quarta-feira, 15 de abril de 2020

BARTLEBY, O ESCRIVÃO, de Herman Melville......

Herman Melville à esquerda (óleo de autor que desconheço)


Venho lembrar um livrinho precioso que fala do mal de viver, da solidão e do sem sentido da vida. Trata-se de “Bartleby”, escrito por Herman Melville (1), em 1853, e publicado, mais tarde, com outros contos em The Piazza Tales
Melville era um grande escritor do qual se recorda sobretudo “Moby Dick”, a Baleia Branca, mas Herman Melville escreveu muito mais do que isso – se bem que “isso” já fosse suficiente para mostrar que era um grande escritor.
Ninguém que tenha lido o livro esquecerá comandante Ahab e a caça à baleia Moby Dick. Como se se tratasse da luta eterna e até à morte, do Bem contra o Mal, tema que aparece recorrente na obra de Melville. E lembro a bela novela "Billy Budd, o Marinheiro".
Voltemos, porém, à história que aqui me trouxe. “Bartleby” é uma história estranha, cujo personagem principal, um anónimo escrivão de um escritório de advogados, é uma figura invulgar: praticamente não fala, quase não come e quase não faz nada. De facto, quando solicitado a fazer uma tarefa - que não seja o simples trabalho de copista para que tinha sido contratado -  limita-se a responder: “Prefiro não fazer”. 
A frase “I would prefer not to” passa a ser a sua resposta a qualquer pedido, ou ordem, do advogado – o narrador da novela - para quem trabalha.
Vive na negativa, fechado num mundo seu que não existe para os outros, recluso – ou excluso?-. senta-se todas as manhãs, à secretária virada para a janela de onde se avista apenas um muro e copia, copia até o escritório fechar. 

Para onde vai? Onde vive? Ninguém sabe. Sairá do escritório para comer ou beber uma cerveja no intervalo do almoço? Nunca sai e ninguém o vê comer.
Num fim de semana, o patrão ao passar pelo escritório  descobre que, afinal, Bartleby dorme ali. A sua vida de solidão emociona o chefe de Bartleby. Sente pena por um lado mas irrita-o ao mesmo tempo saber que Bartleby abusara da sua confiança.
Wall Street, hoje


O centro da Wall Street, de noite e aos domingos, é vazio e a cidade é desoladora – “como uma cidade fantasma”. Por isso o narrador escreve que esta “era a história do homem mais estranho que conhecera”.
Estranho, sim, pela sensibilidade excessiva, pelo isolamento voluntário, pelo silencio. 

Mais tarde, soube-se que o jovem Bartleby trabalhara antes nos Correios, no Dead Letter Office, a secção das “cartas perdidas” - aquelas que nunca chegavam ao destino e eram destruídas. Talvez viesse daí a sua enorme melancolia - causada pela consciência da efemeridade de tudo. 

"Vive como se não esperasse nada, porque nada tem sentido?"
A acção passa-se em 1853. No entanto, podia passar-se no mundo moderno, neste nosso tempo de solidão e de indiferença.
Bartleby é  considerado a figura do absurdo “avant la lettre”, antes do “absurdo” de Franz Kafka (1883-1924)  ou de Albert Camus (1913-1960, Prémio Nobel em 1957), e do próprio existencialismo em que se inspiram. (2)

Lembra personagens “absurdas” de Gogol de “O Nariz”, ou de Fedor Dostoievsky d’ “O Duplo” ou de “Os Possessos”.

 Bartleby simboliza o homem perdido num mundo de que não se sente parte integrante, no qual não se insere. Sozinho, para ele a sociedade e o mundo são absurdos - não o entendem e não têm para ele, também, qualquer sentido.
 “Qual o sentido da vida se a morte é o fim do Homem?”, perguntou o grande Tolstoi.
Bartleby está vivo, como se estivesse morto, com pessoas à volta que nem vê, nem o vêem, na cidade que o rodeia, enorme e fria.
O narrador termina a história murmurando: “Oh! Bartleby! Oh Humanidade!”
A novela “Bartleby” apareceu publicada, anonimamente, na revista americana Putnam’s Magazine, dividida em duas partes. 
A primeira parte surge em Novembro de 1853 e a segunda em Dezembro do mesmo ano. Em 1856,  como escrevi acima, a novelinha é de novo publicada com outras histórias de Melville no livro intitulado The Piazza Tales
Procurem o livro, Bartleby. E poderão seguir o desenrolar desta novela imprevisível, cheia de humor e ternura. 


 (1) Herman Melville, escritor norte americano. Nasceu em 1821 em  Nova Iorque e em Nova Iorque morreu em 1891, completamente esquecido por todos, depois de ter sido um autor de sucesso. 





