Para
quê escrever um livro destes? Com tanta dureza, frieza e objectividade. É uma
pergunta que podemos fazer à autora. Para ser lido!, seria a resposta mais banal. Sim. Mas não
apenas por essa razão, na realidade. Neste caso preciso, a escritora quer “interpelar” a vida e o homens - e a razão do Mal e do Bem - quer "provocar-nos" todos - para termos uma reacção. Pretende que os leitores se interroguem. É
urgente pensar. É urgente entender.
Falo da escritora irlandesa Edna O’Brien e do livro Na Floresta, traduzido pela editora Cavalo de Ferro. Um livro de grande interesse exactamente porque se
interroga sobre graves problemas da nossa época.
Gosto
dos livros de Edna O’Brien desde a
leitura de Country girls (1960), Girl with green eyes (1962) e Girls in their
Married Bliss (1963) que, na altura, não era ainda uma “trilogia”.
Os volumes iam
saindo pouco a pouco à medida que os escrevia, sendo sempre uma “crónica” da vida de Kate Brady e Baba Brennan, dessas
jovens inexperientes do meio rural para Dublin e Londres. irlandesa e dos seus
problemas.
que, na altura, era um livro quase "de escândalo", na burguesa e católica Irlanda dos anos 60. Nasce em Tuamgraney, Count Clare, em 1930, na província irlandesa. Uma “crónica” dessas jovens inexperientes da província irlandesa e dos seus problemas de emancipação à vida para a cidade. Em português intitulou-se "Raparigas da Província" e foi publicado em Portugal pela editora Relógio d'Água.
Edna O’Brien, em Londres
O amor mais livre, os bares, os cafés, as bebidas, os desgostos, as surpresas negativas, a sensação final de que a liberdade é um bem demasiado importante que não pode ser desperdiçado de um modo qualquer.
Completamente
diverso é este romance e muito difícil de ler
até ao fim. A personagem central, um jovem a-social, Mich O' Kane, que vivera abandonado e "estacionado" em orfanatos.
Mich, como escreve Edna O'Brien, "fora uma criança de dez anos e onze e doze anos, e depois deixara de ser criança porque tinha aprendido coisas cruéis que lhe ensinavam nos lugares com nomes de santos."
Jovem desequilibrado (meio louco assim o julgam quando volta à terra natal, todos o receiam, porque não tem o sentido do equilíbrio, da ética, da sociabilidade, do respeito. Que ninguém lhe ensinara, muito pelo contrário tinham falhado em encaminhá-lo para esses valores, "pisando-os" quando o pisavam.
A floresta é o único lugar do mundo onde encontra paz, onde os sonhos não poluídos ainda existem.
Mich, como escreve Edna O'Brien, "fora uma criança de dez anos e onze e doze anos, e depois deixara de ser criança porque tinha aprendido coisas cruéis que lhe ensinavam nos lugares com nomes de santos."
Jovem desequilibrado (meio louco assim o julgam quando volta à terra natal, todos o receiam, porque não tem o sentido do equilíbrio, da ética, da sociabilidade, do respeito. Que ninguém lhe ensinara, muito pelo contrário tinham falhado em encaminhá-lo para esses valores, "pisando-os" quando o pisavam.
A floresta é o único lugar do mundo onde encontra paz, onde os sonhos não poluídos ainda existem.
Aqui,
o facto de escrever livro será algo mais: a necessidade de o autor querer abrir
um “diálogo”, a vontade de comunicar o que aprendeu e de ser um “testemunho” do
que viu, do que soube e do que não pode aceitar.
Falar
do amor, do desamor, do abandono, do ressentimento de quem amou e não foi amado.
Falar de uma realidade estranha, inacreditável que ela vai “dissecar” para
compreender o que falhou e como poderiam ter sido diferentes as coisas. "Se"...
Para
Edna, neste livro, escrever é revelar a sua incredulidade, “abrir” um mundo (interior
ou exterior?), a procurar entrar na mente de alguém que sofreu na pele e causou tragédias.
Quer entender as causas de algo que a chocou profundamente. Confia-se a nós, abre uma “porta” sobre uma realidade insuportável e quer conduzir-nos a interpretar os factos.
Quem fora "antes" Mich O'Kane? Por que se transformara no "bicho papão" que aterrorizava a aldeia? Por que fugia para a floresta, o único lugar em que se sentia a salvo? Era o seu mundo seguro, o seu pequeno paraíso em que podia ainda sonhar e acreditar que um dia a floresta, ou alguém da floresta, o iria salvar. Até perceber que isso nunca aconteceria.
Mich O'Kane transformara-se (a vida transformara-o?) em alguém que fere e mata para perceber a razão da sua tragédia: por que foi assim a sua vida e por que lhe fizeram o que lhe fizeram e o transformaram naquele “monstro.
Não é só ele, porém, que ama a floresta.
Quer entender as causas de algo que a chocou profundamente. Confia-se a nós, abre uma “porta” sobre uma realidade insuportável e quer conduzir-nos a interpretar os factos.
