Há
sempre histórias aqui por casa. Sobretudo na varanda. O Ratinho Poeta e o Ouricinho são imprevisíveis e a vida
deles é aventurosa.
Desta
vez foi o ‘Caso das azeitonas desaparecidas’ que os agitou. Mas, antes, assisti
a uma conversa filosófica sobre tantas coisas importantes!
Estavam
os dois encostados à vidraça da varanda. Fiquei a vê-los, sentada no sofá de couro, com os pés em cima do banquinho de veludo amarelo-dourado.
-
Sinto-me sempre angustiado, disse o Ratinho.
-
Porquê?, pergunta o Ouricinho.
-
Sinto-me sufocado com a vida que vivemos. Pesa-me todos os dias.
-
Mas porquê, hoje, especialmente?
-
Não é de hoje. É uma angústia que eu diria existencial. E que se agudiza com o
que se passa no mundo. A falta de esperança…
-
Tu acreditas na esperança! E na utopia! Ensinaste-me isso, não te lembras?
-
É tudo demasiado complexo. Estou farto de viver num mundo de paradoxos!
-
Paradoxos quais?
Continuaram
a conversa a olhar para a varanda.
-
O que é o bem? O que é mal? Por que fazes o mal? Fazes o bem porque queres,
porque o procuras, ou porque é natural em ti? E tem o mesmo valor? E quem
sofre…por que sofre?
-
Não entendo o que queres dizer. São dúvidas!
O
Ratinho ia dizendo, sem o ouvir:
-
E os que fazem o mal, têm consciência disso? Ou fazem-no sem querer? Por outro lado, há quem
faça o bem, mas sabem o que estão a fazer?
-
Isso que importa? Fazem o bem e basta!
-
Não é tão simples. O mal é banal, dizem alguns. E isso desculpa tudo? Vês o que se passa no Haitï?
-
Ouvi falar disso da banalidade do mal. Não pode ser desculpado o mal! E o Haïti? Temos que intervir, não achas?
- E o que se mata hoje por esse mundo? E quem se rala? Há os que mandam e os que
obedecem, os que têm opiniões e os que as não podem ter, os que afirmam e os
que ouvem apenas e têm de se calar.
-
Os que mandam não se calam. Foi sempre assim na história. Mas sempre ouvi dizer que se “a palavra é de prata,
o silêncio é de oiro!”
E o Ouricinho riu-se, contente com esta descoberta.
- Dizem os sábios chineses...
E o Ouricinho riu-se, contente com esta descoberta.
- Dizem os sábios chineses...
O Ratinho nem o ouviu. Acho que vê televisão a mais. Devia antes ir brincar com o Ambrósio e o Leãozinho como faz o Ouricinho.
“E
pensa muito! Pensar dá cabo da alma!” Bem, mas o Ratinho é poeta, bem sei. E é filósofo
-
Por que sofrem os inocentes? Era o Ouricinho que se indignava . Os
pequenos, as crianças, atacadas, bombardeadas, afogadas…Não devia ser possível!
O que podemos fazer nós?
-
Não podemos fazer nada. Nem conseguimos compreender.
-
Nada, mesmo? Nem protestar? Eu quero protestar!
-
Ah, isso sim. Eu não compreendo nem quero compreender.
-
Basta não querer?
-
Tem de se tentar fazer!
O
Ouricinho olhou para ele, triste, impotente.
-
Como se faz? Por onde se começa?
-
Não desanimes! Sabes o que dizia o Baudelaire? “Quanto
mais se quer, melhor se quer.”
O
Ouricinho estava desconfiado. Coisas de poetas!
-
“Melhor se quer”? Ele que foi tão desgraçado! Viste como viveu e como
morreu?
O Ouricinho pegou num papel e nas canetas de feltro e pôs- se a escrever.
- Oh, Jana, Tira lá uma fotografia.
E pôs-se, com o pequeno cartaz que desenhara, ao lado do Ratinho que, parado, nem nos viu. Eu tirei a fotografia.
O Ouricinho pegou num papel e nas canetas de feltro e pôs- se a escrever.
- Oh, Jana, Tira lá uma fotografia.
E pôs-se, com o pequeno cartaz que desenhara, ao lado do Ratinho que, parado, nem nos viu. Eu tirei a fotografia.
- Era um génio… temos de aceitar.
-
Agora és fatalista? Temos que aceitar?
-
Não! Só queria dizer que ele viveu a vida que tinha de viver. O que viveu e
como viveu é que fez dele o poeta que foi.
- Tu lá sabes. És poeta…
O
Ratinho ergueu as sobrancelhas, sonhador. Talvez imaginasse o seu futuro de
poeta. Seria um dia um grande poeta? Talvez imaginasse o sofrimento do poeta.
Talvez o assustasse a ideia. “Terei mesmo de sofrer?”
