Publica os primeiros versos, usando pseudónimos -heterónimos, como o nosso Pessoa, mas não de modo tão elaborado- como A.O. Barnabooth (o mais conhecido), Hagiosy L. ou M. Tourmier de Zambe.
O pai de Larbaud era proprietário das Termas das Águas de Vichy e ele viveu sempre muito bem, 'uma vida de dandy', como dizia.
Era um grande viajante: pela Europa, em deslocações constantes - como tanto as sonhou o nosso Cesário Verde!
Sim, "Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o mundo!" Recordo esses versos do Sentimento de um Ocidental, o seu desejo de evasão, de viagens, fechado na sua Lisboa e, depois, no campo. Indo até Paris, de passagem, e pouco mais. Quanta nostalgia não terá tido das viagens que não faria!
“Batem os carros de aluguer ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o Mundo!”
in 'Sentimento de um Ocidental', Cesário Verde (1855-1886)
in 'Sentimento de um Ocidental', Cesário Verde (1855-1886)
Em 1934, adoece seriamente. Volta de uma viagem a Itália num grande abatimento e, em 1935, sofre um acidente cerebral que o deixa hemiplégico e afásico. E vai passar os últimos 22 anos da sua vida, numa cadeira de rodas e incapaz de falar.
Grande
leitor, Valery Larbaud possuía uma biblioteca extraordinária. Conhecedor
de várias línguas: fala italiano, alemão, inglês e espanhol, é um grande tradutor.
Traduz James Joyce, por exemplo, de quem fica amigo. Vai ser ele o ‘corrector’ do Ulysses (traduzido por Auguste Morel) e é a Joyce que dedicará a novela “Amants, heureux amants”.
É também o tradutor de poesias de Coleridge, de algumas obras de Samuel Butler - que admirava- e de muitos outros.
Traduz James Joyce, por exemplo, de quem fica amigo. Vai ser ele o ‘corrector’ do Ulysses (traduzido por Auguste Morel) e é a Joyce que dedicará a novela “Amants, heureux amants”.
É também o tradutor de poesias de Coleridge, de algumas obras de Samuel Butler - que admirava- e de muitos outros.
Samuel Butler
O que ele próprio escreve é de uma grande beleza, e as suas figuras femininas de jovens e de adolescentes são tratadas com delicadeza.
Publica “Fermina Marquez” em 1911 onde fala dos amores da adolescência. Há quem o compare ao "Grand-Meaulnes", de Alain-Fournier.
Depois, vem “Enfantines” em 1918 - de que quero destacar duas novelas: "Rose Lourdin" e "Portrait d’Eliane à quatorze ans".
Do livro intitulado "Amant, heureux amants" (dedicado a James Joyce, 1920), releio a edição da Gallimard (a 5ª edição, de 1924) que agrupa também “Beauté mon beau soucis” (1921) e “ Mon plus secret conseil”.
O título “Beauté mon beau soucis” (livro dedicado à cidade de Alicante) é tirado dos versos de Malherbe, que dizem:
Depois, vem “Enfantines” em 1918 - de que quero destacar duas novelas: "Rose Lourdin" e "Portrait d’Eliane à quatorze ans".
Do livro intitulado "Amant, heureux amants" (dedicado a James Joyce, 1920), releio a edição da Gallimard (a 5ª edição, de 1924) que agrupa também “Beauté mon beau soucis” (1921) e “ Mon plus secret conseil”.
Auguste Renoir
“Beauté, mon beau soucis, de qui
l’âme incertaine
A comme l’Océan son flux et son reflux:
Pensez de vous
résoudre à soulager ma peine,
Ou je vais me résoudre a ne la souffrir plus.”
Auguste Renoir
É uma história, cheia de poesia em dois momentos - em que os sentimentos parecem 'brotar' sem entendermos porquê. Amor? Desconfiança? Quem ama quem, de verdade? Marc Fournier ou Richard Harding? Qual deles escolherá a figurinha de adolescente, depois jovem mulher, a inglesinha Queenie Crosland que o seu criador trata com tanto amor. Tal como a Fermina Marquez, aluna do Colégio Espanhol. Tal como as outras mulheres.
Cedo viaja por Itália, que percorre de cima abaixo, sobretudo o Norte. Veneza, Florença, Génova mas também Nápoles. Ou Inglaterra. Em 1911, encontra André Gide em Londres - de quem fica amigo e que convida, mais tarde, para a sua casa de Vichy.
