, na Alemanha, os armazéns e negócios das famílias judaicas e, depois, o massacre dos"assinalados - voltou a surgir nas lojas dos judeus, em Paris. 

Nesse mesmo ano de 2019, aparecem colados nas paredes cartazes com a fotografia da judia, Simone Veuil, sobrevivente de Bergen Belsen, antiga ministra da Justiça de França  e hoje no Panthéon, com a cruz gamada dos nazis, escrita a negro. 

A imagem de sempre, desde a "noite dos cristais", na Alemanha... O que prova que o anti-semitismo (hoje com palavras diferentes: a palavra "anti-sionistas", por exemplo- que o judeu está sempre sozinho, sempre.

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O primeiro a falar dessa “solidão” do judeu foi Yitzhak Tabenkin citado no livro “La mia terra promessa”, do jornalista Ari Shavit.

Bernard-Henry Lévy "recuperou", parafraseando o termo solidão, no livro que publicou este ano: "Solitude d'Israel" (4)) mas não é dele que vou falar.
 De facto, em 1943, quando os campos de concentração e extermínio já existiam e ninguém falava deles, escrevia Yitzhak Tabenkin: “Sentimos uma enorme solidão (…). Quantos judeus irão sobreviver? (...) Mas a consciência da nossa solidão é o conhecimento de que o mundo nos é adverso, inimigo sempre – e esta certeza é mais amarga ainda do que o resto.” 

Em 1942, um ano antes, são assassinados dois milhões e setecentos judeus. Em 1947 surge o estado de Israel, ainda hoje contestado!

***

 Desde a chegada, em 1936, no primeiro dia em Ein Harodcomo escreve Ari Shavit- (1) um dos primeiros kibbutzim, onde os pioneiros, os tais sionistas,  são realistas e sem piedade para si próprios. “O ambiente circundante é cruel. As condições e as circunstâncias históricas eram funestas. Mas a esperança é enorme”.

Os jovens pioneiros - rapazes e raparigas – chegam à noite exaustos depois de trabalharem incansavelmente um dia inteiro e adormecem sob as tendas brancas. Sabem que não há para eles outro refúgio, nenhuma sombra onde repousar, nenhuma árvore detrás da qual possam esconder-se do sol ardente ou do frio da noite.

Não há espaço para direitos, necessidades e desejos individuais. Todos são postos à prova”, continua Shavit. Mas não param. Era a sobrevivência deles, corrido do mundo procurando o tal lugar, Sião, onde um dia tinham sido felizes...(Aqui aconselho a "re-leitura" de Camões e das suas famosas Redondilhas).

E Shavit, implacável, continua:

Criam uma enfermaria para as primeiras vítimas da malária, onde tratam judeus e árabes; constroem uma cantina comum; um forno - e têm uma biblioteca. Tudo é precário. Cada dia é uma conquista sobre a morte.” E, depois do Verão escaldante, vem o Inverno e as enchentes que destroem as primeiras culturas, danificam as tendas e tudo o que tinham conseguido conquistar. E recomeçam do princípio.

"Vindos de um mundo que os rejeitara, deixando para trás um mar de mortos, chegam a este lugar alheio, agreste, desolado e seco - morto – que querem transformar no seu lugar”, tenta explicar Ari Shavit. 

A terra “rejeita-os” também. A pressão e o trabalho são tremendos. O esforço para trabalhar a terra é brutal. Desanimam, descrêem. Muitos não aguentam e suicidam-se. Sim, talvez nunca o soubéssemos, mas suicidam-se muitos, desesperados. Sentem que o mundo continua a rejeitá-los. 

 A solidão do judeu era imensa.

 Jaffa e os judeus, já, no século XIX

 Adaptar-se” ao ambiente, “abandonar-se” ou “desistir” significava morrer. Para viver, pelo contrário, teriam de preservar o seu próprio “ambiente interno”: a força interior, a vontade férrea, porque o único meio de sobreviver era resistir. Mulheres e homens lutam contra a natureza adversa, sem saber porém que, em breve, lutariam com as armas para se defenderem.


