domingo, 31 de maio de 2020

"Il GATTOPARDO", ROMANCE DE TOMMASI DI LAMPEDUSA


O romance Il Gattopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1), pulicado em 1959, permanece um clássico ainda hoje.

Julgava que o tinha comprado em Roma quando lá vivi, mas descobri através do "grupo o que estamos a ler" que o livrinho já tinha saído em Portugal, nos anos 70, na colecção Unibolso. 

Foi uma colecção dirigida por Manuel Poppe que teve de facto uma escolha de títulos. Recordo "Voltar atrás para quê?", de Irene Lisboa, "O vestido cor de fogo" e "Davam grandes passeios aos domingos", de Régio, e livros de Alberto Moravia, Hemingway ou Dickens.

  imagem retirada de "ocastendo.blog"

Giuseppe Tomasi di Lampedusa nasceu em Palermo na Sicília a 23 de Dezembro de 1896 e morreu em Roma a 23 de Julho de 1957, com apenas 60 anos. Era um aristocrata siciliano, um intelectual taciturno e solitário, uma personalidade complexa, cuja ocupação preferida era  a leitura. Viveu num certo isolamento voluntário fechado com a sua cultura e leituras e o amor pela astronomia.

O autor tentara publicar o livro antes de morrer. Contacta a Einaudi  e a Mondadori, duas boas editoras, que não se mostraram, porém, interessadas. 
Tomasi di Lampedusa estava já doente e morre antes de tentar outros caminhos.
 Tomasi di Lampedusa (1896-1957)
Em 1958, a  jornalista Elena Croce lê o manuscrito e fica impressionada pela sua qualidade (2)
Elena é uma mulher inteligente e culta, a filha mais velha do filósofo e escritor Benedetto Croce, e sabe distinguir a qualidade. 
Decide enviá-lo ao escritor Giorgio Bassani  - que dirige a editora Feltrinelli. 
Giuseppe Bassani
 
Bassani entusiasma-se, lendo as primeiras páginas, e decide publicar com o livron, ainda nesse ano (3). Quando o livro é publicado em 1959, escreve no Prefácio.
"É um romance excepcional, uma daquelas obras para as quais nos preparamos uma vida inteira."
 No ano seguinte, Il Gattopardo ganha o conceituado Premio Strega.
Ambientado na Sicília dos anos 1860, aquando da queda do Reino dos Bourbons, Il Gattopardo tem como protagonista o Príncipe Fabrizio de Salina, figura de velho aristocrata ligado à terra, intelectual e culto, interessado pela astronomia e que vê chegar ao fim o “seu” mundo.
O Príncipe pertence à antiga classe social que contempla quase impassível o próprio declínio. Para esta figura, Tomasi di Lampedusa ter-se-à inspirado na figura do bisavô. Conservador respeitador da ordem feudal, herdeiro de um passado ilustre de conquistas, é um espírito livre e culto. 
A queda do reino de Nápoles é prelúdio da futura unificação da Itália. O seu mundo desmorona-se, pois, depois da invasão da ilha por Giuseppe Garibaldi, em 1860.

Essa época de mudança traz consigo uma (nova) vaga de oportunistas que, defendendo o transformismo político, conservam, sobretudo, a “habilidade da velha classe dirigente em conservar os próprios privilégios, cedendo alguma coisa perante a “modernidade” enquanto se aproveitam das novas oportunidades que a mudança traz”. 
Cito uma das frases mais “clássicas” do livro que "explica" essa filosofia: “É preciso que tudo mude se queremos que tudo fique como está.” Deixar que tudo mude, para tudo ficar na mesma...
Por curiosidade refiro um artigo lido em The Economist de 2/5/2020, (secção Books & Arts) intitulado “Rereading The Leopard”: Sicilian lessons (sem indicação de autor) e defende a ideia de que este romance, escrito há mais de 70 anos, é ainda hoje “uma ameaça intemporal”.
A filosofia que domina o livro continua a ser uma “ameaça intemporal” por parte do poder -capitalista ou outro- porque se se permitir que mude apenas um pouco, depressa se recuperará o que se perdeu.

