Encontrei, em Trieste, algumas pinturas de
Arturo Nathan - pintor que conhecia através de imagens da internet - quando, há uns tempos, me
interessei por pintores e artistas que morreram em campos de concentração.
Vi-as, no
Museu Rivoltella, um museu interessantíssimo - e muito completo- sobre a pintura e escultura triestina.
Museu Revoltella, tela de Alberto Rieger, 1985
Arturo Nathan, Auto-retrato de olhos fechados
Arturo Nathan, judeu, nasceu em Trieste, em 17 de Dezembro de
1891, filho de Jacob Nathan e de Alice Luzzato. (Por curiosidade, lembro a minha amiga, médica em Telavive, Lea Luzzato - que era neta do grande-Rabi de Génova!)
O pai de Arturo nascera em Bombaim e era cidadão britânico. Por isso, Arturo fez o serviço militar em Londres, enquanto súbdito de Sua Majestade.
Passados alguns tempos em Génova, onde os pais esperavam que fizesse uma carreira económica, Arturo, em 1919, decide ir para Trieste. Passara a Primeira Guerra, e decide-se pela Filosofia e pelas artes. Tem 30 anos e começa a frequentar os ambientes artístico-literários da cidade.
Encontra o estudioso Edoardo Weiss, quase da sua idade, e interessa-se pelo estudo da Psicanálise.
Weiss era um psicanalista famoso e, em Trieste, vivem-se os chamados "anos da psicanálise" (título de um livro de Giorgio Voghera -que tive a sorte de conhecer, em Trieste, há muitos anos, pessoa extraordinária!).
Trieste era uma cidade onde confluíam várias culturas - as do Império Austro-húngaro- em contacto com uma comunidade hebraica, muito culta, e também eslovenos, croatas, dálmatas...
A certa altura, em Trieste, vivem-se anos difíceis com a chegada do regime fascista e de Mussolini ao poder. Com as medidas de discriminação racial que se abatem sobre os judeus de Trieste. O ghetto de Trieste vai ser destruído.
Mais tarde, em 1941, dá-se a anexação de Trieste, pelo IIIº Reich. Arturo tem 50 anos.
O pai de Arturo nascera em Bombaim e era cidadão britânico. Por isso, Arturo fez o serviço militar em Londres, enquanto súbdito de Sua Majestade.
Passados alguns tempos em Génova, onde os pais esperavam que fizesse uma carreira económica, Arturo, em 1919, decide ir para Trieste. Passara a Primeira Guerra, e decide-se pela Filosofia e pelas artes. Tem 30 anos e começa a frequentar os ambientes artístico-literários da cidade.
Encontra o estudioso Edoardo Weiss, quase da sua idade, e interessa-se pelo estudo da Psicanálise.
Weiss era um psicanalista famoso e, em Trieste, vivem-se os chamados "anos da psicanálise" (título de um livro de Giorgio Voghera -que tive a sorte de conhecer, em Trieste, há muitos anos, pessoa extraordinária!).
Trieste era uma cidade onde confluíam várias culturas - as do Império Austro-húngaro- em contacto com uma comunidade hebraica, muito culta, e também eslovenos, croatas, dálmatas...
Anton Zoran Music, pintor dálmata
Mais tarde, em 1941, dá-se a anexação de Trieste, pelo IIIº Reich. Arturo tem 50 anos.
Marcello Mascherini, "Monumento a Auschwitz", 1958
Não posso deixar de referir algumas informações sobre essa anexação nazi e das suas horríveis consequências. Em Trieste
existiu, a partir desse ano, um campo de internamento e de extermínio.
Visitei o local terrível (de que falarei com mais pormenor um dia), a Risiera de San Sabba (**).
Na sala enorme -onde eram acumulados os prisioneiros à chegada, estão hoje reunidas as 'homenagens' que recordam esses mortos e lembram os acontecimentos.
E vemos documentos de rara dureza e simplicidade, que revelam o mais terrível sentimento de dor e de tristeza!
Inicialmente, o edifício servira para a secagem do arroz (risiera, de 'riso', arroz). Depois, em 1943, o local foi adaptado como caserna da Polícia alemã, e depois, ainda, transformou-se num lager nazi.
Local sinistro por onde passaram dezenas de milhares (entre 3000 e 5000) de prisioneiros políticos e de judeus, eslovenos, dálmatas, croatas, ‘partigiani’: para morrerem ali.
As duas primeiras 'celas' serviam para os interrogatórios e para tortura.
Na sala enorme -onde eram acumulados os prisioneiros à chegada, estão hoje reunidas as 'homenagens' que recordam esses mortos e lembram os acontecimentos.
E vemos documentos de rara dureza e simplicidade, que revelam o mais terrível sentimento de dor e de tristeza!
Inicialmente, o edifício servira para a secagem do arroz (risiera, de 'riso', arroz). Depois, em 1943, o local foi adaptado como caserna da Polícia alemã, e depois, ainda, transformou-se num lager nazi.
sala de interrogatório e tortura
Anton Zoran Music, pintor sobrevivente de outro campo
Alguns, apenas, de passagem, em direcção a outros campos. Havia, neste edifício, a “cela da morte” e mais outras 17 'mini-celas'- cubículos-, onde viviam seis ou mais pessoas, à espera de morrer ou de serem transferidos para outro campo. As duas primeiras 'celas' serviam para os interrogatórios e para tortura.
