quarta-feira, 27 de abril de 2016

No dia da morte de Sá-Carneiro



"Sinto os meus olhos a volver-se em espaço!
Alastro, venço, chego e ultrapasso;
sou labirinto, sou licorne e acanto

Sei a distância, compreendo o Ar;
sou chuva de oiro e sou espasmo de luz;
sou taça de cristal lançada ao mar,
diadema e timbre, elmo real e cruz."
(Partida, em Dispersão)


René Magritte, A corda sensível

Fim
"Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar o ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Chagall e Palhaços 

"Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andalusa…
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.”
Chagall, Uma vaquinha sobre Vitebsk

Mário de Sá-Carneiro nasceu em Lisboa em 19 de Maio de 1890 e morreu em 26 de Abril de 1916, em Paris, suicidando-se com estricnina.
Chagall, Circo da vida

O Poeta não suportava a ideia de abandonar o seu amado Paris,  e o pai ameaçara cortar-lhe a mesada.
Escreve a Pessoa cartas cheias de angústia. Em 31 de Março de 1916, despede-se dele numa carta e anuncia-lhe que se vai matar: 
"Quando receberes esta carta já eu terei deixado de pertencer ao número dos vivos...Hoje vou viver o meu último dia feliz. Estou muito contente. Mil anos me separam de amanhã. Só me espanta, em face de mim, a tranquilidade das coisas (...)". 
Chagall, O poeta adormecido

O que podia fazer o seu 'colega' do Orpheu, o amigo do coração, Fernando Pessoa - amigo que o considerava um poeta muito superior a si próprio?

Era demasiado tarde para o evitar: quando a carta chega a Lisboa, Sá-Carneiro tinha morrido. E talvez Pessoa não tenha levado a sério este pedido de socorro, ou, preso por outros assuntos e problemas mentais seus, como referirá depois, adia a resposta. Escreve-lhe no dia 26 exactamente no dia em que Sá-Carneiro se suicida. Falava-lhe de umas traduções que tivera de acabar...
Um livro muito interessante e escrito com clareza é "A Morte de Sá-Carneiro", de João Pinto de Figueiredo (Publicações Dom Quixote, 1983). A quem se deve também uma óptima biografia de Cesário Verde.
Escreve Pinto de Figueiredo: 
"Misto de lucidez e delírio, ambição e renúncia, orgulho e humildade (…) Sá –Carneiro  é bem filho de Dostoievski, irmão de Stravoguine e Kilrilov, embora um singular capricho da sorte o haja feito nascer numa pacata travessa da baixa lisboeta." (*)
Dostoievski, por Vassili Petrov

Adolescente, o Poeta  escrevera estes versos:
"E sinto que a minha morte –
Minha dispersão total-
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Como não ver São Petersburgo nessa 'grande capital, ao norte', onde viveu e morreu o grande Dostoievski?

"(...) o autor de Céu em Fogo tinha a confusa consciência de pertencer a uma outra raça, bárbara, agreste, violenta -  consciência bem expressa na sua nostalgia do norte e na sua paixão por Dostoievski, no fundo um expressionista avant-la-lettre."(op. cit. pg.111)

A Fernando Pessoa, queixara-se, em 17 de Abril, do seu "quebranto": 
"Mas há todo o quebranto -quebranto para mim –que os meus versos maus longiquamente exprimem. Percebe bem o meu caso? Escreva-me – suplico-lhe- uma longa carta: e diga se mede bem o perigo, se me compreende. Escreva hoje mesmo. Lembre-se da minha angústia."
E, ainda: 
"Se eu penso em você? Mas a todos os momentos, meu querido amigo. Em quem hei-de pensar senão em você? É nesses momentos que eu sinto todo o afecto que liga as nossas almas."
Dias antes,  'avisara' o amigo: 
"É hoje segunda-feira 3 que morro atirando-me para debaixo do “Metro” (ou melhor «Nord-Sud») na estação de Pigalle."
Mas, no dia seguinte, escreve a desdizer o que tinha escrito. Como uma criança, para se sentir mais amado, ameaça matar-se. E quem não lembrará a história de Pedrinho e o Lobo?(**) "O lobo vem aí, dizia. Olha o lobo!" Quando o lobo chegou de verdade, ninguém acreditou no Pedrinho...

