Baudelaire, por Gustave Courbet
Comecei há dias a ler o livro de Bernard-Henri Levy “Os
últimos dias de Charles Baudelaire” (Quetzal, 1989). Acabei-o ontem.
Li dos dias “imaginados”, a
partir de dados das páginas íntimas e de outros documentos, mas romanceados
pelo filósofo-escritor francês, um homem inteligente e culto.
Bernard-Henri Levy
O livro ofereceu-mo, no dia dos meus anos, em
1989, a minha grande amiga Lívia – minha amiga desde os 14 anos. Nesse ano tínhamos
voltado de Itália, depois de 15 anos por lá, e o moral não estava famoso. Tempos
difíceis para nós.
E a Lívia aparecia sempre para a conversa, aos domingos, com o seu entusiasmo e as suas gargalhadas que
nos ajudavam a re-aclimatar…
Eu tive o melhor remédio do mundo, nesse regresso:
retomar o meu lugar de professora de Francês e Português no Liceu de São João. Num
tempo em que ser professor era uma bela profissão motivante!
A verdade, porém, é que só o li agora, passados estes
anos todos. Reencontrei-o, por acaso, como sempre me acontece, é claro. Lá
estava a letra da minha amiga e a dedicatória afectiva:
“De Baudelaire fiquei sempre com uma visão sobre a imutável perversidade dos ‘Paraísos’! Espero que gostes!”
“De Baudelaire fiquei sempre com uma visão sobre a imutável perversidade dos ‘Paraísos’! Espero que gostes!”
Baudelaire – que triste destino! Que tristes os
seus últimos dias. Que triste fim.
O livro de B-H. Levy trouxe-me de volta um
escritor que amava e do qual recordava tão pouco. Reli vários livros, entre eles L’Art Romantique (Juillard - Littérature, 1964) e "Baudelaire par-lui-même" (Editions du Seuil, collection Ecrivains de Toujours) que ainda tínhamos comprado
nos tempos da Universidade.
Nestes ‘ensaios’, inteligentes e sensíveis, Baudelaire
debruça-se sobre assuntos e escritores dos mais diversos. Os escritores como
Théophile Gautier, Victor Hugo, Balzac. Ou Delacroix o pintor que admirou.
Lendo
o livro de Lévy, vejo que nem sempre estes se portaram bem com ele. Nem lhe pagaram os favores que lhes fez, ao escrever tanto sobre eles!
Homenagem a Delacroix, de Fantin-Latour (Baudelaire à direita)
Charles Baudelaire era uma companhia perigosa?
Talvez eles achassem que sim, que os comprometeria na sua preocupação de ‘gens biens pensantes’. Flaubert falaria
dos bourgeois que desprezava e a quem
chamava “pignoufs”.
É Baudelaire quem escreve esta frase, em Fusées:
“Faz em
cada dia o que te ordena o dever e a prudência”. Sorrio: poucos foram, como
ele, tão imprudentes! E tão contrários ao que comummente se chama o “dever”.
Baudelaire era um dandy. O Dandismo era uma coisa séria para ele. Uma regra de vida, uma atitude que era um símbolo da riqueza espiritual.
Sim um provocador, um crítico dos bons costumes burgueses. Figura atraente e quase repulsiva, complexa,paradoxal, contraditória.
Sim um provocador, um crítico dos bons costumes burgueses. Figura atraente e quase repulsiva, complexa,paradoxal, contraditória.
Baudelaire, jovem dandy, 1844, por Emile Leroy
Cultíssimo, as suas críticas de pintura, das idas
aos Salões das Exposições – de Eugéne Delacroix cuja pintura soube entender e
explicar melhor do que ninguém.
Sentimos um incompreendido que é, por vezes,
incompreensível para os que frequenta. Personalidade riquíssima de cultura
aberta e de grande sensibilidade.
Frágil e susceptível, nos ódios como nos
amores. E cujo (único) amor na vida foi uma prostituta, Jeanne Duval, mestiça da Ilha Mascarenhas (ou da Ilha Maurícia? Ou da Reunião? Ninguém sabia ao certo).
Bernard Henri-Levy escreveu um livro elucidativo
sobre o poeta. Bem escrito, bem organizado e que, por vezes, nos dá a ilusão de
que está tudo a acontecer ali, aos
nossos olhos espantados.
Relato terrível, com acento de verdade, dos horrores
passados, dum homem cuja vida acaba com a decadência física mais completa. O escritor, o poeta luminoso e trágico, o
homem da palavra que vai acabar afásico. Sem poder falar, exprimir-se,
comunicar. Sem poder escrever, desde o ataque que tivera tempos antes.
Resta-lhe pensar, pensar, pensar.
Este livro permite-nos imaginar o que foram esses
pensamentos, essa ansiedade, essa angústia.
As personagens deste romance são verdadeiras,
existiram todas, de Jeanne Duval (e um pseudo-diário que ela teria escrito) ao
crítico Sainte-Beuve, desde a mãe do poeta, Madame Aupick ou ao editor e amigo
Poulet-Malassis.
A escrita do livro é atribuída a um imaginário
dicípulo que recolhe tudo o que Baudelaire disse ou quis dizer, ou pensar,
durante seis dias em Bruxelas.
E está lá tudo. A sensação de ter falhado o
destino. O desânimo e o desespero dos últimos dias por não poder voltar atrás a recriar a vida.
Acreditamos que foi assim mesmo como Baudelaire
“recorda” -e Levy conta- aquela vida
de infelicidade, incompreensão pelo seu génio e pelo seu talento enormes.
***
Charles Baudelaire nasceu no dia 9 de Abril de
1821, em Paris, na rue Hautefeuille,
e morreu em 1867, no dia 31 de Agosto, em Paris, às 11 horas da manhã. Tinha 46
anos e parecia um velho: estava gasto. Destruído pela sífilis, pelas drogas e pelo álcool.
Escreveu nos seus apontamentos, "Fusées":
"Dizem que tenho 30 anos, mas se vivi em cada minuto três..., então não terei 90 anos?"
"Dizem que tenho 30 anos, mas se vivi em cada minuto três..., então não terei 90 anos?"
ilustração de Rops, Les Fleurs du Mal, "Satã semeando"
Bernard-Henri Levy nasceu na Argélia, em Béni Saf, de uma família de judeus argelinos, no dia 5 de Novembro de 1948. A sua família vive em França desde 1954.
Charles Baudelaire
é “o herói bem real dum romance tão fiel
às exigência de verdade como às da
imaginação. Será, acima de tudo, o homem miserável que é surpreendido no fim da
sua vida, num quarto do Hotel Grand-Miroir, em Bruxelas. Durante os poucos dias
em que, doente de sífilis, vai perder parte da razão e o uso da palavra. (…) É
à volta desse B. exilado, convencido do falhanço, afásico pouco tempo depois,
que Levy vai construir o seu romance.”
Espero que tenham paciência para lerem até ao fim. Vício de antiga professora...quero explicar tudo! Mesmo quando não é preciso.
ResponderEliminarEu li tudo do princípio ao fim, com muito interesse, porque estes post de "professora" são sempre interessantíssimos e as imagens sempre muito bem escolhidas!
ResponderEliminarUm beijinho grande, já com saudades :)
Parab]ens!
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