sábado, 24 de outubro de 2015

Trieste e o barco dentro da cidade…

um barco no pôr-do-sol de Trieste (MJF)

De repente, em Trieste, um barco. 
Ao longe? No horizonte? Não. Mesmo detrás dos telhados vermelhos e das chaminés, em frente da minha janela. Podem vê-lo a espreitar por cima do telhado do lado esquerdo.
telhados de Trieste e o barco (MJF)
Como se estivesse encaixado no meio das casas, viam-se cores estranhas: as riscas brancas e negras da nave enorme, que  chegava à altura dos prédios.
Confesso que, primeiro, senti o choque de ver um barco dentro da cidade! Como era possível?
Trieste parecia-me livre destes paquetes de recreio que percorrem o Mediterrâneo para cima e para baixo, cheios de gente que não se vê.
Sobem até Veneza e “instalam-se” dois dias, ou apenas uma noite, subindo e descendo o canal da Giudecca, na cidade lagunar. Duas ou três vezes na semana. Os venezianos sentem-se invadidos pelos 'bárbaros', outra vez.
Piazza San Marco (MJF)
E a gente invisível “espreita”, lá de cima, a Piazza San Marco, a Salute, as ilhas ao longe. Alguns descem a terra, outros não. As cores do barco avistam-se da praça. As águas estremecem de certeza, numa ondulação forte, e vão bater nos suportes de madeira onde Veneza está implantada sobre palafitas.
Piazza San Marco (MJF)
Os venezianos escondem-se no Castello, no Cannaregio, nas Zattere ou Dorsoduro. Os venezianos que ainda vivem em Veneza e que são cada vez menos. 
Cannaregio (foto da net)
Zattere (foto da net)



Cannaregio, à noite (MJF)
E saem à noite quando a cidade se esvazia dos turistas e volta a ser bela. E volta a ser deles um pouco mais, até à manhã seguinte. Os primeiros vaporetti chegam carregados de turistas, da Ferrovia ou da Piazzale Roma bastante cedo.
Laguna e Canal Grande (MJF)
Cannaregio à noite (MJF)

telhados de Trieste (MJF)
Agora, em Trieste, de repente, um barco!

Desço a rua Diaz e dirijo-me para a Piazza dell’ Unità como todas as manhãs. Vejo-o atravessado numa das ruas que cruzam a via Armando Diaz e a riva del Mandracchio. Imóvel. Silencioso. Imponente.

Piazza dell'Unità com barco (MJF)
Num dos ângulos da Piazza, a nave dá a ideia de querer entrar por ali. Sei lá como, um par de noivos aparece a dançar...
Piazza dell'Unità d'Italia e noivos (MJF)
Mais tarde, ao cair da noite, encostado, de proa virada para o cais, a nave vai-se iluminando com a luz rosada do pôr-do-sol no golfo de Trieste.
A noite desce, devagar, e a nave, no céu cor de rosa, enche-se de luzinhas douradas que desenham as amarras, os cabos e as janelas. 
a nave e os pescadores (MJF) 
Um pescador olha distraidamente o barco, com a linha de pesca na mão e fala com um amigo. De que falarão? Muito provavelmente falam do barco que entrou quase pela cidade adentro.
riva del Mandracchio e barco (MJF)
É noite na Piazza dell’ Unità. O céu muito azul ainda, e as nuvens brancas e redondas fazem ressaltar o desenho do navio. As pessoas passeiam no pontão àquela hora de temperatura suave.
pontão da Riva dei Caduti (MJF)

A escultura de Fiorenzo Bacci "As meninas de Trieste" (ou "as costureirinhas" como lhes chamam os triestinos), sentadas na pedra do cais à beira-mar, e que passam o dia a coser sabe-se lá que coisas (*), olham-no, distraídas. 
 "Le sartine de Trieste"
Lentamente, o barco afasta-se do cais e desaparece detrás da praça -talvez a caminho da Ístria, continuando pela curva do golfo e virando para trás, no Mar Adriático. Talvez viessem de Veneza e seguissem a depois a caminho da Croácia. Spalato, Dubrovnik. Talvez depois Corfù. Não me interessava.
Por momentos, veio-me à lembrança a imagem do filme Amarcord, de Fellini, quando o paquete passa cheio de luzes frente aos que tinham vindo vê-lo, nos seus barquinhos a remos, e que, na espera de horas, tinham adormecido. 
Vêem-no, na escuridão da noite, deslumbrados. É uma imagem belíssima!
- Che bello!, murmuram, estremunhados. E agitam as mãos, os chapéus.
E quase nem têm tempo de olhar: o barco já desaparecera na noite. 
Como aqui em Trieste. As meninas continuam, distraídas de tudo, a coser. Contaram-me que estão a coser a bandeira tricolor, a bandeira italiana. A história de Trieste foi acidentada. Um dia conto mais coisas.
A verdade é que fiquei com saudades do barco dentro da cidade! Seria influência de Fellini?
'As meninas de Trieste' à noite (MJF)

(*) Na Riva dei Caduti, na Piazza dell’Unità, estão duas estátuas de Fiorenzo Bacci. Numa representou um “bersagliere” a subir as escadas que vão do mar ao molhe. Simboliza a entrada  deste corpo militar na cidade, em 3 de Novembro de 1918, no caça-torpedeiro italiano Audace.
A outra intitula-se “As meninas de Trieste” e mostra duas jovens sorridentes, sentadas na parede junto ao mar, a coserem a bandeira tricolor: a italiana.
estátuas de Fiorenzo Bacci (MJF)

As estátuas foram ali postas em 2004 para festejar os 50 anos do regresso de Trieste à Itália - depois de ser território inter-aliado Território Livre de Trieste, de 1945 a 1954.


 

4 comentários:

  1. Gostei imenso de a "ouvir" falar de Trieste. As fotografias documentam uma cidade que deve ser uma maravilha!

    É o progresso em forma de paquete, que é que se há-de fazer? Mas para dizer a verdade, gostei de ver o barco, nas fotografias.
    A praça é linda!

    Cá fico à espera de um pouco da história dessa bela cidade:)

    Um beijinho grande:)

    ResponderEliminar
  2. Eses barcos são realmente uns monstros, no cais ou no meio do mar, a imagem é sempre de desproporção total. No porto de Cádiz chega a haver dois ao mesmo tempo, os passageiros saem, comem e fazem compras, e isso está a salvar a economia de muitos comércios, dizem...

    ResponderEliminar
  3. Faz impressão um navio desse tamanho num porto onde se espera ver só vaporetos e gondolas.
    Trieste deve ser muito bonita. As fotos estão óptimas.
    Beijinho. :))

    ResponderEliminar
  4. Mais uma excelente viagem

    com tantos apeadeiros

    Bj

    ResponderEliminar