Morreu
o escritor francês Michel Déon, um grande romancista que deixou dois
livros inesquecíveis, Les Poneys Sauvages e Un Taxi Mauve.
E muitos outros: Le Balcon de Spetsaï, Un parfum de Jasmin, Le Jeune Homme Vert, Madame Rose, Je vous écris d'Italie - se bem que a minha preferência se fixe nos dois que citei antes.
E muitos outros: Le Balcon de Spetsaï, Un parfum de Jasmin, Le Jeune Homme Vert, Madame Rose, Je vous écris d'Italie - se bem que a minha preferência se fixe nos dois que citei antes.
Viveu muitos anos
entre a Grécia e a Irlanda, procurou os prazeres dos países tranquilos e dos
céus diferentes.
Escritor que pertenceu ao grupo dos Hussards, grupo que incluia também Roger Nimier (autor de Le Hussard Bleu que deu nome ao grupo).
Escritor que pertenceu ao grupo dos Hussards, grupo que incluia também Roger Nimier (autor de Le Hussard Bleu que deu nome ao grupo).
Déon festeja os 95 anos, na Académie Française
Em 1978, foi escolhido para a Académie Française.
Não ganhou nunca o Prémio Nobel, mas isso pouco importa porque foi lido e amado por
muitos leitores de bom gosto.
Em 1970, porém, recebera o 'Prix Interallié' pelo livro Les Poneys Sauvages, saído na Gallimard.
Escreve Josyane Savigneau, em Le Monde de hoje: "O seu amor pela descoberta era uma felicidade que ele sabia partilhar. Lia as novidades feliz por ver aparecer novos escritores.”
A
mim interessou-me sempre o seu entusiasmo, a sua humanidade e o sentido alto da amizade e do dever. Várias
vezes ‘usei’ passagens dos Póneis Selvagens para falar aos meus alunos desses sentimentos. Nos tempos em que ensinava, tive turmas muito interessadas pelas artes e pela literatura - por vezes, basta 'provocar' as pessoas para elas se interessarem!- e
falávamos de filmes, de livros, de sentimentos nobres, de liberdade de escolha. De tudo um pouco!
E era o filme de Peter
Weir - "O Clube dos Poetas Mortos". E era Les Poneys Sauvages (1970) de Déon -romance que
muito me tocara na altura em que o li pela primeira vez. E outras vezes se
seguiram porque é um livro muito interessante.
Lia-lhes, então, o capítulo em que o velho Professor Dermot Dewag se despede dos alunos – alunos de quem fora durante anos ‘tutorship’, em Cambridge- Georges Saval, Barry Roots, Horace McCay e Cyril Courtney. A Guerra vai rebentar, os tempos são confusos, um mundo vai acabar.
E que lhes diz "A loucura dos homens torna ainda mais sábia o meu retito..."
E que lhes diz "A loucura dos homens torna ainda mais sábia o meu retito..."
Nesse ano, lembro-me, eu ia partir para África e quis
deixar-lhes uma mensagem forte. Ilusão minha talvez… ou talvez não. Creio que nenhum gesto é inútil.
E já que são as ilusões e os sonhos que nos fazem viver e dão sentido à vida,
aparentemente absurda, vou recopiar esse
texto.
É um dos alunos do Professor, Georges Saval, que conta ao narrador(1):
É um dos alunos do Professor, Georges Saval, que conta ao narrador(1):
“O professor Dewag vai deixar a Universidade e voltar à Irlanda e quer que nós
os quatro continuemos a escrever-lhe. Vê cair sobre o mundo a catástrofe
predita pelo Apocalipse. De mão estendida sobre a salamandra apagada, fez-nos
jurar que recusaríamos um destino medíocre. E que iríamos em socorro uns dos
outros sempre que fosse preciso. Dewag está convencido que se quatro homens, em
dois biliões de indivíduos, mantêm essa promessa, o mundo pertence-lhes,,,
Jurei, mas pareceu-me um juramento pueril, o sonho um tímido de meias de seda que
nunca saiu do seus livros. A guerra que nos vai cair em cima não deixa grandes
esperanças aos juramentos deste tipo…” (pg.236)
Eu acredito
no que o velho professor Dermot Dewag disse aos seus alunos: se um punhado de
pessoas fizer um juramento idêntico, eu sei que alguma coisa vai acontecer.
