O ouricinho antecipou-se desta vez...
Agatha Christie para sempre!
Ando a ler – deliciada, devo dizer- a “Autobiografia” de Agatha Christie que uma grande amiga e como eu fan de Agatha, me ofereceu. O livro foi editado pela ASA, no ano passado, em boa hora.
Havia uma edição antiga (Edição Livros do Brasil, Colecção Dois Mundos, 1977) hoje difícil de encontrar.
Li uma
Biografia dela, muito nteressante e completíssima - "
Agatha Christie, An English Mistery"- de Laura Thompson, saída em 2007, que falava desta autobiografia.
Li também,
et pour cause! -eu adoro esta escritora- , os “Cadernos” de Agatha, e sempre pensei que estáav ali uma mulher especial.
Pela força? Claro. Pela escritora que é? Sim. Pelo humor? Decerto!
Mas também pela imaginação (criadora sempre, nova, "dela"), pela inteligência que revela ao longo das muitas páginas (o livro tem 695 páginas).
Os "apontamentos" dos Cadernos responderam a certas perguntas que me punha: como fazia ela? Como imaginava? Como "preparava" os mistérios? Como decidia quem era o culpado? Onde “imaginava”? Como se conduzia?
Nos
Cadernos encontrei respostas práticas.
Uma das coisas que me divertiu foi ela contar que, por vezes, uma personagem inicialmente destinada a vítima, acabava ...assassina!
Aqui reencontro a personalidade dela, desde menina. Uma personalidade humaníssima e complexa, que nos "acompanha" como uma amiga". Foi o que disse a minha amiga ao dar-me o livro: "Vai ver, ela é uma amiga! Sente-se a companhia!"
Tem razão a A.Luísa...
Torquay, a casa de Ealing. A maravilhosa infância de Agatha. A pequena Agatha a ver, ouvir, observar, a tentar compreender o mundo que a rodeia. Com grande curiosidade, espírito crítico precoce, timidez...
Sobretudo a sua infindável imaginação! Os amigos e os brinquedos. Os brinquedos inventados que se revelam os melhores amigos.
esta sou eu, no "Hotel Pera Palace", em Istambul, onde fui "procurar Agatha e o seu quarto...
A menina que brinca sem brinquedos porque a sua imaginação é tão grande que os faz aparecer, ou desaparecer, vibrar com ela, viver com ela. Agatha, a sonhadora.
... Tree, um dos primeiros seres que inventa, uma árvore! da família da Mrs. Green. Por quê “árvore”? Agatha revelará mais a diante que
adora as árvores.
Preferia as brincadeiras “inventadas por ela, com seres imaginários: os gatinhos Mrs Benson (viúva do capitão Benson), e os filhos Trevo, Pretinho e três outros que não nomeia.
Era a “saga dos ratinhos” e as coisas que lhes aconteciam eram sempre dramáticas. Falava com eles, sozinha: eles existiam só na sua cabeça.
Depois veio a família de Mrs Green. “não eram bem crianças, nem bem cães, eram criaturas indeterminadas, entre uma coisa e outra. Mrs. Green tinha cem filhos (que prodigiosa imaginação!), mas os mais importantes eram Árvore, Esquilo e Caniche".
Os medos da infância. O pesadelo com o homem armado, o "atirador", que lhe aparecia no meio dos sonhos mais tranquilos.
Não era a arma que lhe metia medo mas sim a sensação de “haver algo errado: porque ele não devia estar ali!”
Perseguia-a escondendo-se por vezes detrás dos traços da mãe que ela adorava, ou dos irmãos, quando estava a almoçar, ou a passsear.
Como se detrás de cada um de nós –mesmo dos seres amados, íntimos, bem conhecidos, por mais íntimos que fossem,se pudesse esconder “the gunman”: o perigo.
Quantas vezes nos seus livros falará disso. Nunca conhecemos verdadeiramente ninguém. Em cada ser há um desconhecido. Um dia podemos ser “surpreendidos” pelo tal homem armado, alguém que julgávamos conhecer tão bem!
Os desafios da infância. O desafio ao medo mesmo quando: “ A ideia de que corríamos algum perigo não nos passava pela cabeça.” (pág.93)
Renoir, "crianças à tarde", 1884
Um dia, criança, no Hotel do Sul de França onde passavam férias, Agatha, a irmã e uma amiga, rebeldes em busca de sarilhos vêem-se fechadas numa despensa. Pensam logo fugir pela janelinha onde, por baixo, corre um parapeito saliente pelo qual se podia chegar aos quartos. E lá vão elas, sem olhar para a rua (teriam recuado com medo se olhassem?, pergunta-se ela). A mãe é avisada por uma senhora que as vê e lhe manda um bilhetinho, pela criada.
Quando entram pela janela de um dos quartos, está alguém à espera delas. São castigadas :”Já para a cama!”
Um dia também uma amiga da minha mãe, que morava ao fim da nossa rua, “avisou-a” de que eu estava empoleirada no parapeito da janela da sala, em equilíbrio, num número de circo.
Sei que não era a primeira vez e ainda hoje pergunto a mim mesma como conseguia eu trepar para o parapeito da janela.
Com certeza fui castigada como a Agatha.
Mas sentia esse mesmo desejo de um certo perigo. O medo que arrastamos connosco e que queremos defrontar seja de que modo for.
Desejo, necessidade do perigo? De nos vermos confrontados com qualquer que está para além de nós, do que nós conhecemos?
“Terão os seres humanos necessidade de uma certa dose de perigo na vida?”, pergunta ela. (...) Teremos, instintivamente, necessidade de algo para combater, para ultrapassar – para, por assim dizer, provarmos os o nosso valor a nós próprios?”
É possível. Penso que tem razão, é isso: mostrarmos a nossa coragem, o nosso valor a nós próprios. Para sabermos do que somos capazes...
Até nisso gosto dela! A eterna Agatha!