Miguel de Unamuno, por Zuloaga
Sobre a barbárie dos tempos que se vivem hoje, escreveu Ivan Jablonka, a propósito dum livro de Primo Levi, A Trégua.
"O século XXI começa a engendrar as suas próprias monstruosidades.
Venceremos as forças da morte mas, antes disso, teremos de morrer e viver,
morrer através dos inocentes massacrados e reviver em nome da vida mesma. É
preciso escolher a alegria, o riso, a lucidez como antídotos à dor que a sua
morte nos causa. A continuação da nossa vida é a fidelidade que nós lhes devemos.
Porque eles teriam desejado que fosse assim.” (Le Monde, separata cultural Le Monde des livres, 14-15 de
Julho)
Palavras que me impressionaram e que aprovo inteiramente.
Miguel de Unamuno
Como talvez alguns não conheçam o que se passou com Unamuno, nesse dia de Outubro de 1936, vou dizer o que sei. Nada de especial, apenas o que já conhecia e que a curiosidade me levou procurar na internet.
Nascido em Bilbao a 29 de Setembro de 1864, Don Miguel de Unamuno vai morrer em
Salamanca no dia 31 de Dezembro de 1936.
Dois meses antes, em 12 de Outubro de 1936, dia da abertura do ano lectivo da Universidade de Salamanca, Unamuno prepara um discurso visando o momento de horror que se vivia em Espanha. Franco conquistara o poder. Muitos dos alunos e amigos de Miguel de Unamuno tinham sido presos, torturados e assassinados
pelo governo de El
Caudillo.
Unamuno
Não há nada escrito, nem se sabem as palavras exactas que
proferiu, mas existe um artigo de Luís Gabriel Portillo Pérez (1907-1993), escritor e professor de Direito Civil na Universidade de Salamanca, que reproduz as suas palavras, na revista Horizon,
em 1941.
“Estais à espera das minhas palavras. Conheceis-me bem, sabeis
como sou incapaz de permanecer em silêncio. Por vezes, ficar calado equivale a
mentir porque o silêncio pode ser interpretado como aceitação. Quero fazer
alguns comentários (…). Falou-se aqui de guerra internacional em defesa da
civilização cristã; eu próprio o fiz, outras vezes. Mas não, a nossa guerra é
apenas uma guerra incivil. Vencer não é convencer e devemos convencer acima de
tudo – e nunca poderá convencer o ódio que não deixa lugar à
compaixão.”
Millan-Astray ao lado de Francisco Franco
O general Millan-Astray interrompe-o e grita: “Posso
falar? Posso falar?" A escolta que o seguia apresenta
armas e alguém no público grita: “Viva
a Morte!”, que era o 'lema' da Legião Espanhola, de Franco.
Segue-se um silêncio mortal, sente-se o medo, e os olhares viraram-se para
Unamuno, aguardando a resposta.
E ela vem, lúcida e violenta:
E ela vem, lúcida e violenta:
Puvis de Chavanne, A Morte e a Juventude
“Acabo de ouvir o necrófilo e insensato grito 'Viva la muerte'!
Soa-me como se dissessem: 'Morra a vida!' Eu que passei a vida a compor
paradoxos que excitavam a ira de alguns que os não compreendiam, eu, perito que
sou na matéria, afirmo que este paradoxo ridículo me parece repelente. (…)
O general Millán-Astray é um inválido. Não é preciso falar baixo disto. É um inválido de guerra. Também o foi Cervantes. Mas os extremos não servem como norma. (…)
Ele quer criar uma Espanha nova, criação sem dúvida nenhuma à sua própria imagem. E por isso quer uma Espanha mutilada”.
o general Millán-Astray
O general Millán-Astray é um inválido. Não é preciso falar baixo disto. É um inválido de guerra. Também o foi Cervantes. Mas os extremos não servem como norma. (…)
Cervantes
Cervantes é ferido na Batalha de Lepanto
Atormenta-me pensar que o general Millán-Astray possa ditar normas
as normas da psicologia das massas. Um mutilado que careça da grandeza
espiritual de Cervantes, que era um homem -não um super-homem- viril e completo
apesar das suas mutilações, um inválido como disse que não tenha esta
superioridade do espírito é de esperar que encontre um terrível alívio
vendo como se multiplicarão os mutilados em seu redor. Ele quer criar uma Espanha nova, criação sem dúvida nenhuma à sua própria imagem. E por isso quer uma Espanha mutilada”.
O general reage, excede-se e grita: “Morra a intelectualidade
traidora! Viva a morte”. Ouviu-se, na assistência, o grito: “Morra a
inteligência! Viva a morte!”
Sem receio algum, Unamuno acrescenta:
“Este
é o templo da inteligência e eu sou o sumo sacerdote. Estais profanando o seu
sagrado recinto. Sempre fui, diga o que disser o provérbio, um profeta no meu
país. Vencereis porque tendes força bruta que baste. Mas não convencereis,
porque para convencer há que persuadir. E, para persuadir, necessitaríeis de
alguma coisa que vos falta: a razão e direito na luta. Parece-me inútil
dizer-vos que pensem na Espanha. Tenho dito.”
Miguel de Unamuno à saída da Universidade, onde nunca mais voltará
Miguel de Unamuno, escultura de Pablo Serrano
"Vencereis porque tendes força bruta
Mas não convencereis, porque para convencer há que persuadir.
E, para persuadir, necessitaríeis de alguma coisa que vos falta: a razão e o direito na luta."