terça-feira, 10 de maio de 2016

Recordar o poeta Paul Verlaine

Paul Verlaine, por Frédéric Bazille, 1868

Tendo lembrado Baudelaire e Rimbaud, não podia deixar de recordar Verlaine, era demasiado injusto sendo ele o grande poeta que foi.
Paul Verlaine nasceu em 30 de Março de 1844, em Metz, e morreu em 8 de Janeiro de 1896, com uma pneumonia, em Paris. 
Paul Verlaine, por Cazals

Nasce em Metz mas, em 1851, a família vai para Paris. Mau aluno, é no entanto um apaixonado pelo desenho e pela literatura. Começa a escrever versos inspirado em Edgar Poe.
Aos 14 anos, manda a Victor Hugo um poema intitulado A Morte. Com 21 anos, faz crítica literária na revista L’Art. Encontra os parnasianos Théodore Banville e Coppé. Frequenta os cafés e salões literários de Paris. 
 Banville (1820-1910)
Em 1866, colabora no Parnasse Contemporain e publica Poèmes Saturniens. Influência de Baudelaire mas já a inclinação para a Expressão para a Sensação.
Em 1863, saem os Poemas Saturnianos - poemas de amor e melancolia dedicados a uma prima, Elise, que escolhe outro e que morre jovem. 

'Melancholia', de Dürer
Em 1869, apaixona-se por Matilde Mauté que tem 16 anos e casam. Têm um filho, George. Mas dura pouco o entendimento do casal.
Falando há pouco, aqui, de Rimbaud, recordei o encontro dos dois poetas em Setembro de 1871. 
o jovem Verlaine, por Courbet
Verlaine é já um poeta conhecido e apreciado. Próximo dos Parnasianos, acaba por ser o chefe de fila dos Simbolistas, como Mallarmé, ou Baudelaire. Mais tarde, segundo uma ideia de Verlaine, vão chamar-se Decadentes. Os seus 'poemas saturnianos' são conhecidos. Quem não leu ou ouviu falar da  "Chanson d’automne"? E dos 'longos soluços/ dos violinos/ do Outono'? Por curiosidade, conto-vos que a primeira estrofe do poema foi a 'palavra de código' (como chamar-lhe?) da Rádio Londres durante a Guerra!
                                 
"Les sanglots longs
Des violons
De l’automne
Blessent mon coeur
d’une langueur 
monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l’heure,
Je me souviens
des jours anciens
et je pleure.

Et je m’en vais
Au vent mauvais
Qui m’emporte,
De-çà, de-là,
Pareil à la
Feuille morte."
(Poèmes Saturniens, 1866)

Rimbaud admirava-o. Um dia mandou-lhe alguns versos seus. Impressionado pela originalidade e força da poesia de Rimbaud, Paul Verlaine convida-o a ir a Paris.  E espera-o, na Gare de l’Est. 
Iniciam uma relação bastante acidentada: Rimbaud tem 17 anos e Verlaine mais dez do que ele. Frequentam juntos os cafés literários e os artistas. Tornam-se inseparáveis.
Paris do século XIX
Henri Fantin-Latour imortaliza-os, com outros artistas, em 1872, no Coin de table. De que mostro o pormenor das duas cabeças.

Paul Verlaine e a mulher Mathilde Mauté incompatibilizam-se. Tudo se transforma numa situação dramática. Verlaine abandona o conforto burguês e viajam os dois sem destino, deambulando juntos por várias capitais europeias. 
Verlaine e Rimbaud passeando em Londres, Cazals

Em Maio de 1872, estão em Bruxelas e, em Setembro, em Londres. Separam-se. Voltam a encontrar-se, em 1873, em Bruxelas. Durante esse tempo, Verlaine escreverá Les Romances sans paroles.
Arthur Rimbaud ferido, pintura de Rosnan (1873) 
Um dia, sem razão aparente -a não ser a paixão ou certa forma de loucura a ela ligada- Verlaine atinge Rimbaud com dois tiros de revólver. Rimbaud denuncia-o, mas logo a seguir retira a queixa. Entretanto, Verlaine fora preso. Julgado, é condenado a 2 anos de prisão. Que vai passar em Bruxelas e na cadeia de Mons. 
Separam-se em 1873,  Rimbaud parte para o Oriente, e nunca mais se vêm. 
a cidade de Mons, na Bélgica
É aqui que escreve poemas de remorso. Aqui vive uma crise existencial, que o leva de volta ao cristianismo que abandonara. Arrepende-se das loucuras da juventude e na sua poesia lamenta-se. 
                               "Mon Dieu, mon Dieu, la vie est là,
Simple et tranquille."
....
"Qu’as-tu fait, ô toi que voilà,
De ta jeunesse?"
com Rimbaud 1872
Este poema lindíssimo foi escrito na prisão de Mons. Pela janela, contempla o céu azul límpido, vê a árvore que se agita ao sabor do leve vento. Os ramos a balançar e um pássaro que canta as suas penas.  