Diz J. Pinto de Figueiredo (p.206):  
"Vivendo em Portugal, Pessoa não podia, é certo, fazer grande coisa para evitar que o seu companheiro se matasse em Paris. Imagina-se pois a sua angústia (…) Sá-Carneiro pretendia, em nosso entender, que Pessoa assistisse ao seu suicídio. Por isso lho comunicou com uma antecedência de 3 dias – o tempo que uma carta levava entre Paris e Lisboa. (…)"
A 4 de Abril, Sá-Carneiro escreve-lhe: "Perdoe todos os sustos por que o fiz passar e, adiante, "O termo de tudo isto: Mistério...Talvez mesmo ainda o 'metro'...Mas não faça caso..." 

A Alma de Sá-Carneiro, a sua 'corda sensível' -como ele diz 'poeira de oiro/espasmo de luz/taça de cristal lançada ao mar' - "balouça": não sabe se o fará ou não. Como os acrobatas no circo, tem a esperança de viver, quando sabe que a morte pode acontecer. Ncorda bamba que é a sua vida, hesita sempre... 
Chagall e o Circo

"Na minha Alma há um balouço
Que está sempre a balouçar –
Balouço à beira dum poço,
Bem difícil de montar…
- E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar…
Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada…"
(op. cit. pg 154)

 Treze dias depois, a terrível angústia de Pessoa continuava. “Ainda tenho uma esperança escrevia-lhe o amigo, referindo-se ao problema de morrer ou não morrer –mas não me parece. E acrescentava: “não sei onde isto irá parar. Porque a minha situação –encarada de qualquer forma- é insustentável.”
Um espectáculo para "encenar" a sua morte, acompanhado à distância? Quanto desespero durante a semana que decorre entre 18 de Abril (quando escreve a Pessoa) e o 26 de Abril, dia em que se suicida, ingerindo estricnina. Terá vagueado pelos boulevards, por Montmartre e por Pigalle, como costumava? Quem o pode saber exactamente?
La Butte de Montmartre 

 O Café de l'Enfer, em Pigalle
"Vida de Café e rua
Dolorosa, suspendida -
Ah!, mas de enlevo tão grande
Que outra nem em sonho eu prevejo."

No dia 25 de Abril, Sá-Carneiro vai falar com um comerciante que mal conhecia, José d’Araújo, e pede-lhe que no "dia seguinte às 8 em ponto da noite" passe no seu Hotel, o Hotel Nice
Hotel Nice
O que Araújo cumprirá. E vai encontrar Mário de Sá-Carneiro, de smoking, a morrer.

 “Sá-Carneiro agonizava, congestionado, numa ânsia horrível. Momentos depois expirava".- contará depois. 
"Sobre o mármore do fogão, uma folha de papel escrita a lápis e em francês: nela declara morrer voluntariamente.", escreve Pinto de Figueiredo (op.cit. pg.216), concluindo:
Chagall e o eterno Circo da vida...

"Sá-Carneiro morreu, pois, só, como já dissemos. Só, e importa acentuá-lo, tendo falhado a sua morte -essa morte em que outrora vira a única maneira de dar um sentido à vida..."
Chagall, Acrobatas


"Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar o ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!"


Sá-Carneiro Tinha apenas 25 anos.

(*) in J. Pinto de Figueiredo, A Morte de Sá-Carneiro, no Preâmbulo, pg.13
(**) Pedro e o Lobo é uma obra de Sergei Prokofiev, de 1936, onde cada personagem 'fala' segundo um instrumento musical diferente.

domingo, 24 de abril de 2016

A actualidade do misterioso William Shakespeare, passados 400 anos...