Casa de campo da tia de Valery
Existe, em Vichy, o Centro Cultural Valéry Larbaud. Na sua biblioteca, encontram-se todos os grandes escritores do seu tempo. Sabia admirar, sem inveja.
Além
do mais, divulgador que foi, através das suas traduções de autores
desconhecidos – americanos, ingleses, espanhóis, portugueses e italianos- “fazia da tradução uma obra de arte ao mesmo título que as suas próprias
obras e isso era outra forma de generosidade”. “Traduzir com amor, continua Arland, “favorecia, nas literaturas europeias, a mútua compreensão e as trocas.”
E o mútuo apreço.
Em 1924, em Génova, encontra o
amor da sua vida, Maria Angela Nebbia, uma italiana, genovesa, que o acompanhará
toda a vida.
Descobri, há dias, num livrinho oferecido há muitos anos por uma pessoa amiga, “Poésie dans la nuit", o poema "Nuit sur le port", que fala de uma passagem do autor por Lisboa.
Valery Larbaud
tinha grande curiosidade em conhecer o nosso país. Conhecia bem a Espanha, desde a
Andaluzia a Barcelona, e ficara amigo do escritor Ramón Gomez de la Serna.
Em
1926, decide viajar com Maria Nebbia até Lisboa. Gomez de la Serna vivia, por
essa altura, em Portugal, numa vivenda que mandara construir no Estoril, “El Ventanal”, que Larbaud
achava “bizarra como o seu
proprietário”. "(…) Com janelas abertas sobre o Oceano, e virada para a América”.
'El Ventanal', no Estoril, que existe ainda
Quando parte para Lisboa decide não avisar Ramón do dia
da chegada.
Chega no Sud-Express, a 25 de Janeiro de 1926. Conta: “estava apenas a uma hora de caminho de comboio para o Estoril e da casa de Ramón. Ele esperou-me dias seguidos, mas o tempo passou –eu cheio de vontade de o ver”.
Encanta-se com a vista que tem da janela da pensão onde se instalam na Avenida da Liberdade, nº 168. Escreve:
Chega no Sud-Express, a 25 de Janeiro de 1926. Conta: “estava apenas a uma hora de caminho de comboio para o Estoril e da casa de Ramón. Ele esperou-me dias seguidos, mas o tempo passou –eu cheio de vontade de o ver”.
o Sud-Express, em Santa Apolónia
E ia, no entanto, arranjando mil pretextos para evitar a curta viagem, desde o
estuário do Tejo, desde a Avenida da Liberdade -onde vivia- até ao Estoril. Adiamento que correspondia apenas à vontade de “andar por Lisboa, sozinho com Maria Nebbia, e termos, juntos, alguns momentos de calma”.
E vão 'flanando' pela cidade, entusiasmados, com as coisas que nunca vira, arriscando-se até Belém e Algés.
Encanta-se com a vista que tem da janela da pensão onde se instalam na Avenida da Liberdade, nº 168. Escreve:
“A 'Avenida da Liberdade', a Avenida por excelência, para onde dão as minhas janelas, está toda lilás, com
as árvores floridas, e, através daquelas grinaldas vivas e
perfumadas, o sol mal consegue atingir o pavimento de grandes desenhos brancos em fundo
cinzento.”
Encanta-se com os bairros, da Baixa e da Alta de Lisboa, com as vistas do
elevador de Santa Justa sobre a cidade. Encanta-se com as cores, com as árvores e as flores e com as gentes que acha afáveis mas taciturnas.
No Museu das Janelas Verdes, deslumbra-o uma cabeça de Cristo, um Ecce Homo, dum primitivo português, anónimo, da 2ª metade do século XVI, que ali encontra. E recorda esse olhar invisível que o impressionara tanto, “coberto com um manto real, o olhar que nunca veremos”.
No Museu das Janelas Verdes, deslumbra-o uma cabeça de Cristo, um Ecce Homo, dum primitivo português, anónimo, da 2ª metade do século XVI, que ali encontra. E recorda esse olhar invisível que o impressionara tanto, “coberto com um manto real, o olhar que nunca veremos”.
