sábado, 2 de maio de 2020

Em tempo de Coronavirus II


Um dia recordaremos este parêntesis nas nossas vidas “normais” que foram agitadas pela tempestade que nos caiu em cima e que a muitos “deitou abaixo.  E tantas novidades trouxe, tantas incompreensões, tantos medos.
Todas as mudanças que aconteceram de há cerca de dois meses para cá, levaram-nos a aceitar ver imagens estranhas.
Não falo só das mortes, falo de uma liberdade roubada, de um viver confinados sem saber até quando nem como tudo terminará.
Sentimo-lo necessário sem dúvida para nos proteger da pandemia mas perturbador devo dizer.
Porque tudo o que acontece é "inexplicável" (por enquanto) e perturbador - com acontecimentos estranhíssimos que só esta pandemia pode justificar. 

Ruas desertas, sem gentes e sem carros, sem cães mas com a invasão de outros animais que aparecem das florestas perto, desorientados também como os homens, perdidos na cidade que parece abandonada, à procura de comida. 
Bandos de veados, bambis, javalis, macacos invadem as cidades - do Japão, da Ásia mas igualmente em lugares mais perto de nós. 

Devemos achar normal? Não dar por nada como se nada existisse de estrambótico lá fora e cá dentro? A falarmos uns com os outros de longe?Não podemos.
Talvez seja mais angustiante o deixar passar fingindo que não se dá por nada, que as medidas estão certas, que é só aguardar uns tempos.
A sentir sempre uma bola no estômago a fazer-nos pensar: quando é que isto acaba?
Quando? Meses - quantos? Ou será que temos de pensar num ano ou mesmo anos?
Tive a ingenuidade de pensar quando veio a “ordem” de confinamento: “bem, vou aproveitar esta pausa de vida para ler um pouco mais, arrumar as estantes com os livros deitados uns em cima dos outros, alguns a precisarem de cola e de um pouco de amor”
E até sonhei fazer mais coisas: “arrumar, na casa, o que está há anos por arrumar, as gavetas principalmente, mas também armários, e deitar fora todas aquelas coisas inúteis de que nunca mais me servirei, para libertar espaços..."
Tanta estupidez e ingenuidade minhas! Ainda arranjei uma vez as gavetas do meu quarto, mas muito pouco duraram arrumadas, com o frenesim em que vivo hoje. Nada melhorou em casa e as costas é que ficaram mal. 
Faço tudo hoje em grande agitação, quase correndo: faço isto, aquilo, tudo inútil para fingir que faço,  a adiar o momento em que finalmente me vou poder sentar confortavelmente a ler um livro.

Mas logo me distraio a "falar" com os meus amigos "bichos humanos". Têm sempre opiniões e queixam-se muito de solidão e de aborrecimento. Respeitam as distâncias, fazem ginástica, conversam a distância, mas aborrecem-se! O mais mimoso é o meu Ouricinho Dan que se queixa de solidão e não aceita desculpas!
Vou escolher um livro, olho em volta e vejo as pilhas de coisas: máquinas de roupa para lavar, roupa para estender, roupa para passar, num ritmo frenético. 
E lá vou outra vez - agora a mil à hora, buscar a tábua de passar, o ferro e, em vez de me sentar no sofá com o tal livro, fico ali em pé a passar a ferro.
Penso com muitas saudades na Svitlana, minha ajudante nestas coisas todas, que me sabe aliviar com um sorriso ou uma gargalhada e nunca se queixa deste trabalho que tanto custa. 

