domingo, 12 de junho de 2022

Frans Eemil Sillanpää e o livro “Santa Miséria”


O escritor finlandês Frans Eemil Sillanpää (1), que suponho pouca gente hoje saiba quem foi, nasceu na Finlândia, em Hämeenkyrö. A Finlândia pertencia ainda nessa altura ao Império Russo. 

Este escritor ganhou o Prémio Nobel de Literatura em 1939. Os pais eram agricultores camponeses na aldeia de Hämeenkyrö. Embora a grande pobreza em que viviam, conseguiram que o filho fosse estudar na escola de Tampere. Quando, terminados os estudos, volta à terra  vai encontrar os pais na mesma miséria esquálida e sente um grande choque.

 
Tampere
 
Sillanpää foi um bom aluno e era estimado pela sua vontade de aprender e houve pessoas que o ajudaram (como por exemplo Henrik Liljeroos o seu “benfeitor” como lhe chamava) a entrar na Universidade de Helsínquia no ano de 1908 para estudar Medicina. 

 Helsínquia, Universidade

Na capital conhece pintores como Eero Jämefelt e Pekka Halonen, os compositores Jean Sibelius e o jornalista e escritor Juhani Aho e os seus gostos afirmaram-se pelo conhecimento e cultura na grande cidade e contacto com esses intelectuais.

 

Cinco anos mais tarde (1913) deixa Helsínquia e volta para a terra natal. Em 1914, conhece a futura mulher, Sigrid Maria Salomäki, com quem casará em 1916. Adapta-se bem e sente-se feliz por estar na sua terra. De volta à aldeia, começa logo a escrever. Primeiro escreve artigos para o jornal diário, Uusi Suometar, um jornal importante que se publicava em Helsínquia e que mais tarde se vai chamar Uusi Suomi (A Nova Finlândia)e se publicará de 1919 a 1991 (2).

Sillanpää era uma pessoa tranquila que criticava todas as formas de violência e acreditava na evolução optimista da Ciência. O seu livro mais famoso foi o romance “Silja”, traduzido em inglês com o título de “The Maid Silja”, em 1931. 


É traduzido em português com o título "Silja" (3). Através desse livro vai ser mundialmente conhecido e, em 1939, é-lhe atribuído o Prémio Nobel de Literatura.

 
Explicava o Comité do Prémio que “pela sua compreensão dos camponeses do seu país e pela arte requintada com que retratou o seu modo de vida simples em relação com a natureza”.

 

O romance de que falo hoje, “Santa Miséria” (Hurskas Kurjuus), inscreve-se no tema da ligação à terra, da relação profunda quase animal entre homem e terra (4).  
A história passa-se nas vastas terras e florestas, de bétulas e de faias, que se encontram na Finlândia - nesses tempos um país muito pobre. As longas extensões brancas de neve, geladas  ou as chuvadas intermináveis de chuva pesada onde o labor dos homens não os consegue arrancar a uma vida de miséria, nem às crises de fome implacável. 
 O autor vivera numa família muito humilde mas conseguira estudar e assim libertara-se das suas origens de miséria - mas não esquece as gentes e as vidas amargas e dolorosas, sem esperança nem horizontes.  Sillanpää fala do povo rural que ele dizia viver em união com a natureza circundante e a terra. E ele amava a sua terra, uma terra pobre de “miséria” - totalmente dependente das estações -e das guerras também.
 Em “Santa Miséria”, é patente a miséria e e dificuldade da vida dos camponeses naquele extremo norte da Europa entre chuvas pesadas e infindáveis, nevões e geadas de modo que muitos anos os campos não produziam nada. E a fome chegava.
E durava muito. Só na Primavera os campos ficavam verdes.

O livro começa assim: "Jussi ou Juhá “era um pobre diabo de aspecto repugnante”. E mais adiante dirá o autor: “Jussi Toivolá não era, entretanto, nenhum louco – apesar do aspecto; no seu cérebro, posto que bastante anémico, reinava perfeito equilíbrio.” (o.cit. Pg.14)

O pai do herói,  Penjami Nikkila, pertencia à classe dos camponeses. Tinha umas terras alugadas, tinha uns empregados. A mãe de Jussi, Maija, a terceira mulher de Penjami, era de uma classe mais inferior e sofria por isso. Ter um filho varão foi para ela um triunfo, uma vez que as mulheres eram pouco consideradas - apesar de fazerem a maior parte do trabalho na casa, nos campos, nas colheitas, nos trabalhos pesados, a empurrar os trenós carregados. 

Quando  Sillänpä, no Capítulo 1, começa a falar da “biografia e infância” de Jussi, Majia está a dar à luz o seu menino. Sobre esta vinda ao mundo diz o autor: “Nasceu na aldeia de Harjakangas, herdade de Nikkila, em 1887, numa  sexta-feira à noite, véspera do dia de São Miguel." (pg.18)

Penjami Nikkila, o pai, era o senhor - e mandava. Estava sempre fora de casa, na quinta dos amigos, a beber e sempre à volta de outras mulheres. Quando voltava vinha carregado de bebida - o que acontecerá igualmente no dia do nascimento de Jussi, vai voltar de madrugada, embriagado.

