sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Os Viajantes involuntários - ou a lenda de Butch Cassidy...



Ao sabor do tempo, neste blog, vou saltando de assunto para assunto porque a nada sou obrigada. Quem gosta, lê… Quem não gosta, não venha ler.
Fixo-me hoje na figura do 'fora de lei'  Butch Cassidy. 
E recordo uma frase que Bruce Chatwin  lhe dedica no seu livro “Na Patagónia” (*).
Bruce Chatwin escreveu um livro muito interessante de que já falei aqui. Livro cuja leitura me foi aconselhada pela grande amiga, Luciana Stegagno-Picchio, sabedora de literatura, lusitanista e mulher de cultura
Falava-me de Chatwin às vezes! Conhecia a minha vida de viajante e dizia-me sempre: “Tens que escrever o livro das tuas viagens!” Talvez um dia o escreva, quem sabe?

O livro de Bruce Chatwin anda também ao sabor do tempo, contando coisas variadíssimas de uma viagem à Patagónia longínqua. Onde, paulatinamente (como diziam os meus amigos são-tomenses), pára quando quer, apanha os meios de transporte que aparecem, sem pressa, numa viagem de conhecimento do mundo diferente. Em errância, como diz. 
Por vezes segue a pé, de saco às costas, ou vai montado num burro ou (com sorte!) num cavalo, à procura dum mundo que existiu no seu modo particular e que hoje parece perdido! 
Encontra gentes solitárias, vê terras selvagens, procura o sentido de uma vida que hoje aparentemente o não tem, nem tinha já- no  tempo  em que ele realiza a viagem.
Escrevia, pois, Bruce Chatwin, sobre Butch Cassidy, o que se segue:
Espírito imparcial, de lealdade selectiva, sonhava ser cow-boy e seguia a epopeia de Jesse James nos fascículos de cordel.” (Na Patagónia, pg 69)
Perdoem o à parte: quem não recorda com saudade esses heróis do oeste selvagem? Jesse James, Billy the Kid e Butch Cassidy? Quem não se sentia mais puxado para o lado deles? 
Eu, pelo menos, fascinava-me bem mais o lado deles do que o lado do sheriff Pat Garrett! Ou o da terrível Agência Pinkerton!

 Eu preferi-os tantas vezes! Rebelde, Sentia-me solidária com os bandidos fora da lei, sem deus-nem-dono, como cantava Léo Ferré ('Ni Dieu, ni Maître'). Solidária do que me parecia ser um ideal de liberdade e de justiça (seria?) que se afastava –ou estava acima? - da lei vigente… 
Qual a justiça, nessa lei?
Há tempos encontrei na internet, na biografia de Sundance Kid - que vai ser o amigo inseparável de Butch- uma frase do próprio, 'qualificando-se': “Sundance Kid, profissão: fora de lei”. Adorei o seu sentido do humor!
Bem, mas voltando ao que conta Chatwin:
Butch (…) aos 18 anos pensava que os seus inimigos naturais eram os grandes rancheiros de gado, o caminho de ferro e os bancos, dizendo a si mesmo que o direito se encontrava do lado errado da lei”. (idem, pg. 69)

Nascera em Beaver, no Utah, a 13 de Abril de 1866. Chamava-se Robert LeRoy Parker e os pais tinham vindo de Inglaterra, ainda crianças, e chegaram ao Oeste numa caravana de Mormões. 
A mãe era de ascendência escocesa. Foram sempre pobres, muito pobres, e tinham 11 filhos. Talvez por isso Butch tenha abandonado a casa e tenha largado o trabalho em que se esfalfava a trabalhar para os outros por uma paga de miséria.  E, por isso mesmo,  numa bela manhã, do ano de 1884, tenha decidido partir!

Esta sua partida coincidiu com a época dourada dos ricos ranchos (…) dos ‘cow-boys’ a viver uma vida de privações; dos barões do gado que pagavam salários miseráveis e tiravam dividendos da ordem dos 40% para os accionistas; (…) dos pequenos almoços com champagne no ‘Cheyenne Club’. (in Patagónia, pg.70)"

As privações vão-no empurrando para a frente. Assim, nessa bela manhã de Junho, anuncia à mãe que vai trabalhar para as minas de  Telluride,  despede-se dela e da irmã bébé - e lá se foi!
E sumiu de suas vidas, a cavalo”, conclui Chatwin. Nessa noite, o pai conta, desolado, que ele fugira depois de ter roubado umas cabeças de gado a um rancheiro!
É a partir daí que se vai chamar Butch Cassidy e vai ser procurado pela polícia. E torna-se numa lenda!
Os tempos correm e tudo muda. E chega o Grande Inverno de 1886-1887 que mata mais de três quartos do gado daquela zona.

A avidez, ligada à catástrofe natural, vai dar origem a outro tipo de ‘cow-boy’ marginal, o dos homens reduzidos à clandestinidade e ao roubo de gado, devido ao desemprego. (…) E à fome.

