quarta-feira, 22 de abril de 2020

BILLY BUDD, de Herman Melville


Ando a dar a volta aos velhos livros que me entusiasmaram e acompanharam na adolescência. Descobri Herman Melville e "Bartleby". Hoje quero falar de "Billy Budd".
Melville foi um grande escritor americano do qual recordamos sobretudo “Moby Dick”, a Baleia Branca, que Melville começa a escrever em 1850 e é publicada em 1851.


Herman Melville pertenceu ao movimento literário American Renaissance (entre 1830 e 1860) ou American Romanticism. Contemporâneo e amigo de grandes figuras da Cultura americana – Thoreau, Nathaniel Hawthorne (o autor de A Letra Escarlate) e Ralph Wade Emmerson, filósofo “transcendentalista” - Melville pertenceu  a esse movimento do qual se afastou mais tarde. 

Pouco antes, em Agosto de 1850, dera-se o seu encontro com o escritor Nathaniel Hawthorne (1) e surge uma grande admiração mútua depois transformada em amizade. 
Melville decide interromper Moby Dick para escrever um longo ensaio sobre o livro de Hawthorne, Moses from the Old Manse, na revista Democracy, onde elogia o escritor dizendo que “tinha conquistado a sua admiração pelo seu génio.”  
Ninguém que tenha lido o livro esquecerá a história do Capitão Ahab e da sua caça à baleia Moby Dick. Mas o seu autor escreveu muito mais do que isso  – se bem que “isso” fosse suficiente para ser considerado um grande escritor. 
É a história da eterna luta do Bem contra o Mal, um dos seus temas preferidos, e é narrada por Ishmael, que assiste aos acontecimentos. O livro não tem grande sucesso na altura. Vai ser descoberto e muito apreciado, porém, no século XX.

Era o momento pré-Guerra da Secessão (2) e Melville, através da figura do capitão Ahab, revela-se o símbolo da negação do Transcendentalismo em que acreditara. 
Acha que, no momento que se vive - rebentara uma Guerra Civil  que vai durar de 1861 a 1865 - é importante “desconstruir” o trabalho de Emmerson. O fundameto o “movimento transcendentalista” pode trazer ideias perigosas
Melville pretende avisar contra o perigo que pode surgir: a tirania de um só e a passividade de muitos. A sua preocupação tinha muita razão de ser, se pensarmos no que aconteceu no século XX e que, neste mesmo século XXI, continua a acontecer.
Billy Budd, imagem do filme

E passo para o livrinho que hoje aqui me trouxe: Billy Budd, the sailor, novela iniciada em 1888 e publicada, postumamente, em 1924, trinta anos depois da morte do seu autor em 1891.
De facto, Melville, perante o insucesso da sua obra passada, afastara-se dela. Era um homem honesto, uma grande alma e percebera que tinha de ganhar a vida para educar os seus. Sem dinheiro nem amigos, escrevia apenas os poemas que ele próprio publicava.
Em 1863, aceita um lugar, como oficial alfandegário, e muda-se para Nova Iorque. Aos 68 anos, em 1888 quando tardiamente teve algum dinheiro, despediu-se do Office da Alfândega e retomou a pena. E, nesse ano mesmo, começou a escrever Billy Budd.
 A novela Billy Budd Foretopman é considerada uma pequena jóia da literatura norte-americana. O seu autor morre três anos mais tarde, em 1891, praticamente esquecido por todos.
Na edição que leio, em francês (3) o Prefácio é de de Henriette Guex-Roll, conhecedora da obra de Melville. Muito vivo e interessante, encontramos a inteligência da autora no entendimento, de grande empatia, com a obra e o escritor. 
Segundo Henriette Roll esta novela “é uma ‘epopeia’ quanto ao fôlego e quanto à progressão vertiginosa. O enquadramento é um navio de guerra da época heróica. O drama é o mais antigo de que o homem tem memória (...) o combate primeiro entre o Bem e o Mal. E o herói Billy representa o homem, no Éden, puro e iluminado pela inocência absoluta, a inocência do homem antes da queda”. 
A acção é a seguinte: num navio de guerra, a meio do mar, cruzam-se o Bem, o Mal e o Destino – aqui simbolizados pelas três personagens mais importantes do livro, “figuras” bem humanas e, por isso, tudo é mais chocante. 
Billy, o jovem e belo marinheiro de coração puro (o Bem), é acusado por Claggart (o Mal) de querer fazer um motim no navio de guerra, O Indomável, cujo capitão é o capitão Vere (aqui o Destino).
Claggart é o mal original, Satan, o Anjo Caído, que ambiciona aquilo que não pode ter e sofre por não poder atingir a Beleza – e odeia-a, quer destruí-la.
Escreve Henriette Roll:
Billy Budd é um livro que devemos merecer, Só se abrirá um pouco ao leitor apressado. Mas os que se lhe dedicarem uma vigilância amorosa encontrarão recompensa. È o testamento espiritual do seu autor, um escritor entre os maiores, com uma alma que faz parte das mais torturadas. (...) É o adeus ao mundo do artista a quem “a baleeira serviu de Yale College e de Harvard” - daquele que, de marinheiro aventuroso e aventureiro, passou a agricultor e que, aos 47 anos, para alimentar mulher e filhos, passou de agricultor a oficial alfandegário. Tímido, quase selvagem, fugia da convivência do mundo.

