domingo, 30 de abril de 2017

Meditação para principiantes...


Lotus, do fotógrafo vietnamita Tê Thahn Tù

A minha amiga Ana Luísa emprestou-me dois livros sobre Meditação. Para principiantes como eu. Intitula-se  um “Meditation for Beginners” e o autor é Jack Kornfield e o outro "How to meditate" e é de Pema Chödrön (*).

Não tenho ideia como se medita.  Esvaziar a cabeça das coisas inúteis  para dar lugar às coisas essenciais? Mas como? A verdade é que nunca consegui perceber como fazê-lo -por isso as ideias profundas que revelam o nosso íntimo andam por aí perdidas.
foto do vietnamita Tê Thahn Tù

A brincar, recordo o actor italiano Renzo Arbore que recomendava sempre, com o seu ar irónico, ao terminar o programa “Quelli della notte”: “Meditate gente, meditate.” Que eu interpretava como uma pausa, um conselho para ter calma: “Pensem bem!"
Leio agora nesse livro: “Quando têm tempo para estar quietos, todos os seres humanos são capazes de perceber que as suas vidas podem ser vividas com maior compaixão e consciência”. 
Existem vários  tipos de meditação. “Pouco importa o tipo escolhido –escreve Kornfield- o importante é escolher um modo qualquer e continuar a praticar.” Regularmente.
Uma boa prática de meditação é a que desenvolve a consciência e a espiritualidade (mindfulness) do nosso corpo e dos nossos sentidos, do espírito e do coração.” (op.cit.pg.8) Continuo a perguntar a mim mesma: o que é meditar?
“Se escolhermos o modo ‘vipassana’ (do Budismo) –cujo sentido é ‘ver as coisas tal como elas são’, veremos que esta prática põe em relevo a atenção do espírito, desenvolvendo uma consciência imediata da nossa experiência em todas as esferas da nossa actividade.”
Vipassana (o íntimo) é uma prática de meditação que leva a procurar uma calma interior profunda e simultaneamente acordar para a verdade.

Continuo à procura. Tantas ilusões, tanto voluntarismo, tanta convicção da eternidade que passa pela nossa cabeça ao longo da vida. De repente, caímos em nós e pensamos que há ondas que não conseguimos dominar. Ondas de todas as espécies, claro.
E leio mais: “A onda que não conseguires vencer, aprende a passar-lhe por cima” (“You cannot stop the waves but you can learn to surf” (p. 17).
Aprender a “surfar”, sim, mas como?, pergunto. “Pela meditação”, responde o autor. 
Aí, creio, lá se vai a nossa ilusão de sermos invencíveis, superiores, imutáveis, e sabermos decidir de tudo. Cai por terra o nosso convencimento.
Templo de Angkor (foto de Marisa Volonterio)
Na meditação, explicam-nos, aprendemos que não somos donos do nosso corpo e que nos limitamos a habitá-lo por um curto espaço de tempo.” O curto espaço de tempo que é uma vida inteira!

Durante esse tempo limitado, o nosso corpo vai mudar sozinho, sem ter em conta o que nós gostaríamos que nos acontecesse. O mesmo se pode dizer em relação ao espírito e ao coração, com as suas esperanças e medos, com sofrimento e alegria.”
 alegria e beleza

Escreve Jack Kornfield: Continuando a meditar, aprendemos a relativizar mais sabiamente aquilo a que Zorba, o Grego, chama “Catástrofe total.”
(Zorba, o grego, era o herói de Nikos Kazantsakis, escritor, e filósofo bergsoniano, interessado na cultura clássica grega – de Ulisses e Homero ao Diónisos, de Prometeu a Platão. Dizia Kazantsakis: “um homem verdadeiro é aquele que resiste, que luta e que não tem medo de dizer ‘não’ nem mesmo a Deus quando isso for necessário”.)
Metafísica, De Chirico
Meditando, aprendemos a vencer outros desafios e estados de espírito como a raiva, a confusão mental e o medo.
No fundo, meditar é ‘acordar’ para as leis da vida. "Começamos a ver como corpo e alma trabalham de modo a que possamos chegar a uma relação mais inteligente com  eles.”

