domingo, 13 de outubro de 2019

FALAR DE LUÍSA MOREIRA


Comecei a ler o livro “Prateleiras de Insignificâncias”, de Maria Luísa Moreira (1).

Um livro que é um grito, um desabafo sentido de alguém que se abre ao mundo, sem receios de incompreensão, sem falsos pudores, sinceramente. Porque a autora é assim: um grande coração sem medo de o mostrar.
O livro consta de pequenos contos, às vezes só uma página, ou meia página, que bastam para comunicar, desabafar, mostrar o entusiasmo ou contar das tais “insignificâncias” que se encontram como prateleiras nas estantes.
Fotografia de M.J.F.

 O livro está dividido em três prateleiras: a de cima, a do meio e a de baixo, conforme os assuntos.
Fotografia de M.J.F.

Por vezes podemos encontrar nele uma página da melancolia do tempo que passa e, então, chega-nos uma nostalgia profunda que se reaviva sem saudosismos fáceis e inúteis - sentimento puro de saudade das pessoas, dos lugares que amou e onde foi feliz. 
 Fotografia de M.J.F.

Tudo muda, claro, e cita o grande soneto de Camões. Mas reconhecendo, tal como o poeta, que nem tudo muda para pior, pode até  “tomar sempre novas qualidades...

“Mudam-se os tempos, Mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é feito de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.”

E a ideia da “mudança” pode ter suas vantagens porque se nada mudasse a comodidade da rotina dos dias levaria a grandes males e à paragem do que nos chega “novo” abrindo outros caminhos.
 Fotografia de M.J.F.
Tenho sentido essa mudança, ao longo da vida, numa vivência de primeira pessoa nem sempre suave. Já perdi muita coisa, já ganhei muitas outras.” (pg. 102)

A Educação, por exemplo, é um dos pontos que mais é referido nestas páginas. Luísa Moreira leva muito a sério a sua profissão de professora e não a assustam as mudanças para melhor (Que não se muda mais como soía, lamenta Camões, mas ela não), as que possam transformar o “futuro a haver” em esperança.
Fotografia de M.J.F.

O melhor tempo é este, afirma Luísa Moreira: “é este presente futuro do passado, é este passado de um futuro a haver”.

 É comum (...) encontrarmos resistência à mudança: Afinal, sairmos da nossa zona de conforto, sermos confrontados com situações que desconhecemos, desafiados para práticas que não dominamos completamente, provoca alguma ansiedade, angústia mesmo. (...) No entanto, se nunca sairmos da nossa zona de conforto, se nunca nos confrontarmos com a necessária transformação de práticas, nunca evoluímos!” (pg.250)
Fotografia de M.L.M   
Professora que continua a acreditar que se pode ensinar os alunos “com prazer” (para ambos os lados), por isso prepara “aulas divertidas e interessantes” (pg109), mesmo que, para isso, perca horas de repouso da noite.


Tenho consciência de estar a viver um momento histórico, o Tempo da transformação profunda do paradigma educativo. (pg. 251) Luísa Moreira não tem medo dessa aventura criativa, quer avançar para esse futuro com os seus alunos e não “ficar na estação a ver o comboio passar...”

Olhar observador e cáustico sempre leve ironia, a criticar -do grego criticar-, isto é, “peneirar o que é desnecessário”, explica. As ambições e o "carreirismo", o ridículo de certas atitudes e do desejo desenfreado de alguns de competirem para derrotar – isso ela quer desmistificar. Sempre, porém, a grande humanidade quando se lhe depara a fragilidade das pessoas.

A reacção aos lugares-comuns dos que lhe dizem: “Há sempre um amanhã! quando a verdade é que nem sempre há e, por vezes, só sobram ontens”. (pg. 128)
Fotografia de M.L.M

Um pequeno apontamento muito belo é “O portão verde” – “a saudade de um tempo feliz, na velha casa amarela”, na Serra de São Mamede. “Nessa velha casa amarela tinham passado sonhos infantis, lágrimas muitas, ternuras sem limites”. (pg. 129) 
O seu mundo é o dos afectos/desafectos, dos sentires, das ilusões/desilusões e da insónia. Também da vontade inabalável de continuar em frente custe o que custar. Com a sua Serra no olhar.
Serra de São Mamede
Acordo a saborear o escuro. Lá fora, baixinho, o vento insistia na melodia soprada. Lá dentro, em casa, o silêncio imperava” (pg.132) e a insónia instalava-se com os “pensares”. A saudade, a solidão, os sentires esconde-os.

Viajante incurável da ilusão”, como se considera, conhece a sua diferença e afirma-a: “desejo não ter receio de ser assim diferente e estranha”.
A mulher que não se envergonha das lágrimas que chora. “Eu choro. Eu sei que não há lágrimas inúteis...” (pg.144). O passado não está lá. O passado foi para o mundo dos sonhos e a espuma das ondas – e nunca mais é verdade.

A professora que acredita “no sonho de lutar por uma Escola melhor”, desfaz-se em mil tentativas para que as suas aulas não sejam vazias, aborrecidas, repetitivas ou apenas afirmativas. 
Livraria em San Francisco
 A última prateleira, a de baixo, que define como: “Ali. Onde é preciso ajoelhar para encontrar. Onde só encontra quem procura” é quase só dedicada à Escola.
No sonho de fazer dos seus alunos “seres pensantes e críticos”. A páginas tantas escreve: “A minha crítica não é apenas um desabafo cansado. É, sobretudo um alerta para a mudança. A rotina não é boa conselheira (...) penso que cada vez é mais importante educar para a cidadania, para o respeito democrático, para o respeito do outro”.(pg 241) Abrir horizontes é uma das suas preocupações.
Mar (foto M.L.M.)