O lager tinha um forno crematório. Ao fim da noite, vinham os soldados SS, trazer sacos carregados de cinzas humanas que despejavam no Canal Grande.
Em 1965, o edifício foi declarado monumento nacional. Hoje, restaurado completamente, é um museu visitado, anualmente, por milhares de italianos.
Existe, felizmente, em Itália, a preocupação de levar os alunos das escolas, de Norte a Sul do país, não só a visitar os grandes Museus do Renascimento ou do Barroco, como irem a estes lugares de história negra do passado - e ter conhecimento do que ali se passou. Vêm igualmente visitá-lo muitos estrangeiros.
Em 1965, o edifício foi declarado monumento nacional. Hoje, restaurado completamente, é um museu visitado, anualmente, por milhares de italianos.
Existe, felizmente, em Itália, a preocupação de levar os alunos das escolas, de Norte a Sul do país, não só a visitar os grandes Museus do Renascimento ou do Barroco, como irem a estes lugares de história negra do passado - e ter conhecimento do que ali se passou. Vêm igualmente visitá-lo muitos estrangeiros.
Mas voltemos ao pintor que aqui me trouxe hoje, Arturo Nathan. Leio sobre ele, na 'wikipedia':
"Foi autodidacta no início, mas a sua formação como pintor faz-se no clima romano dos anos 20 onde contacta com o substrato 'mitteleuropeu' da pintura metafísica de Giorgio De Chirico e de Alfredo Savini." São desse período os auto-retratos e os manequins que todos pintam.
Em 1925, está, pois, em Roma, onde conhece aquele que vai mudar a sua maneira de pintar: Giorgio De Chirico. Espaços vazios, 'interiores', estátuas, figuras da antiguidade, ruínas, cavalos imóveis. Mistério e melancolia... E nostalgia...
"Foi autodidacta no início, mas a sua formação como pintor faz-se no clima romano dos anos 20 onde contacta com o substrato 'mitteleuropeu' da pintura metafísica de Giorgio De Chirico e de Alfredo Savini." São desse período os auto-retratos e os manequins que todos pintam.
Giorgio De Chirico, "Nostalgia do Infinito"
Giorgio De Chirico, "Interior metafísico", 1916
"O elemento
"metafísico" dessa pintura será o desenvolvimento futuro do pintor
triestino: atmosferas mágicas e visões".
'Metafísica' significa 'para além da
física'... E todos nos lembramos de estudar essa 'definição' nos nossos manuais de Filosofia. Mundo do não-físico, pois. Do imaterial?, do onírico?, do visionário?
Arturo Nathan, "O abandonado"
Giorgio De Chirico, "Cavalete com cavalo"
Giorgio De Chirico, "Mistério e Melancolia de uma rua"
Giorgio De Chirico, "Piazza d' Italia"
Choca-me "ver" a presciência de
Nathan que, cedo, pinta temas e acontecimentos estranhos, algo de angustioso, de escuro, de isolamento, de solidão, de irremediável desespero. Como se adivinhasse...
Onde me parece que Nathan antecipa acontecimentos, tragédias apenas "adivinhados", que irão realizar-se na sua cidade - e, na sua vida
atormentada de perseguido e de judeu que acabou assassinado num outro "lager", está a sua "poética", o seu "mal de viver".
Arturo Nathan, "Silêncio e luz"
Nathan, "Nave encalhada", 1937
Arturo Nathan, "Auto-retrato", 1924
("Le mal de vivre" - que cantava Barbara- "qu'il faut bien vivre...!/On peut le mettre en bandoulière/ou comme un bijou à la main/comme une fleure en boutonnière...ou juste à la pointe du sein"...)
Arnold Böcklin, "Ilha da Morte", 1888
Arnold Böcklin, "Ruínas e mar"
Encontro
esta explicação de Renato Santoro sobre essa "poética": “a perseguição contínua de naves entre gelos, de veleiros
encalhados, o insistir no naufrágio e nas ruínas abandonadas à beira mar, são
indícios do seu mundo poético que se alimentou do existencialismo à maneira de
Kierkegaard, do pessimismo cósmico leopardiano, de sugestões desencadeadas pelo
imaginário de Böcklin (*) e de De Chirico; mas são também traços, deixados como
marcas na tela, das suas angústias,
inquietações, do mal-estar quotidiano, numa palavra do seu 'disagio di
vivere'."
O tal mal de viver de que falei? A nostalgia do infinito? A sede do absoluto?
O tal mal de viver de que falei? A nostalgia do infinito? A sede do absoluto?
Arturo Nathan, "O mar gelado"
Nathan, "Costa com ruínas", 1935
Giorgio De Chirico, "Canção de amor"
Arturo Nathan, "O exilado", 1928
paisagem dos arredores de Trieste (MJF)
Fiquei a saber mais, e fico sempre com os seus magníficos post.
ResponderEliminarUm beijinho e um bom fim-de-semana:)
A parte mais triste da Trieste, " Jerusalém do clima frio", (Giorgi Deskovich). Menos mal que alguns mártires do nazismo puderam deixar testemunho do seu talento. Gosto especialmente de alguns quadros de Zoran Music.
ResponderEliminarA Happy sunday to you!
Gostei dessa definição de Trieste! Também gosto muito do Zoran Music. Bom finde
EliminarPara mim, foi tudo novidade...
ResponderEliminarGostei sobremaneira da leitura.
Beijinho grato, MJ.
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