Mindfulness what is this?”, pergunta Kornfield.
 Uma maior atenção ao que nos rodeia, aos nossos corpos aos nossos espíritos, aos nossos corações. É, exactamente, essa atenção consciente,  respeitadora de nós próprios, da nossa realidade, da nossa verdade.
E ponho-me a pensar: o que faz o coração nisto tudo? Creio que é a capacidade de amar que existe em cada um de nós, nem sempre aproveitada, que nos conduz ao sentimento de compaixão…


'Compaixão' que está mais perto do latim “patire" (sofrer) "cum" do que o vulgar sentido de ‘dó’ ou ‘pena’. É a companhia que se faz a alguém que sofre. Porque “patio” – de onde vem paixão-  está ligado à consciência do  sofrimento, à dor. 
Budha é o homem que quis acordar. Para uma nova vida em que "perdoar" e "ter compaixão" têm sentido. 

E conto uma pequena história do livro que nos ajuda a entender um pouco mais a proximidade de ‘meditar’ e acordar.
"Budha, depois de conhecer a luz, vai por uma estrada onde encontra um homem que se surpreende com ele. Estranha a sua segurança, o aprumo, a elegância e a notável energia deste ‘yogi’.
- “Quem és? Não pareces humano. O que és tu? Um anjo ou uma divindade?” 
O Budha diz: “Não”
- “Então és um homem?” 
A resposta é de novo “Não”
- “O que és, então?” 
E o Budha responde, simplesmente: “Eu sou boudha. Estou acordado.”
A palavra “boudha” significa apenas isso: “I am awake”. Então, ser budha é estar acordado. Ser alguém que acorda para o conhecimento da natureza da vida e da morte. Que acordou e se conheceu e que deu liberdade à compaixão para com o outro, para com os animais e as plantas, no meio deste mundo. (op.cit. p.11)
o conhecimento como uma "jóia" (Lê Than Tù)
Boudha abriu os olhos para o conhecimento. Despertou para tudo. Para uma vida nova onde perdoar é importante. Porque só deixando para trás o ‘lastro’ da vida, desligando-nos dela, podemos avançar. Sem conhecer o perdão, ficamos agarrados ao pensamento ‘quem fez isto ou aquilo – e a quem”, prisioneiros desse velho ‘ciclo’ para sempre. (p.57)
Jack Kornfield, o jovem monge budista
Kornfield nasceu em 1945 e foi monge budista na Tailândia, na Birmânia e na Índia. Ainda hoje ensina Meditação pelo mundo fora. Um dos seus Mestres foi Ajahn Chah que seguia a tradição Vipassana.

O mestre ensinava: “O ódio nunca acaba através do ódio. Este só com o amor pode ser curado.”
Depois da guerra do Vietname, conta Kornfield, dois ex-prisioneiros americanos encontram-se. Um pergunta ao outro: “Já perdoaste aos teus captores?” – “Não, nunca perdoarei!” é a resposta. O primeiro abana a cabeça e diz: “Então quer dizer que 'eles' ainda te têm preso…”

A meditação deve treinar-nos para libertarmos a mente do que passou para trás - e estarmos presentes –atentos- em cada momento "presente" da vida. Conscientes. Em sintonia com a vida, despertos – porque a meditação consciente reduz a tensão, acalma o espírito e abre o coração, suavemente.
Jack Kornfield, 
“Não importam as preocupações de ontem, importa que saibas onde estás hoje, porque, basicamente, estar consciente, no momento presente, é o que conta. Se perdermos este momento, ele desapareceu para sempre. Não haverá outro como ele.”

