Há um poema que me encantou
sempre. Que fala de girassóis e malmequeres, que fala da natureza simples, do campo no dia a dia de um pastor...
Trata-se d’ O Guardador de Rebanhos”, do heterónimos de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro.
Trata-se d’ O Guardador de Rebanhos”, do heterónimos de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro.
Mas isto vem a propósito dos tempos que passam, cheios de nuvens perigosas. (Quando chegará o temporal verdadeiro?) dias
que nos envolvem cada vez mais cerrados, assustadores, com essas nuvens de chumbo, de um cinzento
pesado feito de expectativa e desilusão. O nevoeiro que encobre as cidades claras?
O mundo em redor falha por todos os lados
à nossa esperança.
Onde vai rebentar a bomba desta vez? Qual deles tocará no botão vermelho da guerra total? A luz e as trevas.
Afinal para quê a vida se é tão mais potente o desejo de morte e o ódio; a indiferença e o medo?
nevoeiro na de Portalegre (foto de José Fernando, meu amigo desaparecido)
Onde vai rebentar a bomba desta vez? Qual deles tocará no botão vermelho da guerra total? A luz e as trevas.
Afinal para quê a vida se é tão mais potente o desejo de morte e o ódio; a indiferença e o medo?
Refugiei-me no heterónimo mais espontâneo, o menos racional, o mais esperançoso de Fernando Pessoa – onde o poeta parece amar
a vida, simplesmente, e que vive “como se
viver bastasse”.
E se fosse verdade? Se fosse possível o que ele diz?
Recusar o “pensar” e apenas aceitar o “sentir”. Bastar-nos o olhar aberto e sem preconceitos com que se olham as coisas simples da vida. Campos, flores, perfumes, beleza?
Recusar o “pensar” e apenas aceitar o “sentir”. Bastar-nos o olhar aberto e sem preconceitos com que se olham as coisas simples da vida. Campos, flores, perfumes, beleza?
E estarmos abertos e aceitá-las
tal como são. O que não é nunca simples, com certeza. Mas que podemos tentar!
A natureza envolve-nos e isso
basta: ver a sua beleza e acreditar nela, “como
num malmequer”… Sem pensar em mais nada.
Como se houvesse a preocupação
de não pensar de mais, não intelectualizar a vida, viver o mundo pelas
sensações…
“O meu olhar é nítido como um girassol
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que eu antes não tinha visto
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo comigo
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo…
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.
Eu não tenho filosofia, tenho sentidos…
Se falo na natureza não é porque saiba o que ela
é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem sabe o que é amar…
Amar é a eterna inocência
E a única inocência é não pensar.”
No início do poema, escrevera, confessando-se pastor de pensamentos:
“Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha’ alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das estações,
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.”
É isso que pretende afirmar:
como se fosse um pastor, o Poeta considera que o seu rebanho são os
pensamentos. Mas pensamentos que não incomodem, que falem do prazer de viver. Da
contemplação pura da natureza. Olhando para todos os lados . como o girassol, a
flor mais singela que parece querer abranger o mundo no seu olhar: de Oriente e
Ocidente, gira o olhar do girassol…
“Pensar
incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.”
Porque, para o Poeta, o vício
de pensar dá cabo dos homens e da simplicidade existencial, sem ideias feitas
sobre as coisas. Olhando tudo, atentamente, virando-se “para a direita e para a esquerda./E de vez em quando olhando para trás…”
Como o girassol que acompanha o
girar do sol, como se o olhasse, devagar, do oriente ao poente.
E em vez de filosofar, o poeta
prefere contemplar a Natureza, de modo natural, com uma companhia do “sujeito
poético”, do Poeta.
Mesmo sem a conhecer bem. Apenas porque a ama.
E amar não significa conhecer o
que se ama, ou por que razão se ama, mas sim sentir a inocência do olhar e do
amor.
Com um olhar puro, nítido e novo,
como de um recém-nascido. Ou o de um anjo de Botticelli. O olhar que sabe descobrir coisas, ver com o espanto
– o pasmo da ‘novidade’ de cada dia e de cada momento...
Hoje apeteceu-me olhar o mundo
assim como o girassol de que nos fala o poeta! E pedi ao Ouricinho para me ajudar...
(1)
Alberto
Caeiro Poesia, 2ª edição, Assírio
& Alvim, Lisboa, 2004, pp 24-25
Uma bela viagem pintada com os lábios
ResponderEliminarPessoa incomensurável!
ResponderEliminarSinto-me nascido a cada momento/Para a eterna novidade do mundo...
...A única inocencia é não pensar.
...Toda a paz da Natureza sem gente...
...Pensar incomoda como andar à chuva.
Quantas vezes, de jovem, fechei algum livro dele por medo a enloquecer! Fascinava-me demasiado e o que eu queria era ser feliz sem complicações, vestir o coração de domingo e protegê-lo...
Beijinho
E que belo olhar na companhia do Ouricinho, que, poeta que é, compreende tão bem esse olhar:)
ResponderEliminarBeijinhos com saudades:)
Esta é uma boa pergunta: 'Afinal para quê a vida se é tão mais potente o desejo de morte e o ódio; a indiferença e o medo?'
ResponderEliminarSejamos girassóis!