O Ouricinho já se tinha ido embora, a mostrar o cartaz aos outros amigos.
-
A pensar em quê, Ratinho?, perguntei
-
Oh! Há tanto para pensar! Os poetas. Não sei se quero ser poeta!
Assusta-me o sofrimento. Os poetas têm sempre de sofrer como o Baudelaire ou o
Verlaine e o Rimbaud?
-
Um pouco de sensibilidade a mais…
Não
sabia o que lhe havia de dizer. Ele continuou, alheio a tudo.
Felizmente
o Ouricinho apareceu nesse momento, agarrado à mão da gatinha japonesa. Vinha
indignado e já se esquecera do Haïti. E, foi assim que voltámos às azeitonas…
-
Roubaram as azeitonas da varanda! Duas! Eram dezasseis que eu contei-as quando
ainda eram pequeninas!
-
O quê? As azeitonas?
E
o Ratinho esqueceu-se do sofrimento dos poetas e foi ter com eles. Foram
para a varanda investigar. De facto, faltavam algumas azeitonas.
-Duas! disse o Ouricinho. Pelo menos, duas!
Quem as iria comer? Eram sempre tão amargas! Este ano, logo na Primavera, apareceram as primeiras florinhas brancas, na oliveira. De repente eram as azeitonas verdes e pequeninas e, no fim do Verão, estavam grandes, roxas e bem maduras! E bonitas que elas estavam!
-Duas! disse o Ouricinho. Pelo menos, duas!
Quem as iria comer? Eram sempre tão amargas! Este ano, logo na Primavera, apareceram as primeiras florinhas brancas, na oliveira. De repente eram as azeitonas verdes e pequeninas e, no fim do Verão, estavam grandes, roxas e bem maduras! E bonitas que elas estavam!
-
Foram os pássaros, tenho a certeza! O Ouricinho estava zangado.
-
Bem, não se deve acusar ninguém sem provas…
Tinha
razão o Ratinho. Vi que o meu aluno tinha aprendido alguma coisa com a professora! E fiquei lisonjeada...
-
Ou então foi o Manuel! Eu vi duas azeitonas na pedra da lareira…, insistia o Ouricinho.
A Gatinha foi chamar o Leão. Ele ouvia, espantado, a discussão.
-
Não tens provas! Perguntaste-lhe?, continuou o Ratinho.
-
Não. Ele está sempre distraído, não nos liga!
-
Isso não prova nada! Pelo contrário -quer lá ele saber das azeitonas!
Era o Leãozinho, a meter-se na conversa. Todos tinham uma opinião. De repente, a voz do Ratinho:
- Olha onde foram parar as nossas azeitonas!
- Olha onde foram parar as nossas azeitonas!
E lá estavam elas, como duas contas pretas, agora já secas, em cima da pedra da lareira.
- Quem terá sido?, e o Ouricinho estava irritado. Foram os passarinhos, não os vês todos contentes?
Estabeleceu-se um diálogo um pouco agressivo entre o Ouricinho e os passarinhos. Até que o cãozinho disse que não.
- Não fomos nós!
- Bem...Alguém foi!
Sim, alguém tinha sido. Quem sabe se não fui eu, distraída...
Deixei-os ficar na discussão sobre quem teria roubado as azeitonas. Pelo menos estavam entretidos e passara a angústia do Ratinho Poeta!
Entretanto a chuva começara a cair e refugiaram-se na janela do meu quarto. Tudo acalmara. Estavam a ver a chuva!
O poeta é um fingidor.
ResponderEliminarFinge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
....
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de cordas
Que se chama coração.
Gostei da história das azeitonas, tão misteriosa!!
Beijinhos
É da 2ª parte do poema que eu gosto...
Eliminar"E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de cordas
Que se chama coração."
Mas quem é o fingidor aqui? O Ratinho? Eu? Ou o ingénuo do Ouricinho? Beijinhos
Uma forma graciosa de falar sobre questões de entendimento difícil...
ResponderEliminarHá pessoas que não acreditam nos alertas e desafiam os elementos até um dia sucumbirem, pois, atendendo à localização, deve haver abrigos para todos.
Beijinhos, MJ.
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Esperemos...beijinho e obrigada
EliminarMais uma excelente viagem a casar ficção e realidade
ResponderEliminarsó não apareceram os caroços
Bj
Gostei tanto!
ResponderEliminarÉ um filósofo, este poeta!
E afinal...quem levou as azeitonas? ...
Grande produção! 16!!
Gosto tanto das fotos deles sentadinhos à sombra e a outra sentados à janela a ver a chuva! Decididamente: são os meus heróis!
Custa-me dizer, custa-me reconhecer, mas cada vez acredito menos na capacidade ou na vontade da PAZ, de tantos governantes.
Um beijinho grande:)