A meditação não se foca em nenhum estado de espírito específico porque não existe estado de espírito que 'dure', em que se possa “permanecer”, pois vivemos em impermanência, e na efemeridade de cada momento.
A verdade é que os grandes filósofos ou pensadores das mais diversas religiões ou filosofias têm muito em comum. Se o forem a sério. A efemeridade do momento que passa é uma constante. O sentido da ética, do bem, é-o também.
Recordo uma história do Rabbi Nahman. Um dia, o seu discípulo chega a correr. “Desculpe, Mestre, venho atrasado.” O Rabbi pergunta: “Olhaste para o céu, hoje?” – “Não pude, vinha atrasado…” Ele censura-o: “Não percebeste que nunca mais este céu de hoje terá o mesmo azul, nem a manhã esta luz?”
Como aprendiz de meditação, parece-me entender que, ao lidar com a dor e com o stress, com o medo, há pontos vitais do nosso corpo em que se fixa a tensão e a dor. É na consciência e observação do que sentimos, que podemos, pelo desprendimento consciente, viver com esses problemas. Se nos refugiarmos na fuga.
Ter consciência da dor que se sente, deixar ir a dor, ou aceitar, consciente?
Continuo a ler, quero saber mais. Como se deve meditar? seguir o ensinamento: não ignorar os problemas - eles são a tal 'onda' que devemos 'cavalgar'. Portanto, encará-los e seguir em frente.

A dor faz parte da vida, como o prazer, por isso não vale a pena ignorá-la – ou fugir -  porque então teremos de passar a vida a fugir. Mais útil será aprender a reagir e a enfrentar tudo isso – prazer e dor - com compaixão, ternura, perdão e compreensão.

Devemos sentar-nos num lugar onde nos sintamos bem, distendendo os músculos e respirando: ouvindo-nos respirar.”

Segundo a tradição budista “o inimigo mais próximo do amor é a ligação. Esta 'mascara' o amor, 'parece' amor, mas realmente significa outra coisa: 'estou ligado a ti e preciso de ti para ser completo', o que não tem que ver com o amor mas sim com a necessidade do amor"
E pode ser apenas o nosso egocentrismo - ou uma forma de narcisismo até.
Bem conscientes, no entanto, que por outro lado, "o inimigo da 'equanimidade', ou ‘espírito equilibrado’, é a indiferença.” 
O amor, a compaixão empurram-nos para a 'equanimidade': sinónimo de imparcialidade, abnegação, justiça, altruísmo, serenidade de espírito. 
Pema Chödrön-

Viver em plenitude (live life fully) -diz Pema Chödrön- é conhecer e aceitar muitas vezes o que não amamos em nós: impaciência, inveja, raiva, ciúme, olharmos para eles de frente. Sem meter a cabeça debaixo da areia... 

Pema Chödr]on nasceu em New York, em 1936, e é uma monja budista, seguindo a  tradição Vajrayana, tibetana.

Jack Kornfield
Entre esses dois inimigos perigosos é que se encontra a 'compaixão'. Talvez seja ela que nos  ajuda a 'sentirmos como somos" e a ter o desejo de nos encontrarmos connosco próprios, coerentes, verdadeiros, e, assim, sermos capazes de encontrarmos o outro, numa plenitude que só a consciência de nós, da aceitação de nós e dos outros, nos pode conceder. 
Em termos pobres, resumindo, o segredo da meditação é encontrarmos o nosso equilíbrio – connosco e com o que nos rodeia-, sem esquecer nunca a natureza! 
Na meditação devemos aceitar o que somos, os defeitos sem os catalogar de 'bons' ou 'maus, 'certos' ou 'errados' e "vê-los" sem fugir.