Pelo Oeste esses “desesperados” profissionais criam quadrilhas de ladrões de gado, de assaltantes de bancos. Porque a verdade é que nada têm a perder! Butch Cassidy vai ser um deles.

Durante aqueles anos, foi vaqueiro, domador de cavalos selvagens, marcador de gado, assaltante de bancos a meio tempo, mas era como chefe de quadrilha que os xerifes das redondezas o temiam”.
Em 1894, é preso, acusado de roubar um cavalo que não tinha roubado e que no máximo valeria uns 5$. Um pretexto, no fim e ao cabo. E passa dois anos na penitenciária de Wyoming.

Em 2 de Junho de 1899 a quadrilha roubou o Union Pacific Overland Flyer perto de Wilcox, Wyoming, um roubo que ficou famoso e que resultou numa enorme caça ao homem. Muitos homens da lei notáveis da época participaram na perseguição aos ladrões mas não os conseguiram apanhar.

"A pena e a prisão injusta azedaram ainda mais as suas relações com a lei e, de 1896 a 1901, o seu Sindicato de Ladrões de Comboios (sic), mais conhecido pela Wild Bunch (Quadrilha Selvagem), cometeu uma série de assaltos executados na perfeição”(wikipedia).

É aí que entra na corrida a Agência de Detectives Pinkerton, com a sua divisa "nunca estamos a dormir"
A verdade é que Butch Cassidy era adorado pelos fazendeiros pobres e era capaz de pagar a renda de uma pobre viúva - depois de ter roubado o cobrador das rendas. Paradoxos dos que procuram a justiça na vida… 
E diga-se a verdade: Butch Cassidy nunca matou ninguém. E sentia remorsos quando pensava nos mortos que a quadrilha ia matando.

Mas até esses belos tempos do “Wild Bunch” passaram. As fronteiras são mais seguras, os cavalos da polícia mais velozes. A Agência Pinkerton (**) põe a polícia montada dentro dos vagões de gado. Muitos filmes se fizeram sobre essas vivências! 

Lembro o de Sam Peckinpah, “Wild Bunch”, de 1969, e, mais tarde, "Pat Garrett e Billy the Kid" (1973),  filmes de grande violência. 
Muitos foragidos são mortos. Outros preferem esconder-se nas cidades. Alguns amigos de Butch morrem em brigas nos saloons, abatidos por pistoleiros profissionais que “vigiam” o jogo. Ou são metidos detrás das grades.Outros, ainda, alistam-se no exército dos Usa...
O que resta a Butch? Cumprir uma longa pena de prisão que o espera ou fugir para a Argentina? O destino vai decidir por ele...
George Roy Hill: 'Butch Cassidy e Sundance Kid’ (1969)
Em 1901, em Nova Iorque,  encontra Sundance Kid e a namorada, Etta Place. O trio especializa-se em outro tipo de assaltos e depois decidem fugir para a Argentina! A escolha estava feita!
 Soundance Kid e Etta Place (1900)

E vão continuando pela América do Sul, praticando assaltos não só na Argentina, como na Bolívia, Peru e Chile. A presença dos três é confirmada nesses lugares entre 1902 e 1907.
Diz-se que Butch morre na Bolívia, em San Vicente, a 7 de Novembro de 1908, morto pelo exército boliviano - mas a verdade nunca se soube.
 Filmes sobre esta figura lendária:
1969, ‘Butch Cassidy e Sundance Kid’, de George Roy Hill com Robert Redford e Paul Newman;
1979, ‘Butch e Sundance Kid: os tempos da juventude’, de Richard Lester, com Tom Berenger;
2011, “Blackthorn” (Os Implacáveis), do realizador espanhol Mateo Gil, com Sam Shepard, filmado na Bolívia, em que Butch Cassidy é perseguido até à fronteira gelada pelos homens do sheriff, implacável.
(*) O livro "Na Patagónia" foi publicado em 2004 pela 'Quetzal', na colecção Serpente Emplumada.

(**) "A maior parte dos contratos da 'Agência Pinkerton' girava em torno de evitar que grevistas (principalmente líderes sindicais) ocupassem ou se aproximassem das fábricas em que trabalhavam. Fundada por Allan Pinkerton.

O incidente mais famoso da agência nessa área de actuação foi o da greve de Homestead de 1892, quando centenas de agentes da Pinkerton forçaram violentamente o fim de uma greve, matando nove pessoas." (wikipedia).


3 comentários:

  1. Ah, os heróis do Farwest, com as suas novelas e películas, um dos géneros mais fecundos dos EEUU. Deixa-me que recorde alguns dos que nunca serão esquecidos, verdadeiras obras-primas, como o que tu citas, e por exemplo Rio Bravo, O Combóio Apitou Tres Vezes, O Homem Que Matou A Liberty Valance, O Dorado, Sem Perdão, Por Um Punhado De Dólares, Os Sete Magníficos, Rio Vermelho, Jeremias Johnson, Duelo ao Sol,e tantos e tantos!!!
    Bom fd, tqm!

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