E ele, poeta? A vida está lá fora! Lá, onde, em tempos, foi feliz. O poeta lamenta-se dos erros da juventude. Perdeu a liberdade,  afastou-se da religião, tem remorsos de tudo, sente que foi inconsciente. 
E interroga-se: "o que fizeste da tua juventude?"

Quando sai, Verlaine vai ser professor. A partir de 1874 (publicado em 1882) Verlaine compõe a sua “Arte Poética”. 
Em 1884, escreve um ensaio sobre três “Poetas malditos” (Mallarmé, Tristan Corbière e Rimbaud) que ajuda a conhecer.

Les Poètes Maudits, 1ª edição
É considerado, com Mallarmé, o mestre e o precursor do Simbolismo e do Decadentismo.
Mallarmé, pintado por Renoir
Apesar da celebridade sempre maior, em 1887, Verlaine cai numa situação de miséria aflitiva. O que escreve nesses anos serve-lhe apenas para comer. Tantos versos maravilhosos!

                      "Música antes de todas as coisas

E para isso prefiro o (verso) Ímpar

Mais vago e mais solúvel no ar,
Sem nada em si que pese ou que se pouse."
(Jadis et Naguère, 1884)

Partilha o tempo entre os cafés, onde bebe continuamente, e as estadias no hospital. Morre em 1896, e os últimos anos da sua vida são um fracasso, entre miséria, vinho e absinto. As crianças riem dele, perseguem-no na rua, quando cai no chão. Por isso se refugia-se nos cafés onde, além de lhe fazerem crédito, se sente protegido.
Em 1894, é chamado “Príncipe dos Poetas” e é-lhe concedida uma pensão. Morre dois anos depois, pobre e prematuramente gasto. 
Como são verdadeiros os versos da sua Canção de Outono, escrita tantos anos antes, a adivinhar o seu fim abandonado "ao vento mau, /por aqui, por ali"!
"Et je m’en vais
Au vent mauvais
Qui m’emporte,
De-çà, de-là..."
                 
Verlaine, pintado por Eugène Carrière 

André Gide (1859-1961), por Van Rysselberg
André Gide (1) fala dele, em "Trois rencontres avec Verlaine". ("Souvenirs et voyages" Pléiade, pg 899-901):
"J'ai rencontré Verlaine trois fois. La première ce fût en janvier 1890. Je n'ai guère de mémoire chronologique et si je peux préciser la date, c'est que j'ai noté dans mon journal cette visite" (*).

Pierre Louÿs (1870-1925)

Um amigo de Gide, Pierre Louÿs (ou Pierre Louis), quis levá-lo à casa de Banville que morrera, para o verem no seu leito de morte. "Nunca o vi e tive pena, disse Louÿs, podemos vê-lo agora". Mas Gide acha essa visita macabra bastante inconveniente. 
Toulouse Lautrec, o absinto
"Mas", escreve ele, "aceitei de boa vontade quando me propôs irmos visitar Verlaine ao Hospital". Não diz mais nada. É a primeira vez que se encontram. Por essa altura, Verlaine vivia entre os cafés, o absinto e o Hospital. 
Verlaine escreveu "Mes Hôpitaux" (1891) que o amigo fiel F.A. Cazals ilustrou.erlaine 
Verlaine no Hospital
Verlaine, a dormir no café Procope (F-A. Cazals) 