Em 1797, quando a história começa, fora suprimido o Grande Motim em Spithead. Tratava-se do motim no barco Bounty. 

Mais tarde, em Nore, num barco militar, a tripulação amotina-se e mata o comandante. O temor de que aconteça nova rebelião é grande para a marinha.
Nesse ano, Billy Budd, marinheiro do navio mercante Rights of Man, é conscrito na Marinha Real Inglesa, no navio Bellipotent, no mar Mediterrâneo.
Apesar de descontente, porque se habituara ao barco e aos outros membros da tripulação, tem de aceitar. Mas depressa se ambienta devido ao seu feitio aberto: é jovem, é crédulo e gosta de viver. 

Como tantas vezes acontece na vida, a sua beleza e bondade levam o contra-mestre do navio, John Claggart, a odiá-lo e a planear a sua perda.
O tempo no mar passa tranquilo, Billy é o homem da gávea (Foretopman) e, lá no alto, não se dá conta de nada, e vve noutro mundo,  ais perto do céu e dos pássaros. 

Mas o ódio do contra-mestre Claggart vai crescendo. Acaba por acusar Billy de ser o instigador de um motim a preparar-se entre a tripulação do navio. O capitão Vere não quer acreditar – ele que é justo e procura a verdade e a paz - compreendera Billy, acreditava na inocência dele. 

A situação tem de ser investigada com cuidado, é melindrosa a situação porque um amotinamento é uma coisa gravissima. O capitão resolve, então, reuni-los na sua cabine para ouvir as explicações de ambos.
 “O Vingador dos mares”, 1962
Billy, ao ouvir as acusações do contra-mestre, fica tão chocado que não consegue articular uma palavra. Billy era gago. A sua reacção vai ser de tal modo fisicamente violenta que – não vou contar, claro - causa a sua perdição.
No último capítulo, aparece a Balada dedicada a Billy Budd e assim se fecha a sua história, com a poesia de Melville. Toda a história, porém, tem muito de poesia – de facto, o seu autor foi também um grande poeta.
***
A história deste marinheiro foi adaptada a ópera por Benjamin Britten e levado ao cinema por Peter Ustinov (4/5).
Outras obras de Herman Melville:
Redburn”, em 1849; “White-Jacket”, em 1850, tiveram algumas boas críticas.
“Moby Dick”, 1851, apesar de ser considerado um dos “grandes romancistas americanos”, o livro não foi muito apreciado pela crítica do seu tempo.
Tal como a novela psicologista “Pierre : or The Ambiguities” que sai em 1852.
De 1853 a 1836, escreveu algumas short stories, depois reunidas na Antologia “The Piazza Tales” (1856). Em 1857, escreve o último trabalho em prosa, “The Confidence-Man”.
Em 1866, publica as suas reflexões sobre a Guerra Civil Americana.

NOTAS:
(1)
Nathaniel Hawthorne, poeta, novelista e romancista americano, nasce em 4 de Julho de 1804, em Salem, e morre em 19 de Maio de 1864, em Plymouth. Os romances mais famosos são A Letra Escarlate (1850), The House of the seven Gables (1851) e O Fauno de Mármore (1860), quando o autor passa em Itália um ano com a mulher. Fernando Pessoa traduziu A Letra Escarlate e existe essa tradução publicada na editora Relógio d’Água.


(2) A Guerra Civil da América. Guerra travada nos Estados Unidos da América entre o Norte (a União) e o Sul (os Confederados). Começou como resultado de longa controvérsia sobre a escravatura dos negros. Eclode em 1861 (até 1865) quando as forças separatistas atacaram Fort Sumter, na Carolina do Sul, pouco depois de Abraham Lincoln ser eleito Presidente dos Estados Unidos. 

Os Unionistas proclamaram apoio à Constituição. Enfrentaram os secessionistas dos Estados Confederados. Em 1865, o General Lee (confederado) entrega-se ao General Grant (Unionistas)


 (3) “Billy Budd, gabier de misaine” ed. La Petite Ourse, La Guilde du Livre,  Lausanne 1960). O que seria em português "Billy Budd, o homem da Gávea". 

(4/5) "Billy Budd",  Ópera de Benjamin Britten, compositor britânico, estreada na Royal Opera House, em 1951
 
E “O Vingador dos mares”, 1962, filme britânico realizado por Peter Ustinov, com Terence Stamp, Robert Ryan e Peter Ustinov. É uma adaptação da versão teatral do conto "Billy Budd".

3 comentários:

  1. Muito interessante!
    A Maria João devia ser uma excelente professora. É um prazer "ouvi-la"!

    Beijinhos, saúde e depois de amanhã falamos:))

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    1. Obrigada Isabel . minha fiel leitora! Gostava que tivesses sido minha aluna. Eu sempre gostei de aprender, para ensinar. Foi uma das coisas melhores da minha vida ter podido ser professora. Quando se ama o que se faz, tudo se transforma. Não +e todos os dias, claro, nem com todas as turmas... Sei que a ti acontece o mesmo.Beijinhos

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  2. Li o comentário e resposta em cima e pensei que gostaria muito de a ter tido como professora, mas aqui acaba por o ser um bocadinho. Ler estes textos lembra-me do meu projecto de para este ano ler livros melhores - para já estou mais a ler livros que entretém.
    um beijinho e uma boa noite

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