sexta-feira, 14 de setembro de 2018

A LITERATURA POLICIAL E A MULHER




Sempre à procura de Literatura policial, descobri há tempos um livro organizado por Maria de Lurdes Sampaio e Gonçalo Vilas-Boas, ambos professores de Literatura Comparada (1).  Maria de Lurdes Sampaio regeu também a cadeira de "Literatura Policial", na Universidade do Porto.

Trata-se de um conjunto de textos sobre literatura policial composto de traduções de artigos de autores consagrados do género policial e estudiosos do mesmo.

A escolha é bem variada e vai desde Raymond Chandler e “A Arte simples do assassínio” (1944) ou a “Perspectiva filosófica sobre o romance policial” (1962) de Ernst Bloch, como, ainda, a “Filosofia da Série Noire” (1966) de Gilles Deleuze - até ao velho e famoso G. K. Chesterton e “Uma defesa das histórias de detectives” (1902).

Referem a obra de duas mulheres, Priscilla L. Walton e Manina Jones, que se debruçam sobre o problema da ‘mulher-detective’, num livro cujo título em inglês é bem sugestivo - “Does she or doesn’t she? The Problematics of Feminist Detection” (em português: “Sim ou não? A problemática da narrativa de detecção”, 1999).

Por motivos especiais devidos ao meu interesse pessoal pelo assunto, gostei do texto de Priscilla e Manina sobre a problemática da narrativa de detecção feminina. A mulher continua afastada do romance “hard-boiled” (termo intraduzível) americano, do romance duro, tipicamente masculino,  da figura de  Marlowe  ou de Sam Spade... 

É, de facto, pouco usada a figura da mulher-detective, nos autores americanos. 
As duas escritoras, Priscilla L. Walton e Manina Jones, focam esta recente proliferação das mulheres escritoras de literatura detectivesca  - apresentando em livro um estudo profundo e longo das mudanças de sociedade e históricas que implodiram esta popularidade – juntando divertidos textos das escritoras escolhidas. 
 Manina Jones, Prof Univ. de Ontário e Univ. de York

Do lado de cá do Atlântico, a realidade é um tanto diversa: há anos que existia a irreverente, curiosa e (aparentemente) suave Miss Marple, criada por Agatha Christie, escritora inesgotável e muito especial. A sua Miss Marple, observadora inveterada da natureza humana, é, porém, uma detective "acidental".
“Por acaso” surge um assassínio nas redondezas e é, relacionando as condições em que acontece e as atitudes dos suspeitos com o seu conhecimento da aldeia de Saint Mary’s Mead e da mente humana – igual em toda a parte - que ela consegue “detectar” o culpado.
Temos, ainda, o caso de Dorothy Sayers cujo herói é o sofisticado Lord Peter Wimsey, cuja mentalidade e qualidades de observação  são porém bastante femininas.
No entanto, desde os anos 70, escrevem Manina e Priscilla, explodiu, no mercado popular da ficção policial, um sub-género desse tipo de literatura escrita por mulheres e apresentando já uma mulher investigadora profissional. 

Does she or doesn’t she? The Problematics of Feminist Detection”, afinal?...

Impossível, por isso, não falar, das “mulheres-escritoras-policiais” modernas: as “damas do crime” - dos últimos decénios- do Reino de Sua Majestade Britânica. 
Refiro-me a Ruth Rendell (1930-2015) e a P.D.James (1920-2014), para mim as mais relevantes. E, também, ao “alter ego” de Ruth Rendell, Barbara Vine. 
Com protagonistas masculinos, é certo, mas contrabalançados por figuras femininas que têm o seu papel decisivo, na concepção e no desenrolar da história. 
P. D. James tem, aliás, em alguns dos seus livros, uma detective, Cornelia Gray,  que, aos 22 anos, "investiga" e resolve um crime ("Estranha Profissão Para uma Mulher", 2001 Europa-América).



Ruth Rendell (1930-2015) ficará para sempre ligada ao seu Inspector Wexford e ao ajudante Burden. 
O Inspector é um homem muito culto, sensível e humano. Com uma mulher tranquila, chamada Dora, e duas filhas Sheila e Sylvia. Que o enchem de problemas! Um mundo de mulheres, no fundo.