As contradições de um país em guerra para a sobrevivência  é o subtítulo do livro de Shavit que citei. 

Numa antiga revista dos tempos em que vivi em Telavive, Time Out in Tel Aviv, leio numa entrevista feita a Ron Huldai nessa altura Presidente da Câmara de Telavive. E, falando de Telavive, diz:

 Em Abril de 1909, 66 famílias chegaram juntas às dunas perto do mar. Usando conchinhas fizeram uma lotaria para dividir em porções aquele areal entre si. Esse areal é hoje a cidade de Tel Aviv, chamada assim “Colina da Primavera”.

E continuo a ler: "O que faz esta cidade tão especial é o facto de ser aberta, uma sociedade pluralista – caracterizada pela vitalidade, pela criatividade infinita e pela aceitação do outro.” 

Mais conta Ron HuldaiNasci no kibbutz Hulda, os meus pais estavam entre os primeiros fundadores do kibbutz. E, para mostrarem a importância desse lugar, deram-me o nome de Huldai.”

 Telavive é, de facto, uma cidade única por vários motivos. Um deles foi esse seu nascimento, cidade arrancada às dunas do deserto pedregoso junto à costa, e contado de modo maravilhoso, por S.Y.Agnon no livro "Only Yesterday" (5).

Depois de esforços infinitos, apareceram os primeiros laranjais floridos, os primeiros frutos, os pântanos secos e produtivos. Israel não era o país florido e avançado de hoje. Depois chegam as guerras com os árabes, a chamada Guerra Civil. Em Novembro de 1947, o reconhecimento do Estado hebraico - reconhecido a Oeste e a Leste da Europa - não vai evitar a Iª Guerra Árabe. Pelo contrário: anticipa-a.

Para aqueles a quem interessa este assunto, aconselho um livro sério, isento e lúcido, publicado na Seuil: “Israel: de Moisés aos acordos de Oslo” (2)

Leio, nesse livro, a entrevista com Élie Barnavi, ex-embaixador de Israel em França, intitulada “Entre o Ocidente e o Oriente”.

Antes deixo porém a Declaração da ONU: “Em 29 de Novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU adoptou o plano de partilha da Palestina (sic) em dois Estados, um judeu, outro árabe:

"As Nações Unidas aprovam pois por 33 vozes contra 13 e, apadrinhado dos dois lados da cortina de ferro fora a Grande Bretanha, nasce o Estado Judaico, numa unanimidade tão inesperada quanto explicável."

 

Por curioso que pareça é da Rússia onde tantos "pogroms" aconteceram, que Andreï Gromyko -  então embaixador na ONU -  vem o apoio, com entusiasmo: "as aspirações dos judeus a criarem o seu próprio estado hebraico", refere Élie Barnavi. (o.c., pg.363

Nessa entrevista, Élie Barnavi responde, imparcial e inteligentemente, a variadas perguntas:

1)“Israel pertence ao Ocidente ou ao Oriente?” Barnavi responde:

 A sua originalidade está na ambivalência. Foi concebido por espíritos formados à europeia, essencialmente judeus da Europa Central que acreditavam na utopia socialista. 

Tem, por isso, estruturas herdadas dessa cultura: Israel é e permanece uma democracia parlamentar de estilo clássico (…)"

2) “Uma testa de ponta do Ocidente no Médio Oriente?”

Talvez um enxerto ocidental, mas ainda bem. Porque é o único estado democrático da região (...) um ‘ilhéu democrático’ num lugar onde isso não existe.”

3) “Mas com o que se passa nos territórios ocupados?, - não será um Estado autoritário?”

A democracia funciona mais ou menos normalmente em Israel onde a liberdade de imprensa e de expressão se exerce sem entraves e onde os governantes são designados pelas urnas.

4) “O que pretendem os outros, afinal?”

“Uma terra sem Israel. Sem judeus. Como o exige hoje o Hamas, o Irão e muitos estados árabes do Médio Oriente.”

No dia seguinte, a 29 de Novembro de 1948, começa a guerra "civil" - com uma série de ataques árabes contra o bairros judeus nas principais cidades onde todos coabitavam antes.  