Tudo é efémero e impermanente, logo o que nos marca é o momento presente. Deixemos para trás os ontens que já passaram e ignoremos os futuros que só contarão quando forem presente. 
Pema Chödrön

Na meditação vivamos conscientes, atentos, cada coisa que nos atinge –dor, stress, prazer- porque, por mais difícil que nos pareça o suportar, há em nós o poder de ultrapassar se estivermos acordados, atentos ao que se passa dentro e fora de nós, conscientes da raiva, da dor, ou do prazer? 

Mantendo a simples atitude de que o espírito deve trazer-nos de volta ao presente sempre: atentos e "keep coming back" ao presente.
Não conseguindo dominar as ondas potentes, teremos de cavalgar por cima delas. 
O poder de compreender o outro é o mais importante, o sentimento de  compaixão, que eu interpreto como o fazer companhia, o perdoar .
Sem esquecer o passado á não existe no presente e pode impedir-nos de atingir o presente e continuar em frente para outros presentes. 
Uma amiga yogi, a M. escreveu-me e disse: "Meditar é entrar no nosso eu mais essencial para nos ajudar a suportar as contrariedades da vida. Cada um de nós medita, medita como pode. Deixar a mente em branco, inspirar e expirar fundo com uma música apropriada, sem pensar em nada, traz uma serenidade e paz interior. A vida fica dum lado, só existe o momento."
Só na prática regular e na abstracção de tudo o resto, mas com a atenção virada para o insight - a vista para dentro - no momento presente, no 'hoje', em consciência, e acordados, atingiremos um estádio de paz interior? 
Sim E talvez – porque não?- o nosso ‘nirvana’.
Que será sempre na companhia e no amor de nós e dos outros. 

Lembro o escritor Aldous Huxley (**) que, a dada altura da vida, se aproximou da religião budista. 

Já no final da vida, perguntaram-lhe o que aprendera com os mestres,  na sua jornada espiritual,e ele respondeu:
"Pode parecer estranho dizer isto, mas acho que se resume apenas em aprender a ser gentil..."


(*) “Meditation for Beginners”, de Jack Kornfield, Bantam Books, London e “How to meditate”, de Pema Chödrön, Sounds True, Colorado. 

(**) No livro, “As portas da Percepção”, Aldous Huxley (que nasceu no Surrey, em 1894, e morreu na California, em 1963) -citando William Blake- escreve:
 “Se as portas da percepção estivessem limpas tudo pareceria infinito ao homem.”

(“If the doors of perception were cleansed everything would appear to mas as it is, infinite.”)


sábado, 22 de abril de 2017

AH, ITALIA MIA!


Trieste e Piazza dell’ Unità

Vou contar uma história que se passou em Trieste. Em Novembro do ano passado, no regresso, tomei nota no meu bloco de notas e escrevi depois à minha filha Gui:

“Estávamos sentados no Café Ex-Urbanis (hoje chamado “Excelsior”) a beber um chocolate quente, que ali é muito bom. E aconteceu uma coisa engraçada."
o golfo visto da Piazza dell’ Unità (foto M.J.F.)

Piazza dell’ Unità, "Le sartine" ou "Ragazze di Trieste"
Recordo que, nessa tarde, tinha havido – entre outras festejos- um desfile de “bersaglieri”, na Piazza dell’ Unità. Creio que se festejava a libertação da cidade de Trieste, pelos “bersaglieri” italianos. 
Um desfile diferente e muito interessante porque esta tropa desfila a correr e usa, pendurado nos capacetes, inclinados para um lado da cabeça, um molho de plumas negras de faisão tetraz. 
Ao pôr-do-sol, na Piazza, houve um concerto dos “bersaglieri” - seguido do amainar da bandeira. 
A banda dos bersaglieri tocou: clarinetes, trompetes, saxofones, tudo soava maravilhosamente. 
No final, lembro que tocaram "Va pensiero", ária da ópera de Verdi (**) e era tão belo, tão comovente, voltar a ouvir aquela música que ouvira, noutros tempos, tantas vezes!
Ao fim da tarde, na Piazza dell' Unità, houve um concerto dos “bersaglieri” seguido do amainar da bandeira.

