sábado, 30 de julho de 2016

Palavras de Miguel de Unamuno que servem para os terríveis dias de hoje !


Miguel de Unamuno, por Zuloaga

Miguel de Unamuno, filósofo espanhol e escritor, dramaturgo e poeta, no fim da vida vai proferir um discurso corajoso que ficará para sempre como o exemplo de um discurso de liberdade, contra a ditadura e o 'terror' do fascismo espanhol.

Sobre a barbárie dos tempos que se vivem hoje, escreveu Ivan Jablonka, a propósito dum livro de Primo Levi, A Trégua

"O século XXI começa a engendrar as suas próprias monstruosidades. Venceremos as forças da morte mas, antes disso, teremos de morrer e viver, morrer através dos inocentes massacrados e reviver em nome da vida mesma. É preciso escolher a alegria, o riso, a lucidez como antídotos à dor que a sua morte nos causa. A continuação da nossa vida é a fidelidade que nós lhes devemos. Porque eles teriam desejado que fosse assim.” (Le Monde, separata cultural Le Monde des livres, 14-15 de Julho)
Palavras que me impressionaram e que aprovo inteiramente. 
Miguel de Unamuno

Como talvez alguns não conheçam o que se passou com Unamuno, nesse dia de Outubro de 1936,  vou dizer o que sei. Nada de especial, apenas o que já conhecia e que a curiosidade me levou procurar na internet.

Nascido em Bilbao a 29 de Setembro de 1864, Don Miguel de Unamuno vai morrer em Salamanca no dia 31 de Dezembro de 1936.

Dois meses antes, em 12 de Outubro de 1936, dia da abertura do ano lectivo da Universidade de Salamanca, Unamuno prepara um discurso visando o momento de horror que se vivia em Espanha. Franco conquistara o poder. Muitos dos alunos e amigos de Miguel de Unamuno tinham sido presos, torturados e assassinados pelo governo de El Caudillo
Unamuno

Não há nada escrito, nem se sabem as palavras exactas que proferiu, mas existe um artigo de Luís Gabriel Portillo Pérez (1907-1993), escritor e professor de Direito Civil na Universidade de Salamanca, que reproduz as suas palavras, na revista Horizon, em 1941.
Estais à espera das minhas palavras. Conheceis-me bem, sabeis como sou incapaz de permanecer em silêncio. Por vezes, ficar calado equivale a mentir porque o silêncio pode ser interpretado como aceitação. Quero fazer alguns comentários (…). Falou-se aqui de guerra internacional em defesa da civilização cristã; eu próprio o fiz, outras vezes. Mas não, a nossa guerra é apenas uma guerra incivil. Vencer não é convencer e devemos convencer acima de tudo – e nunca  poderá convencer o ódio que não deixa lugar à compaixão.”
Millan-Astray ao lado de Francisco Franco

O general Millan-Astray interrompe-o e grita: “Posso falar?  Posso falar?"  A escolta que o seguia apresenta armas e alguém no público grita: “Viva a Morte!”, que era o 'lema' da Legião Espanhola, de Franco.
Segue-se um silêncio mortal, sente-se o medo, e os olhares viraram-se para Unamuno, aguardando a resposta. 
E ela vem, lúcida e violenta: 
Puvis de Chavanne, A Morte e a Juventude
Acabo de ouvir o necrófilo e insensato grito 'Viva la muerte'! Soa-me como se dissessem: 'Morra a vida!' Eu que passei a vida a compor paradoxos que excitavam a ira de alguns que os não compreendiam, eu, perito que sou na matéria, afirmo que este paradoxo ridículo me parece repelente. (…) 
o general Millán-Astray 

O general Millán-Astray é um inválido. Não é preciso falar baixo disto. É um inválido de guerra. Também o foi Cervantes. Mas os extremos não servem como norma. (…) 
Cervantes
Cervantes é ferido na Batalha de Lepanto
Atormenta-me pensar que o general Millán-Astray possa ditar normas as normas da psicologia das massas. Um mutilado que careça da grandeza espiritual de Cervantes, que era um homem -não um super-homem- viril e completo apesar das suas mutilações, um inválido como disse que não tenha esta superioridade do espírito  é de esperar que encontre um terrível alívio vendo como se multiplicarão os mutilados em seu redor. 
Ele quer criar uma Espanha nova, criação sem dúvida nenhuma à sua própria imagem. E por isso quer uma Espanha mutilada”.

O general reage, excede-se e grita: “Morra a intelectualidade traidora! Viva a morte”. Ouviu-se, na assistência, o grito: “Morra a inteligência! Viva a morte!”
"Este é o templo da inteligência" (A antiga Biblioteca)
Sem receio algum, Unamuno acrescenta: 

Este é o templo da inteligência e eu sou o sumo sacerdote. Estais profanando o seu sagrado recinto. Sempre fui, diga o que disser o provérbio, um profeta no meu país. Vencereis porque tendes força bruta que baste. Mas não convencereis, porque para convencer há que persuadir. E, para persuadir, necessitaríeis de alguma coisa que vos falta: a razão e direito na luta. Parece-me inútil dizer-vos que pensem na Espanha. Tenho dito.”
Miguel de Unamuno à saída da Universidade, onde nunca mais voltará

 Miguel de Unamuno, escultura de Pablo Serrano

"Vencereis porque tendes força bruta 
Mas não convencereis, porque para convencer há que persuadir. 
E, para persuadir, necessitaríeis de alguma coisa que vos falta: a razão e o direito na luta."

11 comentários:

  1. O meu amigo João Casaca , deu-me hoje a conhecer este interessante blogue . Gostei muito. Continuarei a visitar .

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    1. Obrigada pela visita e pelo comentário, António Martins.

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  2. Espanha na sua grandeza e suas miséria...
    que não se soltem fantasmas e o grito "viva la muerte"
    desperte.

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  3. Tinha deixado aqui um comentário, mas devo ter feito alguma coisa mal, porque não ficou...não importa, não era importante...

    Deixo-lhe um beijinho grande:)

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    1. É importante sim, Isabel! Põe outra vez, please. Aconteceu que tinha posto duas vezes o mesmo post - já me aconteceu- e tive que apagar um deles. Era o que já tinha o teu comentário... Só depois é que me apercebi...Beijinho

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  4. O célebre grito (de má memória) da Falange na Guerra de Espanha é bem o sinónimo do que foram esses tempos de horror e ao ler este magnifico texto foi inevitável recordar um livro lido recentemente de Lydie Salvayre, intitulado "Pas pleurer".
    PS- Descobri "O Falcão de Jade" através do blogue "Palavras Daqui e Dali", irei passando por aqui.

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  5. Assim foi. Se não houvesse alguns Unamunos nos momentos mais negros da História, isto seria uma desolação. É muito conveniente recordar estas coisas de vez em quando. Beijinho

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  6. Sempre com um olhar o "humano" pleno de atenção e carinho... Obrigada, minha querida M.João.

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