Aos judeus resta matar ou morrer. Agora já não se suicidam. Porque as condições que o judeu encontrou, ao chegar a Israel, são as que hoje recusam ter e das quais não querem nem podem desistir. E é o que fazem. Defendem-se. Resistem. Atacam. Constroem. Telavive, por exemplo, que foi arrancada das dunas e das rochas, junto ao mar. Porque a terra de Israel eram penhascos montanhosos onde não crescia nada. E desertos e dunas ao longo da costa.  

Há uns anos já, li um artigo de J. Manuel Fernandes  que se referia aos problemas existentes na fronteira de Gaza com Israel- artigo que me pareceu ver a realidade do Médio Oriente com alguma independência.

Lê-se: "É fácil e popular culpar Israel por todos os massacres. Mais difícil é perceber que nunca haverá paz enquanto os palestinianos forem reféns de uma cultura de vítimas." E perguntava o jornalista: “Quantos de nós fizemos esta pergunta simples: retorno aonde? Retorno de quem? Retorno quando?

E respondia: “O retorno de que falam os promotores destas manifestações ‘não violentas’ é o retorno não aos territórios ocupados por Israel há meio século, na Guerra dos Seis Dias, mas a todo o território de Israel.(5)

 Seria, sim, o regresso a uma terra de onde o país de Israel seria "cortado" do mapa e da terra. Se possível - um sítio sem Israel! Um sítio sem judeus! 

***

Neste conflito nada é simples, claro. Desde quando foi ocupada a Palestina pelo Império Otomano? Poucos se interrogam e ignoram tudo desse período.O Império  Otomano ocupou durante séculos toda essa região chamada realmente Palestina - onde viviam cristãos, árabes e judeus. Vai desaparecer no final da Iª Guerra, com outros impérios da Europa. No tempo do Império Otomano, a zona é habitada por cristãos, judeus, árabes. Não havia “palestinos”. 

Durante o Mandato Britânico foi dividida: uma parte, para Israel e a outra para os árabes – que não aceitam a divisão. Queriam o território todo. Não sei bem por quê.  E Gaza a quem pertencia se não ao Egipto?

Como o exigem o Hamas (que governa Gaza desde 2007 e que é considerado um grupo terrorista), o Hezzbolah no Líbano e o Irão ou a Síria, Israel não deve existir – “não consta” sequer dos mapas desses países.

Qual a posição geográfica de Israel? Basta olhar o mapa do Médio Oriente e a 'posição' de Israel. Vêmo-lo rodeado de estados inimigos: Líbano, Síria, Turquia, Irão. Países que afirmam claramente “quererem destruir Israel”.

Como disse atrás, Israel é um Estado que não existe no mapa desses países. Tal sonhador, desejando concretizar a sua utopia, Israel é o único país democrático no mundo que tem de defender a sua existência, atacando. Não é o país colonizador e fascista que hoje dizem ser.

Israel é um país onde os seus habitantes guardam a utopia de terem um dia uma terra sua onde um dia não seja preciso matar nem morrer. E o resto é silêncio.


(1)   La mia terra promessa”, Ari Shavit, edição italiana, Sperling & Kupfer, 2014.

(2)   Yitzhak Tabenkin (1888-1971) foi um activista israelita, sionista e político. Foi um dos fundadores do Movimento dos kibbutz.

(3) A revista citada é Time Out in Tel Aviv, em 2011.
(4) "Le temps des guerres", artigo de Élie Barnavi,     incluído no livro "Israel, de Moïse aux accords d'Oslo", Seuil, Histoire, col. Points, Paris, 1998 (pgs 356-370).

(5) recebeu o Prémio Nobel em 1966, divido com a poetiza judia-alemã Nelly Sachs??).

(5) J.Manuel Fernandes, in Observador, 18 de Maio de 2018

http://falcaodejade.blogspot.pt/2016/06/ari-shavit-e-minha-terra-prometida.html

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/09/100902_entenda_acordos_orientemedio_rc

 https://pt.wikipedia.org/wiki/Faixa_de_Gaza


 

 

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