Quem fora "antes" Mich O'Kane? Por que se transformara no "bicho papão" que aterrorizava a aldeia? Por que fugia para a floresta, o único lugar em que se sentia a salvo? Era o seu mundo seguro, o seu pequeno paraíso em que podia ainda sonhar e acreditar que um dia a floresta, ou alguém da floresta, o iria salvar. Até perceber que isso nunca aconteceria.
Mich O'Kane transformara-se (a vida transformara-o?) em alguém que fere e mata para perceber a razão da sua tragédia: por que foi assim a sua vida e por que lhe fizeram o que lhe fizeram e o transformaram naquele “monstro.
Não é só ele, porém, que ama a floresta.
Por
que acontecem as coisas de que ela fala? Por que razão existe a violência? Qual
a razão profunda que leva um ser a querer destruir outros seres e a tirar
prazer disso, dessa espécie de vingança sobre os que o fizeram sofrer antes,
também. Que o abandonaram, o deixaram sozinho num lugar onde o torturaram onde
perdeu as características de “humanidade”.
Interessa-lhe
deixar uma mensagem sobre a dificuldade em viver com os outros, sobre as lutas, as exigências, a
ética. Ou apenas o desespero.
Conta o que se passa, em redor de cada um, e que determina o seu modo de viver com os outros, de os aceitar ou não. Que os leva a viver e a ver as coisas de ‘uma certa maneira original’, como diria José Régio com razão.
Conta o que se passa, em redor de cada um, e que determina o seu modo de viver com os outros, de os aceitar ou não. Que os leva a viver e a ver as coisas de ‘uma certa maneira original’, como diria José Régio com razão.
Edna O'Brien fala também
da necessidade de criticar o que está mal, os erros que não são emendados e se repetem; da exigência, claro, de apreciar o que é bom, realizar a acção que
redime o mal que outros possam ter feito ou pensado.Como, por exemplo, no livro The little red chairs, sobre as jovens estudantes raptadas pelo movimento terrorista "Boko Haram", em África.
Por
isso quis lembrar a figura da "lutadora" que foi Edna O’Brien, no seu tempo, no seu país natal, onde um dia lhe proibiram e depois queimaram os livros, numa fogueira, porque "traziam o escândalo" àquela terra de catolicismo ferrenho e fundamentalista, nem sempre tolerante, como o Cristo o foi.
Queimaram-nos - tal como haviam feito anos antes antes com o escritor James Joyce. Edna foge de Dublin para Londres e nunca mais volta à sua terra.
Tal como James Joyce fizera. Escritor que admirava e cuja biografia escreve em 1999.
"Na Floresta", vai contar uma história real, passada na Irlanda, em
1994, perto do lugar onde nascera e da floresta ali ao lado.
É a história trágica e horrível de um jovem
desequilibrado, com um passado de pequenos roubos, que a dada altura rapta uma jovem mulher e
o filho de três anos. Acaba por ser capturado. Condenado a prisão
perpétua é encontrado morto no Hospital Psiquiátrico de Dublin, em 1997.
Culpado sim mas com uma vida passada de abandono, de orfanato para casas de correcção, ajudante do padre na igreja, abusado por quem devia ter tomado conta dele.
Nesta época selvagem e egocêntrica que vivemos, época do esquecimento do outro, época do abandono e de solidão, é um livro que nos impressiona.
Edna O’Brien dá a sua opinião, intervém. Indigna-se com a injustiça ou a prepotência física ou moral. Não é indiferente nunca!
Queimaram-nos - tal como haviam feito anos antes antes com o escritor James Joyce. Edna foge de Dublin para Londres e nunca mais volta à sua terra.
Tal como James Joyce fizera. Escritor que admirava e cuja biografia escreve em 1999.
estátua de James Joyce, em Trieste
Tuamgraney
Culpado sim mas com uma vida passada de abandono, de orfanato para casas de correcção, ajudante do padre na igreja, abusado por quem devia ter tomado conta dele.
Nesta época selvagem e egocêntrica que vivemos, época do esquecimento do outro, época do abandono e de solidão, é um livro que nos impressiona.
Edna O’Brien dá a sua opinião, intervém. Indigna-se com a injustiça ou a prepotência física ou moral. Não é indiferente nunca!
Em
2011, Edna recebeu o prestigioso Prémio Frank O’Connor Short Story Award.
Em 2019, recebe o prémio UK and Ireland Nobel Award para a vida.
(1) Na Floresta, editora Cavalo de Ferro.
(2) Country girls, traduzido pela editora Relógio d'Água, com o título Raparigas da Província.
Parece ser um grande livro mas duro e difícil de ler.
ResponderEliminarVou procurar os anteriores dela.
Uma Boa Páscoa, com muita saúde e tudo de bom
um beijinho
Gábi
Nunca li nada dela e não sei se tenho alguma coisa.
ResponderEliminarGosto muito de ler a forma como fala dos livros que lê. Fico com vontade de comprar tudo!
Beijinhos e continuação de boa semana, com saúde:))