sábado, 22 de abril de 2017

AH, ITALIA MIA!


Trieste e Piazza dell’ Unità

Vou contar uma história que se passou em Trieste. Em Novembro do ano passado, no regresso, tomei nota no meu bloco de notas e escrevi depois à minha filha Gui:

“Estávamos sentados no Café Ex-Urbanis (hoje chamado “Excelsior”) a beber um chocolate quente, que ali é muito bom. E aconteceu uma coisa engraçada."
o golfo visto da Piazza dell’ Unità (foto M.J.F.)

Piazza dell’ Unità, "Le sartine" ou "Ragazze di Trieste"
Recordo que, nessa tarde, tinha havido – entre outras festejos- um desfile de “bersaglieri”, na Piazza dell’ Unità. Creio que se festejava a libertação da cidade de Trieste, pelos “bersaglieri” italianos. 
Um desfile diferente e muito interessante porque esta tropa desfila a correr e usa, pendurado nos capacetes, inclinados para um lado da cabeça, um molho de plumas negras de faisão tetraz. 
Ao pôr-do-sol, na Piazza, houve um concerto dos “bersaglieri” - seguido do amainar da bandeira. 
A banda dos bersaglieri tocou: clarinetes, trompetes, saxofones, tudo soava maravilhosamente. 
No final, lembro que tocaram "Va pensiero", ária da ópera de Verdi (**) e era tão belo, tão comovente, voltar a ouvir aquela música que ouvira, noutros tempos, tantas vezes!
Ao fim da tarde, na Piazza dell' Unità, houve um concerto dos “bersaglieri” seguido do amainar da bandeira.

Para saberem um pouco mais: os Bersaglieri são unidades de elite, "infantaria ligeira de alta mobilidadecriadas, em 1836, ao serviço do Reino da Sardenha. 
Depois pertenceram ao Exército Real Italiano (Regio Esercito) e são considerados, ainda hoje, tropas "de alto valor moral e espírito agressivo".
Bersaglieri , unidade móvel  em bicicletas
Durante a Iª Guerra, distinguiram-se no combate, como unidades móveis. Entre 1914-1918, dos 210 mil membros dos regimentos de Bersaglieri, 32 mil homens foram mortos e 50 mil ficaram feridos. 
a banda dos bersaglieri, em Trieste
Continuo a carta, interrompida:
No Café, sentados mesmo atrás de nós, estava um grupo de antigos 'bersaglieri', em conversa animada. Tinham festejado, era tarde e começavam a despedir-se uns dos outros.

Piazza dell’ Unità


Minutos antes, eu tinha deixado cair as luvas de lã vermelhas no chão e o pai levantou-se, apanhou-as e pô-las em cima da mesa. É verdade que o pai estava muito elegante e gentil…
um faisão tetraz
Um dos senhores, ao passar por nós, parou. Deu a mão ao teu pai, pegou na minha mão, olhou-me e disse: 'Tenho oitenta anos, fui militar “bersagliere”, tive uma vida dura. Mas, sabes?, o gesto do teu marido comoveu-me.'
vista sobre a Piazza dell’ Unità (MJF)
Deu uma pancadinha na cara do teu pai, apertou com força a minha mão na sua e foi-se embora sem olhar para trás. Comovido, sim. E nós ficámos comovidos também: um italiano - e, ainda por cima, um “bersagliere!..."
Piazza dell’ Unità, iluminada (foto M.J.F.)
Quando saímos, a noite caíra sobre a maravilhosa Piazza dell' Unità. Sentíamos um calorzinho no peito que não era apenas do chocolate quente.
Piazza dell’ Unità, à noite (foto M.J.F.)

Curiosa a resposta da minha filha:
Sim, a vida é feita de encontros com pessoas bonitas. Que nos compreendem e nos compensam da desgraça que são os outros.

* * *
(*) No dia 3 de Novembro, dia do padrono da cidade, San Giusto, festeja-se também o desembarque, em 1918, dos “bersaglieri”, em Trieste. No dia 3, ou 4, de 1918, terminada a Guerra, as tropas italianas entraram em Trieste, depois dos austríacos terem abandonado a cidade. A primeira nave a entrar no porto foi o caça-torpedeiros ‘Audace’. 
Daí o nome do cais ainda hoje assim chamado. Junto ao cais, um soldado que traz a bandeira italiana sobe a escada - la Scala Regia-  construída em 1922.
Ao lado dele, "Le sartine", homenagem às costureirinhas que coseram as bandeias italianas, esculturas do  umbro, Fiorenzo Baci, em 2004, data do 50º aniversário da 'redenção' da Itália (1954).
O cais Audace e as esculturas de Fiorenzo Baci (M.J.F.)
Em 2016, passou o 98º aniversário. A Câmara de Trieste organiza sempre as festividades, em colaboração com a Associazione Nazionale Bersaglieri- Sezione Trieste. Os bersaglieri são unidades de elite, de infantaria ligeira de alta mobilidade. 
Depois da guerra foram convertidos em tropas de bicicleta para combates velozes juntamente com a Cavalaria (as Celari) e ao lado dos tanques.
Na IIª Guerra, foram submetidos a um treino físico intenso (como o haviam sido na Iª Guerra) e foram-lhes exigidas capacidades especiais, em artilharia.

Desses bersaglieri dizia Rommel: Os soldados alemães conseguiram espantar o mundo, os 'bersaglieri' italianos conseguiram espantar os soldados alemães."
(**) "Va, pensiero", ária da conhecida ópera de Giuseppe Verdi, "Nabucco", passagem do "Coro dos Escravos judeus". "Va, pensiero, sull'alli dorate" foi proposto para substituir, em 2009,  o antigo hino italiano, o Hino de Mamelis

7 comentários:

  1. Olá Maria!
    Um instante emocionado com o senhor militar bersagliere, que ficará certamente na lembrança. E fico imaginado, o instante de silêncio (penso eu que foi assim) entre você e seu marido, após o aperto na sua mão e saída dele...
    Bonito de ler e sentir.
    Um abraço!

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    1. De facto, Maria da Glória, há momentos que nos surpreendem e comovem. beijinhos

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  2. uma crónica muito bonita!
    e um local mítico.

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  3. Memórias e histórias da história muito bem desfiadas. Parabéns.

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  4. Amiga, gostei de ler tudo, mas o momento das luvas é belíssimo.
    Como um simples gesto de pegar numas luvas que caem ao chão e devolvê-las à esposa, pode ser um momento de elegância, respeito, amor, gentileza, educação... e como ainda existem pessoas (poucas) que se comovem com gestos destes! Só podem ser pessoas boas e sensíveis!
    Um aplauso para os intervenientes!

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  5. Gostei imenso do texto, da história, das imagens...mas adorei sobretudo a resposta da sua filha:) Tem toda a razão!

    Um beijinho:)

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  6. Memórias muito especiais, de intensas e perduráveis emoções.
    Grata pelos excelentes momentos de leitura e de aprendizagem,
    ~~~ Beijinhos, MJ ~~~

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