A frase "mudar um bocadinho para ficar tudo na mesma"” continua a ser “seguida” pelos que detêm o poder ontem e hoje.

O Príncipe Salina não reage, deixa-se levar por um desejo de imobilidade voluptuosa  - que, segundo o autor, é uma característica   da “alma siciliana” - que o empurra, num misto de dor e prazer, para o passado e para a morte, na procura do desejo “subterrâneo de esquecimento e de morte.”
No romance, vai ser Tancredi, sobrinho do Príncipe, quem vai encarnar essa “habilidade da velha classe dirigente em conservar os próprios privilégios” e se aproveitará, sem grandes escrúpulos do que dali poderá tirar. Começando por casar com a filha do feitor do tio, Don Calogero, que enriquecera.
O Príncipe de Salina sabe que o seu momento acabou e aceita, com fatalismo siciliano, a mudança.  
Em 1963, Luchino Visconti (1906-1976) realiza "Il Gattopardo" a partir do romance. Visconti pertencia a uma família nobre italiana, ter-se-á sentido atraído e identificado com a figura do Príncipe Salina e da decadência, apesar de pertencer ao Partido Comunista Italiano.

Luchino Visconti

O filme é uma obra de grande beleza estética, com bons actores, que ganhou a Palma de Ouro, no 16º Festival de Cannes. Narra as transformações que acontecem na vida e na sociedade sicilianas durante o Risorgimento (5).
O Gattopardismo é um neo-latinismo que “seria” a filosofia de aceitar um pouco de ‘mudança’ para a poder neutralizar ou pelo menos não perder o controle dela.
A Don Fabrizio resta a tristeza de ver a subida social da burguesia inculta, mesquinha, ávida de poder e riqueza. 

No final, o Príncipe dirá: 
“Nós fomos os Leopardos, os leões. Quem nos vai substituir serão os chacais, as hienas; e todos eles, leopardos, leões e hienas, chacais e ovelhas continuaremos a acreditar que somos o sal da terra.”
***

(1)Giuseppe Tomasi di Lampedusa nasceu em Palermo, na Sicília, a 23 de Dezembro de 1896 e morreu em Roma a 23 de Julho de 1957, com 60 anos. Para quem se interessar pela biografia existe "Vita dell'ultimo Gattopardo", de David Gilmour
(2)Eleonora Croce era filha do conhecido filósofo Benedetto Croce (1886-1952 - escritor, historiador e político italiano que escreveu sobre filosofia, estética, história e política. Casada com o director do jornal literário “Lo Spettatore italiano” é a primeira pessoa a pensar que Il gattopardo é uma obra-prima e envia o manuscrito a Giorgio Bassani.
(3) Giorgio Bassani (1916-2000) poeta, escritor, ensaísta italiano, autor de um grande livro, “Il Giardino dei Finzi-Contini”, publicado em 1962, pela Einaudi Editora. 
(4)Il Gattopardo é publicado em 1959 na Feltrinelli, na colecção “Contemporâneos”. No Prefácio, Giorgio Bassani escreve: “É um romance excepcional, uma daquelas obras para as quais nos preparamos a vida inteira”
(5)“Il Risorgimento” foi o processo político e militar que levou à unificação da Itália e ao nascimento do Reino de Itália, em 1861. 

2 comentários:

  1. Li o livro no exemplar da colecção Unibolso que penso terá sido comprado pelo meu pai. Gostei muito e pouco depois vi o filme, de que também gostei. E também por isso gostei muito deste post, e de ficar a saber mais sobre o escritor.
    um beijinho e uma boa noite

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  2. Não fazia ideia que essa colecção de livros de bolso tinha sido dirigida pelo Manuel! Tudo bons títulos! Tenho vários e bem gostava de ter toda a colecção.
    Ainda não li o "Leopardo" que espera por mim há que tempos! Mas hei-de lê-lo.
    Gostei muito deste post. Como sempre!

    Um beijinho e continuação de boa semana:))

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