 Defende a Escola Pública que “tem como primeiro e principal objectivo promover o sucesso dos seus alunos.”
A escola tem efectivamente um papel na educação dos alunos. Os alunos fazem parte dos “problemas da Escola”, insiste. 

A Escola tem de se centrar na resolução dos seus próprios problemas! A Escola tem de agir sobre aqueles que pode influenciar e esses, sem dúvida, são os alunos..."
Fotografia de M.J.F.
 
 Desistir não faz parte do seu vocabulário. Continuar, avançar, ir! - isso sim.  Sei que Luísa Moreira se teria entendido bem com uma outra Mulher e Professora, Irene Lisboa.

“Sonho com uma Escola viva. Uma Escola onde os alunos são pessoas, onde a equidade é efectiva, onde a criatividade, a originalidade e a individualidade não sejam palavras vãs. Sonho com uma Escola de fazeres e de pensares, com salas de aula feitas de cumplicidade e descobertas, de relacionar e (re)criar.” (pg. 220)
É um livro que aconselho. Com tanta coisa importante, a sinceridade, poesia, nostalgia dum mundo que passou, mas com os sentires, os afectos bem no presente - neste mundo de indiferença e hipocrisia que tende a ser o nosso de hoje.

Um livro que me tem feito companhia, me tem feito sorrir, comover, esperar, acreditar.
Um livro que me leva a continuar a pensar que a Utopia não morre nunca. É uma coisa que nos une - a autora e eu.

***
(1)Maria Luísa Moreira define-se deste modo: “mulher, mãe, avó, professora, lagóia (2)”. E acrescenta: “Marcada pela Serra de S. Mamede e pela imensidão do Alentejo, pela essência da terra que pisa”. 
 Serra de São Mamede (net)

(2)A palavra “lagóia” não vem nos dicionários. Encontrei num blogue portalegrense “largodoscorreios” uma explicação: “apodo dado aos portalegrenses que se supõe vir de “langor”, “langóia” (moleza, preguiça). Portalegre é cidade de há muito industrial, com fábricas que ocupavam muita gente; quando por qualquer motivo fechavam por algum tempo, por falta de matéria-prima ou outras razões, os “sem-trabalho”, os inactivos, ficavam nas ruas, às esquinas, nos largos, à espera de melhores dias, dado que não estavam habituados aos trabalhos nos campos.”https://largodoscorreios.wordpress.com/2013/05/07/entre-lagoias/
Ainda hoje se usa o termo para referir os portalegrenses. Existe mesmo um grupo coral de sucesso chamado Os Lagóias.

(3)Colaboradora da imprensa local desde 1990, M.L.Moreira é, também, autora de duas novelas Nu Feminino (2001) e Por coisa nenhuma (2002)

9 comentários:

  1. É um privilégio ser lida, e assim compreendida na cumplicidade da escrita, pela Maria João que ocupa um lugar enorme no meu coração. OBRIGADA por estar aí, presente mesmo no silêncio. Um abraço bem apertado!

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  2. De facto a Luísa é um ser à parte e a Maria João fez uma boa análise, não só do livro mas, também, da Pessoa!
    Obrigado pelas suas palavras… que, como bem sabe, me tocam, também, no fundo da alma e do coração!
    Beijinhos

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  3. Acho a capa do livro muito bonita e gostei do título!

    Adorei a foto da livraria de S.Francisco. Podia ser em Portugal...uma livraria É uma livraria!

    Beijinhos e continuação de boa semana:))

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    1. E os livros e as prateleiras cheias ~são a nossa tentação....beijinhos

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  4. Maria João,
    Fiquei com muita vontade de ler o livro. Não sou professora, mas estou rodeada de prateleiras repletas de conhecimento. Umas mais a cima, outras nem por isso, mas em que quase sempre vale o esforço de ir espreitar o que está em baixo! O livro foca temas que me são caros: educação, o respeito, a persistência, os sonhos, a própria realidade que muitas vezes é uma desilusão, a vida, os outros...
    Ainda hoje o vou procurar!
    Parabéns à autora e parabéns à Maria João que de uma maneira sublime nos apresentou o livro!
    Beijinhos.:))

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  5. OS MEUS PARABÉNS, QUERIDA MJ.
    POR LONGOS ANOS, TENHA VENTURAS SEN FIM.

    Uma excelente apresentação e sugestão.
    Percebo que está com uma leitura muito agradável.
    Beijinhos festivos.
    ~~~~

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  6. Obrigada a todos pelas mensagens - e pelos parabéns, Majo Dutra. Ler é sem dúvida uma das coisas melhores que há na vida! E os livros que nos interrogam fazem-nos interrogar a vida. E ficar a saber mais alguma coisa!

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  7. Toda a pessoa que escreve o que sente e pensa é digna de respeito e admiração.
    Tens muita sorte em ter grandes amigas tão interessantes como a Luisa, outras já vão faltando, que o pior de fazer anos é fazer ausências. Espero que as férias em Trieste sejam magníficas! Depois dum bom finde, claro... Beijinhos

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