sábado, 1 de agosto de 2015

Claude Roy, o gato e alguns pensamentos “mínimos”…



Por que escreve um escritor? Para anotar o que observa e se poderia perder se o não fizesse. Pode ser igualmente para guardar os pensamentos simples, sem pretender que sejam 'profundos' mas quase poéticos e bem humorados. Não são "máximas", são "mínimas", segundo Claude Roy (*). 

"Por que escreves? Para anotar, graças a palavras vivas o que os meus olhos afloraram e o meu espírito entreviu, tudo o que se ia perder e se dissipar."
Chemins Croisés, é o sexto volume das suas memórias - a que chama "diário de bordo"- "são os caminhos cruzados da curiosidade, dos encontros e do acaso."

E ainda bem que o escreveu: encanta-me ler o que diz. Desta vez, fico-me por algumas "mínimas"...

"Si mince était le chat noir, qu’il ne savait plus  s’il était le chat ou son ombre”. (Era tão magro o gato preto, que já não sabia se era o gato ou a sua sombra.)


estudo para um gato, de Delacroix

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"Une pensée pieds nus descend l’escalier du grenier, le bois vit, vif et craque." (Um pensamento desce as escadas do celeiro, de pés descalços e a madeira vive, viva e estala.)
casa onde viveu o Manuel, abandonada hoje

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"Un ange au téléphone, on l’entend respirer." (Um anjo ao telefone, ouve-se respirar)
Anjo, de Rosso Fiorentino

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"Il aurait voulu être là au moment de mourir. Mais comment en être sûr?" (Gostaria de estar presente no momento de morrer. Mas como ter a certeza?)

morrer... e estar presente! "Enterro do Conde de Orgaz", El Greco

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"Il avait fait si beau ce matin-là, que déjà la journée avait les larmes aux yeux." (Tinha estado tão bonita aquela manhã que até o dia tinha já lágrimas nos olhos.)
a luz da manhã em São Tomé, e o meu cão

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Claude Monet 
"Venu le jour, l'aube nous prit dans ses bras." (Chegado o dia, a alba apertou-nos nos braços)
A alba de Claude Monet (Impression soleil levant)
Claude Monet, Crepúsculo
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Mas nem tudo é poesia nas suas "mínimas"... é  ironia também!
"Il est si plein de lui-même qu'il n'y a en lui de place pour rien d'autre." (Está tão cheio de si próprio que não lugar para mais nada.) 
Logo, nem se via de tão cheio que estava de si...
René Magritte, o Invisível

 (*) Claude Roy, Chemins Croisés (1994-95), Gallimard

4 comentários:

  1. Grande personagem, gosto muito da sua poesia.
    "Combien de temps nous faudra-t-il pour retrouver nos jours perdus comme un parfum qui se faufile si j´ouvre un livre déjà lu...." etc.......
    Gosto muito! Bjs

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  2. É uma pena, mas os diários não estão traduzidos em português. Gosto muito de ler diários e biografias.
    Gostei muito de algumas destas "Minímas", complementadas com belas escolhas de pintura.
    A casa abandonada, da Guarda, é linda linda! Uma casa para se ser feliz! É uma pena que deixem estragar casas tão lindas!

    Um beijinho grande e um bom domingo:)

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  3. Maria João,
    Gostei muito.
    Ando um pouco cansada com tarefas muito prosaicas.
    Beijinhos.:))

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  4. Nunca li nada de Claude Roy, apesar de me passarem alguns livros dele pelas mãos...
    Gostei das "mínimas" que aqui nos trouxe".

    Realmente é uma pena a casa onde viveu o Manuel, estar ao abandono! Diria mesmo que é um crime!! Infelizmente, crimes destes existem muitos...

    Um beijinho grande.:))

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