terça-feira, 11 de agosto de 2009

Mais escritores portugueses: E por que não os contos de Eça de Queirós?





"A aia"





São lindos os contos de Eça...
"A Aia"
Um dos meus preferidos foi sempre “A Aia”. Falo-vos dele tal como o recordo, lido na minha juventude, com os sentimentos que então tive...
Nunca esqueci esta história terrível!
Num castelo, o Príncipe dorme no seu berço de oiro e marfim. Abandonado ao sono, dorme envolto em panos de linho e de brocado.
Na noite, os bárbaros, o tio usurpador vêm para matar o príncipe, indefeso.
Só a aia, a fiel escrava, vela. Ouve, sente o barulho dos homens armados. Estremece mas decide. Depois esconde-se detrás dum reposteiro. Espera.
O príncipe, quase um bébé, é levado pelo seu agressor, sem piedade.
Os homens partem deixando para trás o vazio e a dor.
A Rainha, jovem e viúva, chora desesperada, todos gritam, arrancam as vestes. Mas o usurpador é morto pelas tropas fiéis ao futuro Rei. Lamentam, porém, o corpozinho roxo que encontraram ao pé do seu algoz.
Do seu canto, a Aia move-se devagar e vai ao outro berço, um berço pobre, de verga, e pega ao colo num menino. Estende-o à Rainha.
Era o príncipe, embrulhado numa lã áspera mas quentinha. O principezinho estava salvo.
Tudo quer oferecer, à Aia, a Rainha que a abraça como irmã. Leva-a à arca do tesouro real, para escolher o que quiser.
Ela, silenciosa, tudo recusa. E diz:
- Salvei o meu príncipe, agora vou dar de mamar ao meu filho.
Tira da arca aberta um punhal cravejado de diamantes e espeta-o no coração.

Esta é a ideia que guardo, neste ponto já eu chorava sem consolo. Para mim isto era o máximo da tragédia, da dor, do sacrifício.
Suspirava enquanto enxugava as lágrimas...
~

"O Suave Milagre"(1898)
(e "Outro Amável Milagre", em forma contracta, em páginas puríssimas, escrito, com outro título, em 1885)

Sim, há dois milagres, os dois igualmente puros, um mais reduzido na forma, o outro, mais tardio, com a opulência do estilo de Eça.
Os dois falam daquele menino doente, deitado na sua enxerga -e esta palavra estava, para mim, carregada de sugestões e imagens de sofrimento: evocava a palha húmida, envolta num pano sempre de riscas, o cheiro a mofo, a bolor, ao suor da doença e da fome. Jazia, pois, o menino, na enxerga, no chão de pedra de um velho casebre.
Jesus andava pela Galileia. Todos falavam dos milagres, da sua bondade, da pureza do seu olhar.
E o menino dizia:
- Mãe, eu queria ver Jesus...
A mãe sabia que Jesus não viria a uma pobre choupana, ver um pobre menino sem nada, que o chamava. E como poderia ela tentar ir buscá-lo, se nem os ricos o tinham encontrado?
Tentava consolá-lo, como as mães costumam fazer, quando não podem fazer mais nada, e dizem:
- Dorme, meu filho...
Lembro um filme lindo de Pasolini, “Ucellacci, Ucellini”, e uma cena arrepiante em que uma pobre mãe a quem o filho pede pão e que o não tem, à espera que venham buscar o dinheiro da renda que ela não tem, torce as mãos em desespero, e diz:
- Dorme! É ainda noite. Dorme...
Na história de Eça, o menino continuava a pedir:
- Mãe, eu queria ver Jesus...
Neste momento da leitura, eu só “queria” que Jesus chegasse, “sabia” que ele tinha de vir.
Esperava, ansiosa, de lágrimas nos olhos, e perguntava sempre o mesmo, sabendo bem como a história acabava, mas com medo:
- Virá?
Sim, ainda hoje pergunto: Jesus virá?


São Cristóvão

E depois havia a história do bom gigante, Cristóvão.
Um dia, Cristóvão, já velho, repousa junto do rio e vê aproximar-se um menino que lhe pede:
- Cristóvão, levas-me a casa dos meus pais, do lado de lá do rio?
É Inverno, a corrente é forte, as águas revoltas, e Cristóvão receia, mas põe o menino às costas, pega no cajado e entra pelo rio dentro.
A casa é longe, parece-lhe não avançar com a turbulência das águas, perde as forças:
- É ainda longe a casa dos teus pais, meu menino?
- É já perto... Mais um pouco, Cristóvão, é ali...
O menino pesa no seu ombro, um menino tão pequeno, e ele fraqueja, sente que vai cair.
- É longe, meu menino?
- Chegámos Cristóvão, esta é a casa dos meus pais.
Cristóvão não percebe, mas sente uma paz enorme. Está-se bem na casa do menino.
E adormece para sempre.

Era um conto que me sossegava, foi o que me ficou desta história...
Ilustrações:
1. retrato de Eça de Queirós
2. Zinaida Serebriakova, " jovem mulher", que eu associo à imagem que guardei da aia.
3. Perugino, "a entrega das chaves".
4. Um São Cristóvão popular.

(*) Sabem que Cristóvão quer dizer: "carregador de Cristo" (cristos+phoros)?

Viveu no século III DC, a lenda conta levava pessoas a atravessar o rio aos ombros, e, segundo a lenda, teria transportado Jesus menino...
Mas lindo, lindo de verdade é o "S. Cristóvão", de Eça, publicado nas "Lendas de Santos". Comovente, cheio de movimento e de vida, com uma linguagem simples e ao mesmo tempo muito rica. Vão procurar e ler!

2 comentários:

  1. A aia!! O cúmulo da nobreza de alma sofrida. Vou confessar... eu ainda choro sempre com esse conto.

    beijinhos

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