No passado dia 21 de Março, morreu o
escritor policial Colin Dexter (*) e apeteceu-me falar dos livros que nunca li, confesso, e sobretudo do protagonista deles: o Inspector Morse. De facto, a partir dos livros de Dexter, a BBC criou, nas décadas de 80 e 90, a série televisiva intitulada “Morse”.
John Thaw, Kevin Whately e Colin Dexter
Trata-se de John Thaw. Penso que muita gente (como eu) terá
esquecido este nome, apesar de ser, graças a ele, que a série é hoje lembrada (e amada) nos écrans da televisão. Foi, de facto, a
personagem a que ele deu vida que me fascinou. E essa personagem existiu porque
ele a fez ‘existir’!
Lembro-me de outro actor com quem aconteceu algo semelhante:
Jeremy Bretts, o extraordinário Sherlock Holmes (1933-1995) de outra série da Granada TV, entre 1984 e 1994.
Contava o seu parceiro, o actor Edward Hardwicke (1932-2011) que era o Doutor Watson, quando Jeremy Bretts morreu, que ele chegava a ter pesadelos ligados à personagem. Sherlock
era, para Bretts, ‘o inominável’. Quase a medo, referia-se a Holmes como "aquele que nós sabemos" ou apenas "Ele".
Morse, segundo alguns críticos, é uma personagem que, “em muitos
aspectos tem algo de Sherlock Holmes, com um espírito orgulhoso e penetrante e, ao mesmo tempo, um feitio tranquilo.
Ambos saem do 'écran' como pessoas vivas, com as quais podemos imaginar ir
tomar um copo num 'pub'.”
Quem era John Thaw? Um grande actor britânico! John
Edward Thaw nasceu em 3 de Janeiro de 1942 e morreu em 21 de Fevereiro de 2002,
com um cancro do esófago.
Nascido em Manchester, na cinzenta e pobre Manchester, numa família de trabalhadores, com algumas
dificuldades económicas, frequentou, a partir dos 16 anos, a Royal Academy of Dramatic Arts,
em Londres. Depois de
terminar, representou um pouco de tudo –e Shakespeare, evidentemente.
Actor de teatro e de cinema, entrou no filme “The loneliness of
the long distance runner”, de Tony Richardson (1962), com Tom Courtney-de quem foi colega na
Academia- no papel principal. E contracenou com Laurence Olivier, no filme “Semidetached” (1962).
Nos
anos 60, entrou num dos primeiros episódios da série ‘Os Vingadores’. Participou
noutras séries da BBC como “Redcap” (1964-66), “Flying Squad” e “The Sweeney”
(1975-78).
Era um dos actores preferidos de Sir Richard Attenborough e foi um
dos actores do filme “Cry Freedom” (1987), com Denzel Washington.
Nos anos 70 e 80 trabalhou na Royal
Shakespeare Company e no Royal National Theatre. Foi
toda a vida um apoiante do Labour Party.
Em 1993, recebeu da Rainha Isabel II a medalha “Most Excellent
Order of British Empire”.
Em 2006, ficou no 3º lugar da lista dos '50 melhores actores
britânicos dos últimos 50'.
Mas é com certeza a série “Morse” que o distingue e individualiza como “pessoa”.
O seu criador, Colin Dexter (1930-2017) foi professor em Oxford, e trabalhou sempre no
campo da educação. Reformou-se cedo, em 1972, por graves problemas de
surdez.
Num dia chuvoso, em férias no País de Gales, está a ler um livro policial e acha-o tão insípido que decide escrever ele um livro do género. Pensa: “Acho que posso fazer melhor!”
Num dia chuvoso, em férias no País de Gales, está a ler um livro policial e acha-o tão insípido que decide escrever ele um livro do género. Pensa: “Acho que posso fazer melhor!”
Em 1975, sai o livro “O último autocarro para Woodstock”, com a personagem do Inspector Morse - e Dexter ficou conhecido pelo seu Inspector Morse, da Thames Valley Police, condado
de Oxfordshire.
O sucesso vem logo e os livros sucedem-se uns aos outros: o Chief Inspector Morse, o Detective Sargeant Lewis, o Chief Superintendent Strange e a médica legista,
Doctor Russel - e outros que vão entrando e saindo da história- prendem
os leitores.
Depois do sucesso que teve a série “Morse”, escreve o guião para
“Lewis” (2006-2015); em 2102, cria a personagem do jovem Morse, na série “Endeavour”. Morse
chamava-se de facto Endeavour Morse. Mas como
sempre escondeu o seu ‘nome cristão’, que detestava, era chamado, pelos colegas
de Oxford, “o Pagão”.