Julieta, de Franco Zeffirelli, a bela Olivia Hussey (1968)


Misterioso Shakespeare! Sabe-se que foi baptizado no dia 26 de Abril de 1564 em , na Holy Trinity Church. Supõe-se que terá nascido dia 23 de Abril. Morreu em 23 de Abril de 1616. E pouco mais se sabe, a não ser que escreveu, escreveu. E representou.
Royal Shakespeare Theatre.
Hamlet, hoje em dia, no Royal Shakespeare Theatre

Há 400 anos, pois. Na sua terra, Stratford-upon-Avon, existe a companhia The Royal Shakespeare Theatre.
Elizabeth I
Desde 1594, foi um membro importante da companhia de actores, criada pela Rainha Elizabeth I, chamada The Lord Chamberlain' Men .
Em 1603, quando sobe ao trono de Inglaterra o Rei James I (James VI, da Escócia), muda-lhe o nome para The King's Men.
Poucos indícios há do modo como a sua vida profissional o marcou. É contemporâneo de outro grande escritor teatral, Christopher Marlowe (Doutor Faustus) que nasce no mesmo ano de Shakespeare mas morre muito novo em 1593, deixando-lhe todo o espaço da cena e do público.
Marlowe 
Durante cerca de 20 anos encantou com as suas peças que capturam o máximo das emoções, sonhos e conflitos humano, em todas as "estações" da vida... 
Richard Burbage, actor shakespereano
Nas suas peças, Hamlet, Romeu e Julieta, Macbeth, O Rei Lear, Ricardo III, Sonho de uma Noite de Verão, pode-se dizer que Shakespeare falou de tudo!
Romeu e Julieta, de Franco Zeffirelli

Laurence OLivier, em Hamlet


Se perguntarmos "é actual Shakespeare, a 400 anos da sua morte?", a resposta só pode ser: "enquanto houver seres humanos e sentimentos, Shakespeare será actual!" 

Tal como o nosso Camilo castelo Branco, claro, e o seu Amor de Perdição. Como não pensar nos amores funestos de Romeu e Julieta?
Romeu e Julieta, do pintor Madox Crowd

Representado em todos os cantos do mundo, por todo o tipo de gentes, de actores, levado ao teatro e ao cinema, infinitamente, os problemas  de que fala são os "nossos", de ontem ou de hoje. E de amanhã.

Shakespeare foi representado inclusivamente na cadeia de Sing Sing, nos Estados Unidos, pelos presos - e este é um dos exemplos apenas. Lembro que também a peça Julius Cesare foi interpretada por presos da cadeia de Rebbibia, em Roma,  no filme dos Irmãos Taviani, "Cesare deve morire", em 2012, com o qual ganhou um Urso em Berlim.
 'Macbeth', em Sing Sing
filme dos Irmãos Taviani, na cadeia
 "Julius Cesare", na cadeia de Rebbibia


Ninguém melhor falou dos sentimentos e dos problemas dos homens e da sua condição humana de mortais: amor, ódio, ciúme, vingança, traição, ambição desmedida, desejo de poder...

 Romeu e Julieta, de Zeffirelli
As suas obras existem e continuam a fazer-nos sonhar, sofrer, chorar e rir, sem nos preocuparmos quando ele nasceu, se era ele ou o outro e isso é maravilhoso! 

 Romeu e Julieta, ballet
É dele a frase que tanto citamos : "somos feitos, nós também, da matéria de que são feitos os sonhos; e, no espaço e no tempo de um sonho, fecha-se a nossa breve vida!"

Nesta frase está tudo dito da efemeridade, da fragilidade da vida. Nada mudou, tudo continua. Enquanto houver mulheres e homens...

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Morreu o Príncipe...

Nasceu em 1958 em Minniapolis, os pais eram ambos afro-americanos. Perfeccionista, Prince trabalhava as músicas, empenhava-se profundamente no trabalho. 
Tinha a imagem de ser alguém muito difícil com quem trabalhar e protegendo amplamente a sua própria música. 

Dançarino, compositor, cantor, foi um dos mais conhecidos músicos de pop music, se bem que tivesse passado por muitos outros géneros, como funk, new wave, soul, jazz e rock... 

Tocava todos os instrumentos nos álbuns que grava. Elogiado por muitos críticos pela sua versatilidade, era um showman extraordinário. Morreu hoje. 
Aparentemente, foi internado 6ª feira no hospital com uma gripe, mas há ainda um certo mistério em relação à sua morte. 
 Confesso que o ouvia e gostava, mas era um cantor mais do tempo dos meus filhos. Lembro-me bem das capas do LP “Purple Rain” e outros. 
Jimi Hendrix, James Brown e os Earth Wind and Fire foram seus mestres.
Hoje, há poucas horas, a notícia da sua morte deixou os seus ‘fans’ inconsoláveis.