Para saberem um pouco mais: os Bersaglieri são unidades de elite, "infantaria ligeira de alta mobilidadecriadas, em 1836, ao serviço do Reino da Sardenha. 
Depois pertenceram ao Exército Real Italiano (Regio Esercito) e são considerados, ainda hoje, tropas "de alto valor moral e espírito agressivo".
Bersaglieri , unidade móvel  em bicicletas
Durante a Iª Guerra, distinguiram-se no combate, como unidades móveis. Entre 1914-1918, dos 210 mil membros dos regimentos de Bersaglieri, 32 mil homens foram mortos e 50 mil ficaram feridos. 
a banda dos bersaglieri, em Trieste
Continuo a carta, interrompida:
No Café, sentados mesmo atrás de nós, estava um grupo de antigos 'bersaglieri', em conversa animada. Tinham festejado, era tarde e começavam a despedir-se uns dos outros.

Piazza dell’ Unità


Minutos antes, eu tinha deixado cair as luvas de lã vermelhas no chão e o pai levantou-se, apanhou-as e pô-las em cima da mesa. É verdade que o pai estava muito elegante e gentil…
um faisão tetraz
Um dos senhores, ao passar por nós, parou. Deu a mão ao teu pai, pegou na minha mão, olhou-me e disse: 'Tenho oitenta anos, fui militar “bersagliere”, tive uma vida dura. Mas, sabes?, o gesto do teu marido comoveu-me.'
vista sobre a Piazza dell’ Unità (MJF)
Deu uma pancadinha na cara do teu pai, apertou com força a minha mão na sua e foi-se embora sem olhar para trás. Comovido, sim. E nós ficámos comovidos também: um italiano - e, ainda por cima, um “bersagliere!..."
Piazza dell’ Unità, iluminada (foto M.J.F.)
Quando saímos, a noite caíra sobre a maravilhosa Piazza dell' Unità. Sentíamos um calorzinho no peito que não era apenas do chocolate quente.
Piazza dell’ Unità, à noite (foto M.J.F.)

Curiosa a resposta da minha filha:
Sim, a vida é feita de encontros com pessoas bonitas. Que nos compreendem e nos compensam da desgraça que são os outros.

* * *
(*) No dia 3 de Novembro, dia do padrono da cidade, San Giusto, festeja-se também o desembarque, em 1918, dos “bersaglieri”, em Trieste. No dia 3, ou 4, de 1918, terminada a Guerra, as tropas italianas entraram em Trieste, depois dos austríacos terem abandonado a cidade. A primeira nave a entrar no porto foi o caça-torpedeiros ‘Audace’. 
Daí o nome do cais ainda hoje assim chamado. Junto ao cais, um soldado que traz a bandeira italiana sobe a escada - la Scala Regia-  construída em 1922.
Ao lado dele, "Le sartine", homenagem às costureirinhas que coseram as bandeias italianas, esculturas do  umbro, Fiorenzo Baci, em 2004, data do 50º aniversário da 'redenção' da Itália (1954).
O cais Audace e as esculturas de Fiorenzo Baci (M.J.F.)
Em 2016, passou o 98º aniversário. A Câmara de Trieste organiza sempre as festividades, em colaboração com a Associazione Nazionale Bersaglieri- Sezione Trieste. Os bersaglieri são unidades de elite, de infantaria ligeira de alta mobilidade. 
Depois da guerra foram convertidos em tropas de bicicleta para combates velozes juntamente com a Cavalaria (as Celari) e ao lado dos tanques.
Na IIª Guerra, foram submetidos a um treino físico intenso (como o haviam sido na Iª Guerra) e foram-lhes exigidas capacidades especiais, em artilharia.