Este Ecce Homo (ver o link abaixo) é uma
obra magnífica da segunda metade do séc. XVI. Encontrei a imagem num blogue que falava do referido quadro:
“Uma representação poderosamente dramática
e contida de Jesus, ultrajado e supliciado, no Pretório antes do Calvário, depois
de flagelado, cingida a sua cabeça com uma coroa de espinhos, os braços atados
com uma corda, que lhe rodeia o pescoço e desce ao longo do pescoço nu até aos punhos,
com um manto branco que lhe encobre a coroa e lhe tapa a parte inferior do rosto,
encobrindo-lhe os olhos".(*ver o link abaixo)
Encanta-se com a passarada empoleirada nas árvores sem folhas, do Largo Camões e as árvores cheias de pássaros, nesse Março de 1926.
Encanta-se com a passarada empoleirada nas árvores sem folhas, do Largo Camões e as árvores cheias de pássaros, nesse Março de 1926.
Encanta-se, para terminar, com a sua amada Praça do Comércio – de que
fala com um entusiasmo juvenil, que lhe é tão natural, nestas páginas sobre Lisboa!
“O nobre espaço solar do Terreiro do Paço, a
mais bela praça da Europa, rodeada de palácios antigos erguidos sobre arcadas e
com as escadas que descem na água do Tejo, vasta, como um braço de mar. O facto
da praça não ter pavimento contribui para a impressão majestosa que nos dá: o principal está dado:
tal como ‘a Piazza del Popolo’, com os sulcos e os atoleiros, como na gravura
de Piranesi.”
Valery Larbaud era, como Julien Greene ou Olivier Frebourg, um amante do Terreiro do Paço, a Praça do Comércio, que considerava uma das mais belas praças do mundo, ali à beira do Atlântico.
Dias mais tarde, já na companhia de Ramón, conhecerá escritores portugueses, entre eles António Sérgio e Almada Negreiros, fará uma conferência sobre a poesia francesa do século XVI, será aplaudido, encontrará amigos!
Dias mais tarde, já na companhia de Ramón, conhecerá escritores portugueses, entre eles António Sérgio e Almada Negreiros, fará uma conferência sobre a poesia francesa do século XVI, será aplaudido, encontrará amigos!
Acho que já falei de mais! Deixo a poesia de Larbaud, "Noite no porto".
Do seu yacht, o poeta apercebe os contornos da cidade de Lisboa, como se a espiasse de longe.
“O rosto vaporizado em Portugal”, desejando “viver nesse perfume de laranja em nevoeiro fresco” a espreitar, “de joelhos no sofá da cabine, às escuras, através do clarabóia redonda e luminosa que recortava a noite”.
E contempla as avenidas dos casinos e os cafés, os globos de luz branca dos candeeiros, através dos cortinados pendentes, das palmeiras sombrias, a ver as fachadas iluminadas dos hotéis imensos.
Do seu yacht, o poeta apercebe os contornos da cidade de Lisboa, como se a espiasse de longe.
“O rosto vaporizado em Portugal”, desejando “viver nesse perfume de laranja em nevoeiro fresco” a espreitar, “de joelhos no sofá da cabine, às escuras, através do clarabóia redonda e luminosa que recortava a noite”.
E contempla as avenidas dos casinos e os cafés, os globos de luz branca dos candeeiros, através dos cortinados pendentes, das palmeiras sombrias, a ver as fachadas iluminadas dos hotéis imensos.
"Le
visage vaporisé au Portugal
(Oh,
vivre dans cette odeur d’orange en brouillard frais!)
A
genoux sur le divan de la cabine obscure
- J’ai tourné les boutons des branches
électriques-
A
travers le hublot rond et clair e, découpant la nuit,
J’épie
la ville.
C’est
bien cela; c’est bien cela. Je reconnais
L’avenue
des casinos et des cafés éblouissannts,
Avec
la perspective de ses globes de lumière, blancs
A
travers les rideaux pendants des palmiers sombres.
Voici
les façades éclairées des hôtels immenses,
Les
restaurants rayonnant sur les trottoirs, sous les arcades
Et
les grilles dorées des jardins de la Résidence.
Je
connais encore tous les coins de cette ville africaine:
Voici
les postes, et la gare du Sud, et je sais aussi
Le
chemin que je prendrais pour aller du débarcadère
À
tel ou tel magasin, hôtel ou théâtre;
Et
tout cela est au bout de cette ondulation bleue d’eau calme
Ou
vacillent les reflets des feux du yacht…"
“Lettre de Lisbonne”, em “Jaune Bleu Blanc”, Oeuvres, Pléiade, Gallimard (pp. 918-933).
“Lisbonne géocritique d’une ville” de Alain Montandon
“Lisbonne géocritique d’une ville” de Alain Montandon
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