(2) NOTA SOBRE a chamada Teoria do Absurdo –ou Absurdismo. É uma filosofia relacionada com o existencialismo e com o nihilismo. As ideias do filósofo dinamarquês pessimista Soren Kierkgaard terão dado origem à filosofia do Absurdo.

Também Franz Kafka (Praga 1883-1925), escritor checo de origem hebraica, fala do mesmo absurdo, no início do século XX.   
Em 1920, Kafka entrega uns papéis ao seu amigo Max Brod pedindo-lhe que os destrua. Mas Brodd acha que os tem de publicar e assim aparece, em 1925, depois da morte de  Kafka. “O Processo”. 
Neste livro refere-se a vida absurda de Joseph K. Vive numa atmosfera claustrofóbica e distópica onde nada existe com algum sentido ou explicação. As suas perguntas e dúvidas sobre a sua situação ficam sem resposta.
Da filosofia do Absurdo é Albert Camus  (escritor e filósofo francês nascido na Argélia) a figura mais marcante.
“Le Mythe de Sisyphe” (*) é o livro em que mais se sente consciencializada a sua teoria. 

O Homem procura o sentido para a vida, procura a unidade e a clareza num mundo desprovido de Deus e eternidade. Conclui que tudo é absurdo, o Homem terá de arrastar toda a vida uma condição absurda. Deverá recorrer ao suicídio?
Para Camus, essa condição “exige, sim, a revolta”. Do mesmo sentimento de absurdidade fala André Malraux, em “La condition humaine” e em “Conquérants”, e a sua resposta para um “mundo sem sentido ao fim do qual está a morte” vai ser “Felizmente, existe a Acção!”

(*) O Mito de Sisifo baseia-se num mito da cultura grega. Sísifo foi castigado pelos deuses a carregar um pedregulho até ao cimo da montanha – de onde resvala até ao sopé, tendo de recomeçar tudo de novo.
"Sisifo", por Tiziano, 1549

10 comentários:

  1. Gosto muito da forma como conta os livros que lê...já o disse não disse! :))
    Vou ver se compro o livro Bartleby.

    Beijinhos e muita saúde:))

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  2. É a eterna questão sem resposta alguma. Creio que Bartleby tem muito do próprio Melville, eu pessoalmente emocionei-me mais com este livro que com Moby Dick, que me custou muito ler, confesso. De todos modos passou tanto tempo já disso, que mal recordo as duas leituras. Tenho a memória feita uma passa e a vista também, assim que cada vez leio menos. Cést la vie...Aprecio muito a agilidade mental que conservas! Que continues assim por muito tempo, um beijo grande.

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  3. "Moby Dick" gostei muito, há tantos anos quando lia as grandes epopeias! Mas Bartleby é bom sempre ler e reler. Tanto dos nossos dias - e de sempre.
    Agora estou a ler "Billy Budd,o marinheiro". O último livro que escreveu, em 1888, já com 68 anos (ia morrer dois anos mais tarde!)
    Beijinhos

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  4. Desapareceram-lhe duas fotos, deste post. A mim também me desapareceu uma do post da Páscoa, mas já a repus. É estranho!

    Já encomendei o Bartleby.

    Beijinhos e bom domingo:))

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    1. Já reparei Isabel, nem me lembro o que eram...Talvez houvesse direitos sobre elas. Beijinhos minha querida!

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  5. Tenho o livro na edição da Assírio & Alvim, que a Maria João colocou. Fiquei com imensa vontade de o ler. A Maria João tem um dom especial para explicar as coisas e abrir o apetite sobre elas!
    Agora ando a ler a correspondência entre Jorge de Sena e Mécia de Sena e anteriormente li a correspondência entre Vitorino Nemésio e José Régio.
    Beijinhos e abraços, mesmo virtuais.:))

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    1. Ler é sempre um remédio para tudo, até para as pandemias! ler repousa-me, faz-me pensar, faz-me acreditar. Foi sempre assim. Jorge de Sena é uma pessoa inesquecível. Encontrei-o em Roma, o Manuel viajou com ele até à Sicília onde foi receber um prémio, em Taormina. Gosto do que escreve. Era uma pessoa muito afectiva e desconfiada de que ninguém o sabia amar e compreender. A Mécia era uma força da natureza, havia quem tivesse medo dela, protegia-o como um cão pitbull! Regio/Nemésio deve ser muito interessante. Beijinhos

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  6. Gostei muito deste texto e fiquei com vontade de ler os dois livros aqui referidos - dele só li e há muitos anos Moby Dick, também tenho de o reler
    um beijinho

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    1. Querida Gábi, vale sempre a pena ler Melville. Teve uma vida rica de experiências humanas, nos baleeiros, nos mares, nos portos que ele dizia terem sido a sua Harvard. Culto e inteligente, er um homem bom e uma grande alma, como dizem todos. Por isso se lê sempre bem : é a sua enorme humanidade! Muitos beijinhos. Penso em ti e desejo que tudo esteja bem

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