Confinada ela, confinada eu, confinados todos, foi um drama para organizar a nossa vida, ao nível mais essencial. De facto, o essencial passou a ser “comer”, variar o que cozinho, lembrar-me de pôr vegetais - e comer fruta – e já agora também comer umas leguminosas – as tais proteínas vegetais ou lá como lhes chamam.
Ao fim de pouco tempo percebi que não há variação possível e que já não me apetecia comer nem carne, nem peixe (poucas vezes tentei), só me sabem ainda bem os ovos cozidos,
Acabei por me fixar num jantar: uma taça de leite quente com muesli, corn flakes e frutas secas. Acabaram as idas à pastelaria Bijou em Cascais.
Não posso esquecer a alternativa que é umas fatias de pão alentejano com queijo (como boa alentejana que sou).
Tenho de inventar coisas para me adoçarem a quarentena. E escolho outros "petiscos". E, então, recordo a velha amiga Adélia, irmã da minha querida Florinda - a da infância e a da minha casa de São João, já com ela a tratar dos meus filhos. 
A Florinda que não quis ir connosco para Roma, preferiu ficar em Alegrete, na sua terra, porque não podia deixar cá as irmãs e os sobrinhos. E a sobrinha preferida, a Maria Helena, que viveu e estudou também em minha casa alguns anos.
Pois a "minha" Adélia explicava-me que nada melhor havia no mundo do que uma chávena de café acompanhada com pão com queijo. 
Claro que não tem nada que ver com o capuccino no Caffè degli Specchi, com um "strudel".
De preferência, escolho pão alentejano e um queijinho alentejano que por aqui aparece, de Nisa ou Tolosa. Aqui por São João e arredores, vivem muitos alentejanos o que é bom!
Estou a ficar como a Adélia. Comer? Ah, sim, mas só se for uma fatia de pão com queijo e um café!
Não me parece que a situação volte alguma vez a ser o que foi. Talvez acabem até os queijinhos alentejanos.
 Hoje, quando a noite chegar, vou tentar seguir um conselho da Gui: jogar um jogo de sociedade: o "Backgamon". 

Tenho um lindo estojo com entalhes de nácar que creio trouxe do Cairo, mas sei que a Gui me trouxe outro de Baku. O problema maior vai ser arranjar um parceiro: o Manuel não gosta de se divertir com jogos. 
O mais certo é voltarmos ao filme da Netflix, uma boa série inglesa chamada "VEXED". Com humor (inglês), acção, bons actores, boas histórias!


Como vai ser?, insisto. Não sei o que responder, recuso-me a pensar. Voltaremos às festas, aos natais de antes? Sei que vai dar uma volta completa aos nossos hábitos, aos encontros (distantes), aos contactos, às amizades.
Se ao menos a volta fosse uma “volta por cima”! E finalmente pudesse ler os meus livro à vontade, ver o que se passa na rua, ver um sol a brilhar...

4 comentários:

  1. Estamos as duas na mesma! de certa forma é como se tivéssemos a vida em suspenso. Não me consigo sentar tranquilamente a ler, um bocadinho. Ou há roupa para lavar, ou passar, ou almoço para fazer, ou sopa para fazer,ou aspirar ou compras para arrumar, ou o lixo para levar ou...ou...ou...
    Mas a minha vida está assim há uns anos. Por isso queria tanto reformar-me, para ver se tenho tempo para mim. Agora estou em casa, mas a escola continua a consumir-nos muitas horas...
    Enfim, é a vida!

    Como vai ser nos próximos meses, ou anos? Quem sabe. Vamos esperar para ver!

    Já comprei o livro do Herman Melville. Comprei um com os contos, onde estão os contos que referiu. Também comprei um de poemas.

    Um beijinho e ânimo, que os amiguinhos estão aí para animar!!

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  2. Eu pensei que iria ler todos ou muitos dos livros que tenho na lista de espera. Acho que muitas vezes me sinto angustiada ou ansiosa demais para ficar a ler. Estou a torcer para que arranjem depressa um remédio que seja eficaz em todos os casos e sem efeitos secundários.
    um abraço e esperemos que vá melhorar

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  3. Tive de me rir, és um caso.
    Que tenhas um bom dia de primavera em todo o seu esplendor. Aqui já deixam passear os velhos, de 1o a 12 h. Eu gosto de ir mais cedo, não aguento o sol a essas horas, certamente irei antes, á hora dos desportistas... Espero que nenhum polícia se meta na minha vida, pois não perjudico a ninguém. Beijinhos

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  4. Sempre apreciei a liturgia do carnaval
    mas agora com todos mascarados
    máscaras em cima de máscaras
    detesto ir à rua
    mas vou
    clandestino
    à hora dos pássaros

    Bj

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