Chove na Rua Morta, ao lado da minha casa. Vejo passar em frente da janela, indiferentes mas apressando o passo, cobertos com sombrinhas sem varetas, tapando-se com sacos de plástico ou com uma simples folha de bananeira, as pessoas da minha rua.
É a estação
das chuvas.
Com a chuva vem o fascínio das histórias lidas na adolescência, a sugestão de aventuras e de perigo num mundo para mim desconhecido.
Chove na Rua Morta.
A chuva fina cai, sem parar e a humidade entranha-se no corpo, nos cabelos, forma pequenas gotas que pingam devagar ou se prendem, como diamantes minúsculos, nas teias de aranha dos ramos das árvores.
Os frutos como amêndoas grandes que os miúdos cobiçam estão agora luzentes da água da chuva e parece-me ver pingar gotas de vidro que lentamente descem pelos troncos.
Se não chovesse, veria os rapazes a trepar pelas árvores até ao alto, equilibrando-se em malabarismos assustadores, ou fazem cair dos ramos lançando-lhes pedras.
A chuva cai forte e
bate com fragor nas caixas dos ares condicionados, com um ruído que me lembra
tambores de guerra.
Histórias que li de outros mundos, civilizações bárbaras de escudos e lanças e guerreiros defendendo um castelo no alto das muralhas - cercados.
É a estação das chuvas. E lembro “Os tambores da chuva”, de Kadaré. Ou “O deserto dos tártaros”, de Buzzatti.Torrentes de água
suja descem pela rua inclinada e inundam os passeios.
Longe, detrás de tudo e sempre presente, a floresta impenetrável, com a sua névoa eterna envolvendo a copa das árvores e, mais longe ainda, os picos das montanhas das quais nunca se vê o contorno bem definido.
A floresta parece então afastar-se de nós e, no limiar do horizonte, o ôbô brilha em todos os tons de verde.É a estação das chuvas.
Parece-me ouvir o mar, embravecido, perto do horizonte onde o céu escurece. Os barcos baloiçam doidos no branco intenso da espuma da baía.
É a estação das chuvas.
Continua a chover na Rua Morta.
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