Algo de forte. De importante. De decisivo.
A
verdade é que, apesar de desconfiado ao fazer o juramento, Georges Saval vai ser salvo,
numa praia de Dunquerque, por um desses condiscípulos do grupo de então.
É Barry Roots (pg.
243) que vai levar o corpo do colega às costas, através da areia escaldante da praia, no
meio dos gritos dos soldados feridos, debaixo das balas, sem nunca o largar,
batendo-se contra tudo e contra todos, desobedecendo às ordens e às proibições, até
o deixar num lugar seguro, num hospital de campo.
E salva-lhe a vida. Contra si próprio, também, e contra o seu ressentimento. Georges e Barry tinham acabado zangados na Universidade e nunca mais se tinham falado.
Creio que a época que hoje vivemos, tem muito desse pré-Apocalipse da 2ª Guerra: no desencanto, nas desilusões, nos medos. E na violência e nos perigos!
E salva-lhe a vida. Contra si próprio, também, e contra o seu ressentimento. Georges e Barry tinham acabado zangados na Universidade e nunca mais se tinham falado.
Creio que a época que hoje vivemos, tem muito desse pré-Apocalipse da 2ª Guerra: no desencanto, nas desilusões, nos medos. E na violência e nos perigos!
Muitos
anos mais tarde, Georges Saval dirá a uma amiga: “Estes são os primeiros
póneis selvagens que vejo. E talvez sejam os últimos. Seguimos em direcção a um
mundo onde cada vez menos haverá póneis selvagens”. (pg.251)
Não é simples ser-se livre e correr como correm os póneis selvagens! O peso da sociedade dos consumos vários, as injustiças, a sede de ganhos e de lucros, o desinteresse, o egoísmo são os mesmos...
No entanto, pode-se sempre seguir a última lição do Mestre Dermot Dewag aos seus alunos:
No entanto, pode-se sempre seguir a última lição do Mestre Dermot Dewag aos seus alunos:
“Sempre
que um de vós precisar de ajuda, ou chamar o outro, ou correr perigo, os outros
devem responder a essa voz.”
E quem lê hoje Os Póneis Selvagens? É interessante o que o escritor disse uma entrevista, em 2011. Michel Déon fala do sucesso dos Poneys Sauvages:
"Nestes últimos anos acontecia-me que me parassem na rua alguns jovens, para me falarem dos 'Poneys'. Coisa singular, pois bem sabemos que a vida dos livros não é longa. (…) Por isso fiquei curioso e quis verificar por que razão, duas gerações mais tarde, o livro continuava a interessar. Ao relê-lo, fiquei horrorizado com certos erros, não com a história, pensei até que o livro não era mau, desculpem a falta de modéstia, só que precisava de uma limpeza.”
Em 2016, Michel Déon recebeu o Prix Larbaud. É, com certeza, um escritor cuja leitura recomendo! Vi que está publicado na Bertrand "O Táxi Cor de Malva" e, na Difel, "Escrevo da Itália".
(1) Les Poneys Sauvages, Oeuvres, Gallimard, 2006
(2) Entrevista ao jornal Le Point, em 2011
Biografia
breve:
Michel
Déon nasceu em 1919, em Paris. Foi jornalista e colaborador de uma casa de edições.
Viajou pelas Américas, na Europa e em África. Viveu muitos anos, com a mulher e os
filhos, ora na Grécia, em Spetsaï, no Golfo de Argos, ora na Irlanda, em County
Galway.