Colin Dexter teve a coragem de escolher um ‘herói’, sem fazer
qualquer concessão ao que se considerava o ‘herói’: jovem, belo, agradável. Morse,
pelo contrário, não era muito novo, tinha mau feitio, era resmungão, “esotérico
e abstruso”. Estudante de Oxford, abandona os estudos no terceiro ano e, depois de
dúvidas e hesitações, entra para a Polícia.
Morse que “nunca tinha tempo para relatórios”,
“era único” - segundo dizem os críticos ingleses - “quer nas
páginas dos livros, quer na incarnação da personagem nas adaptações para
televisão.”
Inesquecível com as suas manias, a cerveja Bentley Maw, o seu velho Jaguar vermelho, as ‘palavras-cruzadas’ de que é
mestre, e a sua cultura literária e musical.
Grande apreciador de música clássica e muito especialmente de ópera e, sobretudo, Wagner, é por vezes sarcástico, aparentemente frio com os que o rodeiam, egocêntrico e desprendido.
Grande apreciador de música clássica e muito especialmente de ópera e, sobretudo, Wagner, é por vezes sarcástico, aparentemente frio com os que o rodeiam, egocêntrico e desprendido.
É, porém, uma alma sensível que se esconde e que vive solitário
depois de uma história amorosa com uma certa Wendy - que de vez em quando é
referida pelos antigos colegas - e é um sentimental. Por vezes, encanta-se com mulheres interessantes que o deixam e seguem
outros caminhos. E Morse fica sozinho, com a sua cerveja. Muitas vezes, é o sargento Lewis que o não sabe – ou não
pode- acompanhar.
Quando Morse o convida para uma ida ao 'pub', Lewis
que, aliás, só bebe sumo de laranja, diz que tem de ir para
casa. Está lá a mulher e os filhos... "You know?" é uma das suas frases preferidas quando não se sente à vontade com um assunto.
Morse invariavelmente pergunta: “Vai fazer de baby-sitter outra vez?" E Lewis, laconicamente, responde: "Ya."
Morse vai para casa, liga o seu pick-up especial, põe um long play, e adormece no sofá, com um
copo de whisky ao lado. De manhã acorda rabugento, vai trabalhar e implica com o sargento Lewis. Lewis às vezes amua.
Mas adora o
chefe. Quando lhe perguntam se o chefe é bom, responde convencido: "É o melhor de todos!"
Quando, em 1999, Dexter decide acabar com a vida do seu herói, os leitores e o público manifestam-se com enorme desagrado.
Quando, em 1999, Dexter decide acabar com a vida do seu herói, os leitores e o público manifestam-se com enorme desagrado.
Recebe milhares de cartas de protesto:
“Como pôde fazer isto”? “Não tem vergonha?” “Que crueldade!” ou: “Que tristeza!”
Talvez por isso, Dexter tenha recomeçado a escrever agora com a
personagem de Lewis – o actor Kevin Whately - que
subira de grau e era Inspector.
Mais tarde ainda, escreve sobre a juventude de
Morse, Endeavour – com o actor Shaun Evan- e os seus
começos na Polícia Criminal de Oxford…
Morse-John Thaw- morre, realmente, em 2002, na sua casa de campo, em Luckington, pouco tempo depois de ter
assinado um novo contrato para a TV. Tinha 60 anos.
Luckington
St. Martin-in- the-Fields
Foi cremado e, meses mais tarde, em Setembro, realizou-se uma
cerimónia fúnebre na Igreja St Martin-in-
the-Fields, perto de Trafalgar Square.
Mais de 800 pessoas estão presentes nessa cerimónia, entre elas o Príncipe
Carlos, o realizador Richard Attenborough, o amigo Tom Courtenay e, entre muitas outras figuras, a mulher de
Tony Blair, então Primeiro Ministro. Para além dos anónimos admiradores de John
Thaw...
(*) O escritor Colin Dexter recebeu vários prémios pelos
serviços prestados à literatura.
Em 2000, a medalha de mérito (OBE). Em 2001, o prémio de Liberdade da Cidade de Oxford – cidade onde se passam todos os
episódios de Morse. Recebe também o Diamond
Dagger – “Adaga de diamante”,
a recompensa mais notória para um autor de livros policiais.
gosto desse "universo" das séries policiais britânicas
ResponderEliminaruma boa dose de decadentismo, algum cinismo e ... excelentes interpretações.
Gosto muito das três séries, Morse, Lewis e Endeavour.
ResponderEliminarAinda não um livro do escritor.
um beijinho
Gábi
E ontem começou na FoxCrime uma nova temporada de Endeavour.
ResponderEliminarAo tempo que ando afastada de policiais...
ResponderEliminarDias felizes.~
Beijinhos.
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