Paul Verlaine fotografado, por Domac, no Café François I 
A segunda vez, acompanhado  por Pierre Louÿs e outros, entre os quais Henri de Régnier, depois do banquete em honra de outro escritor de origem grega Jean Moréas (1856-1910)- onde Mallarmé fizera um brinde a Verlaine, dizendo "au nom du cher absent Verlaine!- que não fora convidado. 
 Jean Moréas, 1910
Verlaine frequentava os vários cafés da zona da Place de L'Odéon, como o Café Voltaire, ou, na Rue de la Commédie, o Café Restaurant Procope ou, ainda, o Café François I, onde o vemos fotografado por Domac várias vezes (***).
Café François I (1899)
Nessa noite, depois da homenagem a Moréas, iam reunir-se no Café Voltaire, na Place de l' Odéon: 
Café Voltaire
Era tarde, escreve Gide, e Verlaine estava embriagado. O que de resto podia acontecer a qualquer hora da noite ou do dia. Já estávamos no café, quando ele entrou, abruptamente, acompanhado pelo fiel companheiro Cazals. (**) Envolto numa capa ampla, parecia enorme. Estávamos todos em pé. Chegou-se a Régnier, agarrou-o pelo colete ou pela gravata, olhando-o de perto : 'tu, meu pequeno, conheço-te.' (…)
Henri de Régnier, por J.Emile Blanche
"Régnier, apesar de cavalheiro, e das suas boas maneiras, parecia um tanto incomodado por esta familiaridade de bêbado e por ele o tratar por tu sem mais nem menos. (…) Além de que Verlaine devia cheirar tremendamente a vinho. Não nos disse mais nada nessa noite. Afastando-se de Régnier, afastou-se do mundo, atirou-se para um canto, de olhar vazio.” (op. cit. pg. 899-900)
Saint-Étienne-du-Mont
O terceiro encontro de Gide com Verlaine acontece alguns anos mais tarde. 
Passeava eu numa manhã perto de Saint-Étienne-du-Mont. Tinha acabado os meus estudos no Liceu Henri IV, há uns anos, ali ao lado. 
Era depois da saída das aulas (…) alguns alunos andavam por ali e perseguiam um homem claramente embriagado. (...) nunca vos aconteceu ver um pássaro nocturno , uma coruja ou um mocho, em pleno sol, cercado e perseguido por passarinhos impertinentes? Como uma matilha, estes miúdos giravam à volta de Verlaine. Porque era ele. O chapéu alto tinha rolado pelo chão ou, melhor, na água que corria junto aos passeios e era isso que tanto divertia os rapazes porque um chapéu assim não se usa de manhã - salvo em certas circunstâncias- e é um símbolo de dignidade. Verlaine erguia-se, endireitava-se hirsuto, desvairado, com as roupas desalinhadas e sujas de lama (...) segurando com a mão as calças e os suspensórios. Como um javali ou um veado grande, cercado por uma horda de cães fraldiqueiros."  (pg.901)
Para terminar Gide acrescenta: 
"Depois dessa cena, meio século passou. Paul Verlaine entrou há muito tempo na glória. Penso que essas crianças que teriam pouco mais de dez anos (seriam uns vinte)...penso que talvez um deles me leia e, recordando, diga para si: "Se eu soubesse...."

Deixo o poema completo, para quem o não conhecer!


"Le ciel est par-dessus le toit,
Si bleu, si calme!
Un arbre par-dessus le  toit,
Berce sa palme.
La cloche, dans le ciel qu’on voit,
Doucement tite.
Un oiseau sur l’arbre qu’on voit
Chante sa plainte.
Mon Dieu, mon Dieu, la vie est là,
Simple et tranquille.
Cette paisible rumeur-là
Vient de la ville!
Qu’as-tu fait, ô toi que voilà
Pleurant sans cesse.
Qu’as-tu fait, ô toi que voilà,
De ta jeunesse"

(In “Sagesse")

(*) Nota: na Agenda Gide anota apenas "Janeiro, vi Verlaine na rua bêbedo". 
André Gide nasce  em 22 de Novembro de 1869 e morre em 19 de Fevereiro de 1951. Foi Prémio Nobel de Literatura, em 1947.

(**)"O Café Voltaire, na Place de l’Odéon, era o local onde, por volta de 1880, se reuniam políticos e escritores ou artistas: Verlaine fazia dívidas, André Gide, Jean Moréas, Anatole France frequentavam-no. Os Simbolistas apareciam por ali e até Gauguin podia encontrar-se com Mallarmé…" (wikipedia)
Havia, além deste, o Café François I e o Café Restaurant Procope, criado em 1686 por um italiano chamado Procopio.
Verlaine a entrar no Procope, F.A.Cazals

(***) F.-A. Cazals, gravador, desenhador, era grande amigo de Verlaine. Foi ele que ilustrou "Mes Hôpitaux" de Verlaine e fez inúmeros desenhos e gravuras representando o Poeta.

6 comentários:

  1. Gosto tanto de ler os seus post. Apetece-me ir a correr comprar todos os livros de que fala!

    Gosto da novo foto que encima o blogue.

    Um beijinho e continuação de boa semana...chuvosa, mas enfim!

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  2. Verlaine, um tema inesgotável! Intenso, torturado, contradictório, sensível, sempre entre Deus e Satanás, um génio com uma vida desgraçada, como tantos!

    Il pleure dans mon coeur
    comme il pleut sur la ville.

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  3. ~~~
    ~ Uma vida desequilibrada é sempre lamentável,
    mas quando se trata de um génio é confrangedor!

    ~ Felizmente, os nossos «vencidos na vida» não
    aderiram ao decadentismo, que não teve expressão
    no nosso país.

    ~ Gostei muito deste 'passeio' pela história da
    literatura e sinto-me privilegiada por ter nele
    participado. Grata, MJ.

    ~~~ Beijinhos. ~~~

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    1. Um mundo fantástico e envolvente de gente genial e torturada! Um bem para nós que o lemos.....obrigada por virem até aqui!

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  4. Boa leitura, me fez lembrar de um filme que assisti sobre Verlaine e Rimbaud, aqui no Brasil, com o nome de 'Eclipse total' ou "Eclipse de uma paixão'.

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  5. Comovente, toda esta descrição e relato sobre Verlaine. Uma vida grandiosa, apesar de tudo! Um génio... e os seus poemas são o espelho disso!
    Um beijinho, Maria João.:))

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