Desses bersaglieri dizia Rommel: Os soldados alemães conseguiram espantar o mundo, os 'bersaglieri' italianos conseguiram espantar os soldados alemães."
(**) "Va, pensiero", ária da conhecida ópera de Giuseppe Verdi, "Nabucco", passagem do "Coro dos Escravos judeus". "Va, pensiero, sull'alli dorate" foi proposto para substituir, em 2009,  o antigo hino italiano, o Hino de Mamelis

domingo, 9 de abril de 2017

Um ou dois Haïkaïs de Batshô e a libélula vermelha


Descobri na minha biblioteca um livro que me deu a Gui, a minha filha, que foi a primeira a ‘levar-nos’ para a poesia curta japonesa. 
É de 1993 essa oferta, estávamos nós em São Tomé. Estranha mistura! Não me lembro de ter lido os poemas lá na Ilha, vê-se que foi um dos livros que ficou por cá. 

Descobrem-se coisas novas nos livros. Este livro, que se intitula “Le Livre d’ Or du Haïkaï ”, explica a evolução do poema curto japonês. (*)
Debruça-se sobre a poesia de Batshô, Issa, Buson e e Shiki que, creio que de nome já os vamos conhecendo. Mas aparece sempre algo de novo.

De facto, é Bashô - que se chamava Matsuo Manifusa mas que simplifica o nome para Bashô, depois dum aluno lhe «plantar à porta de casa uma bananeira que não dá frutos e se chama “bashô”. Tem poemas delicados e belos. Apenas estes dois poemas e uma história:
Um dia o seu aluno preferido Kikaku escreveu:

Uma libélula vermelha
cortem-lhe as asas
um pimento.
Bashô achou os versos demasiado cruéis e para tornar o  haïkaï mais fiel aos sentimentos budistas -que eram os seus- escreve em resposta:

Um pimento
ponham-lhe umas asas
libélula vermelha.
Bashô 

A partir de 1675,  Bashô “põe em prática uma poética do haïkaï que os seus discípulos vão seguir. Não se trata de um ‘jogo’ como a poesia imediatamente anterior era, um ‘jogo de corte’, de habilidade e de belas palavras mas, sim, de um género poético específico, tocando na essência mesma da poesia”. (in Prefacio)

Antes surgira a ‘tanka’  que se torna muitas vezes num jogo de sociedade, uma espécie de "poema-cadeia": um poeta propõe os três primeiros versos, um outro continua e por aí adiante. 

Mais tarde, ainda, o  haïkaï vai ter apenas 3 versos, com poetas como Sôgi, Sôkan e Moritake Arakida (1473-1549). ´

Com Bashô - monge entre zen e laico- (1644-1694), o haïkaï não vai ser nenhum “jogo” nem será facilitado pela ausência de regras da escrita: vai ser uma composição ‘reflectida, requintada, trabalhada”. Uma linguagem alusiva mas simples, uma linguagem ‘não palpável’ que tem a intenção de suscitar os ecos do mundo interior.
Masaoka Shiki

Uma poesia de grande pudor dos sentimentos que vai buscar as palavras simples do dia a dia e que as enche de sentido, apresentando, numa visão súbita e simultânea do instante vivido, imagens, sons, sentimentos…

Bashô vai ser o grande poeta-viajante, atravessando as “Oito grandes Ilhas”, para ler os seus poemas e ensinar os seus alunos por toda a parte, criando a amizade.
(Só no século XIX aparecerá o ‘haïku’, derivado do haïkaï -hokku.)
  
Kobayashi Issa

Este livrinho apresenta, além de Bashô,  poemas de Busón, Kobayashi Issa, e Masaoka Shiki.
 Hocusai


(*) editado pelas Editions Seghers, com um bom Prefácio de Pierre  Seghers, o livro tem muitas notas explicativas, e belas imagens de pintores japoneses, um biombo 'Nanban', que representa a chegada dos portugueses ao Japão e muitas imagens de pinturas de Toyokuni Utgawa e de Katsushika Hocusai.