Mais recentemente, surge Ann Cleeves (1954) cuja figura de muitos romances é a Inspectora Vera - que na série televisiva da BBC chamou muito a atenção sobre a escritora.


As duas escritoras são Priscilla L. Walton e Manina Jones que focam esta proliferação recente do assunto das mulheres escritoras de literatura detectivesca apresentando um livro com um estudo profundo e longo das mudanças de sociedade e históricas que implodiram esta popularidade – juntando divertidos textos das escritoras escolhidas. (“Detective- Agency”).
***
(1) O livro intitula-se “Ficção Policial, Antologia de Ensaios Teórico-Críticos”, publicado pelo Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa e pelas Edições Afrontamento, Porto, 2012
(2) Priscilla L. Walton e Manina Jones, “Detective- Agency”, Mulheres re-escrevendo os romances policiais “hard boiled”  Does she or doesn’t she? The Problematics of Feminist Detection”...

10 comentários:

  1. Gostei do que li e é sempre um prazer passar por aqui, porque termino sempre por aprender mais um pouco sobre esses temas que me preenchem os dias. Embora a senhora aqui de casa seja a "especialista" dos policiais, sendo fã da Elizabeth George, já eu adoro a Patricia Highsmith e o seu Ripley, para além da inevitável Agatha Christie. Registei alguns nomes que refere, para futuras leituras.
    Muito boa tarde e bom fim-de-semana!

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    1. è curioso mas eu também adoro essa Patricia Highsmith! Completamente anárquica e nada PC. Louca ! Leu a história do "Observador de Caracóis"? Está numa colecção de contos dela. Vou ver quem é essa Elizabeth George! troca por troca... Abraço a si e à apreciadora de policiais!

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    2. Uma pequena confissão:)
      Foi através do livro "O Observador de Caracóis" que eu e a Paula nos reencontrámos muitos anos depois:) e rapidamente nos casámos, já lá vão 14 anos. Eu adorei o livro e ofereci-lhe, ela odiou o livro,mas foi ele que nos uniu, quando ela viu uma jovem a ler o "Observador dos Caracóis" em Algés e pensou (coitada!) que será feito do Rui e depois esperou pelo Natal e enviou-me um postal.
      Aqui fica a nossa história com o livro da Patricia Highsmith. Uma escritora que adoro;)
      Muito boa tarde!

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    3. Adorei a sua história! Um encontro "preparado" pela Patricia Highsmith, com esse livro terrível, é mesmo "à maneira" da Patricia Highsmith!
      Era uma mulher terrivelmente lúcida, digam o que disserem. Gosto muito dela também! Boa semana....

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  2. Muito interessante.

    Uma curiosidade, um jovem meu conhecido, que há uns anos entrou num curso de investigação criminal, dizia que o curso era frequentado por uma maior percentagem de raparigas.
    Será que a PJ tem muitas investigadoras?

    A Maria João traz sempre temas interessantes para os seus posts.

    Beijinhos e um bom fim-de-semana:))

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    1. Isabel, se estiver interessada em ler O Observador de Caracóis pode requisitá-lo na Biblioteca de Castelo Branco, isto supondo que não o tem. :)
      Maria

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  3. O meu conto favorito da Patricia Highsmith é "O Homem que escrevia livros na cabeça", incluído no livro de contos "Levemente, levemente ao vento" (edição Distri).
    Muito boa tarde!

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  4. Também gosto muito da Patricia Highsmith e dos seus livros têm saído excelentes filmes:
    - Plein Soleil do René Clément
    - O Talentoso Mr. Ripley do Anthony Minghella
    - O Jogo de Ripley da Liliana Cavani
    - Carol do Todd Haynes, este de temática diferente.
    O Observador de Caracóis é realmente uma história arrepiante, mas em começando a ler não há como parar.
    Quem também escreve umas histórias bem misteriosas e macabras é a Daphne du Maurier, algumas adaptadas para cinema por mestre Hitchcock: Os Pássaros, Rebecca ou a Pousada da Jamaica.
    Destaco ainda 2 contos que acho fantásticos: Don't Look Now e The Apple Tree (não sei se estão traduzidos).
    Maria

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