Jussa nasce, criança pouco saudável, desenvolvendo-se devagar, pobre ser frágil e desprotegido que luta pela vida sem perceber o que é - um ser por quem os pais não mostram qualquer afecto. O seu lugar é na cozinha com as filhas que o pai tivera das outras mulheres. 

A vida sucede-se num círculo inquebrável e as estações são marcadas pelo imprevisível. O seu destino será funesto e a vida sempre madrasta. Não vou adiantar a história da sua vida – mas o leitor acompanhará essa história com sentimentos de compaixão e de pena e por vezes acabrunhado com as desgraças deste pobre diabo. Arranja amigos, mas nunca faz parte de nenhum grupo, sobe às árvores, olha em redor as florestas luminosas.

“Vidas são vidas” é o título de um dos volumes extraordinários do romance "A Velha Casa" de José Régio. E a Jussi foi-lhe imposta uma vida que não podia ter outro desfecho.

O pai, alcoolizado, deixa de se preocupar com a quinta e vai por ali abaixo, cheio de dívidas, sem produzir nada. Quando morre, a família já não tinha  quinta para vender nem dinheiro para comida. 

trenó que Majia empurrava hoje é puxado por 4 cães

É quando Majia decide  fugir com o filho num trenó carregado com o que resta em direcção à cidade. E a luta pela vida começa. O seu destino será funesto e a vida sempre madrasta. Não vou adiantar a história da vida – mas o leitor acompanhará essa história com sentimentos de compaixão e de pena e por vezes acabrunhado com as desgraças deste pobre homem.

Os 60 anos de Sillanpää

No ano em que ganhou o Prémio Nobel, Sillanpää tem, porém, um grande desgosto: a mulher que ama morre deixando-o com oito filhos. Casa, por necessidade, com a secretária, Anna Von Hertzen, mas pouco dura.  

Começara a beber e tem de ser internado num hospital por alcoolismo e outras doenças que exigiam cuidados hospitalares. Sai do hospital em 1943 e volta à vida pública, participando de vários Projectos para as crianças.

 
Colónia finlandesa de crianças

Vai aparecer muitas vezes nos lugares onde estão crianças que adoram ver aquelas barbas brancas de um senhor que lembra o Pai Natal. Participa em emissões da rádio sobretudo na altura do Natal.


Na Finlândia o escritor é e foi tão amado, ao ponto de ter saído um selo dos correios com a sua cara e também serem feitas em 2013 duas moedas: de 1 euro e 2 euros. Já agora, por curiosidade, existe um asteróide descoberto em 26 de Janeiro de 1938 que tem o seu nome: é o asteróide 1446 Sillanpää (5).

 

(1) Nasce na Finlândia, em Hämeenkyrö, no dia 16 de Setembro de 1888 e morre em Helsínquia em 3 de Junho de 1964.

(2) O  jornal  fora fundado em 1847 com o nome de  Suometar e publicava-se na capital. Mais tarde, a partir de 1919, vai chamar-se Uusi Suomi (A Nova Finlândia) e continuará a publicação até 1991

 (3) Em Portugal foi publicado pela Editorial Inquérito com o título de “Silja”.

(4) “Santa Miséria” foi publicado também pela Editorial Inquérito, na colecção “Os Melhores Romances dos Melhores Romancistas”, traduzido por José Marinho (1904-1975), com uma com um “Prefácio” dos Editores.

 José Marinho

(5) Este asteróide que faz parte da “cintura de asteróides” foi descoberto por Yrjö Väisälä, em 26 de Janeiro de 1938, no Observatório de Isso-Heikkilä, na Finlândia.

https://en.wikipedia.org/wiki/Frans_Eemil_Sillanp%C3%A4%C3%A4

https://tvpenedo.com.br/noticia/1056213/colonia-finlandesa-rj-frans-eemil-sillanp

 

3 comentários:

  1. Que interessante! Gosto sempre de ler o que nos traz.
    E o Ratinho e o Ouricinho e amigos, por onde andam?...Tenho saudades deles e das suas histórias😊

    Beijinhos e uma boa semana:))

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  2. Não o li ainda, mas reconheci o livro Santa Miséria, está numa estante na casa dos meus pais, não sei se foi comprado e lido pelo meu pai ou pelo meu avô. Vou colocá-lo na lista de próximas leituras
    um beijinho e uma boa noite

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  3. Uma vida dura, como tantíssimas. Ter sido Prémio Nobel de Literatura e um personagem glorioso para sempre no seu país, é um bálsamo para qualquer miséria. Custa a compreender que tenha caído na alcoolismo, talvez por genética ou problemas psicológicos por resolver, cada pessoa é um mundo.Beijos

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