segunda-feira, 29 de janeiro de 2018
domingo, 21 de janeiro de 2018
O Outono, melancólico Outono..
"O Outono está por toda a parte. Sempre. Na tristeza súbita que nos invade sem razão aparente. Na melancolia a olhar pela janela. Nas recordações que jorram do coração e nos fazem suspirar sem querer.
Tem morrido gente. Morre sempre gente no Outono. Gente jovem, gente velha. Gente que não resiste ao peso da vida, que já não espera. Que se cansou de viver. Ou gente que não tem saúde mas gostaria tanto de viver.
Munch, Quarto e morte
Tem morrido gente. Morre sempre gente no Outono. Gente jovem, gente velha. Gente que não resiste ao peso da vida, que já não espera. Que se cansou de viver. Ou gente que não tem saúde mas gostaria tanto de viver.
A Corredoura no Outono, Miguel Barrias
A vida é injusta e cruel e não é só Deus a
decidir dessa injustiça. É tanta coisa! A esperança e a desesperança, o encontro e o desencontro. A ambição do absoluto, um absoluto que talvez não exista. A impaciência, a pressa, a desconfiança. O amor e o desamor.
Culpa de Deus? Não, até porque Deus até talvez não exista. Mas querer ter um
deus evita-nos os medos de que ele talvez não exista. E se ele não existir, então? Quantas vezes choramos a
pedir-lhe coisas, a pedirmos que não aconteçam coisas. E Deus ouvia? Deus ouve?
Régio fala das "Encruzilhadas de Deus"...
Régio fala das "Encruzilhadas de Deus"...
Desencontros, sofrimentos, medo, desejo de ser amado, medo de não saber amar. Querer o infinito. Sempre.
O desencontro com a minha mãe que tanto amei. Será que ela o soube? Dele falo na minha história “Noite
na Serra”. Só nós duas sabíamos dessa 'falta' e do medo que talvez
tivéssemos de que não gostássemos uma da outra - como teríamos querido que fosse sempre. E o medo de não nos amarmos, afinal, como nos tempos em que nos tínhamos amado.
Dizia o meu amigo Agostinho Castro - um Poeta que morreu sem nunca saber como foi - que
era a história mais terrível das que lhe mostrei.
Marc Chagall, O Poeta e os pássaros
Falava da solidão e da coragem da minha mãe nos últimos anos. Como se sentia perdida nas noites de Inverno. Teria vontade de partir depressa?
Rembrandt e o Anjo
Nesse conto falava da minha vontade de lhe dizer o que nunca lhe disse. Do grito que não me saía dos lábios:"estou aqui!"
Para que servia a minha pena? De uma pessoa perdida no meio da serra e da solidão?
E o que fiz eu? Nada, creio. Não havia nada a fazer, e desculpei-me por estar longe, muito longe...
Um dia, pouco antes de morrer, disse-me: "Vem ver. Tão bonitas as árvores..."
Encostei-me ligeiramente ao ombro da minha mãe e não disse nada.
Quando chega o Outono tenho vontade de chorar..."
Um dia, pouco antes de morrer, disse-me: "Vem ver. Tão bonitas as árvores..."
Encostei-me ligeiramente ao ombro da minha mãe e não disse nada.
(Outono 2017)
sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
Primo Levi: 70 anos depois da publicação de "Se questo è un uomo"...
Li, no jornal italiano La Repubblica, em Novembro do ano passado, um artigo em
que se falava do escritor Primo Levi e de David Grossman, ensaísta e romancista israelita. Intitulava-se "Ler Primo Levi". De facto, a temática do escritor é, infelizmente, verdadeira e actualíssima! O homem continua a perseguir o homem. O homem continua a infernizar a vida do homem.
O jornal referia-se à cerimónia
de entrega, em Génova, do ‘Prémio Internacional Primo Levi’, a David Grossman.(1)
Diz o articulista: "Grossman confessa que aprecia Levi desde a leitura de 'Sistema periódico' . Considera que o livro 'Se questo è un uomo' é especial, com uma lição muito importante a tirar."
Grossman
que aprecia Levi desde a leitura de “Sistema periódico”, acha que Se questo è un uomo é um livro muito especial:
“Enquanto o lia, página atrás de página, sentia que o livro deste autor, deste
homem –como me aconteceu com mais três ou quatro- me indicava um modo único e
particular não só de observar a vida mas também de a viver!”
E
refere isto como coisa de grande actualidade, num momento em que o problema dos migrantes
continua a acender-se sobretudo na óptica do acolhimento destes refugiados do
mundo.
No discurso de agradecimento, diz :
‘Se questo è un uomo’ é o livro em que pela primeira vez Levi fala dos quase doze meses no campo de extermínio de Auschwitz. Poderíamos falar horas e dias desta obra, da desorientação que causa no leitor o estilo sóbrio e límpido do escritor mesmo quando descreve os horrores mais terríveis, nunca antes sofridos por seres humanos, o processo de destruição e da perda de qualquer semelhança humana não apenas por parte dos nazis e dos seus auxiliares, como também das próprias vítimas.”
No livro "Il sistema periodico", Primo Levi referira já a passagem por Auschwitz. Esta sua autobiografia é considerada uma das mais belas e originais.
A particularidade é que cada capítulo do livro corresponde a um elemento químico da tabela periódica de Mendeliev que, confesso, não conheço.
‘Se questo è un uomo’ é o livro em que pela primeira vez Levi fala dos quase doze meses no campo de extermínio de Auschwitz. Poderíamos falar horas e dias desta obra, da desorientação que causa no leitor o estilo sóbrio e límpido do escritor mesmo quando descreve os horrores mais terríveis, nunca antes sofridos por seres humanos, o processo de destruição e da perda de qualquer semelhança humana não apenas por parte dos nazis e dos seus auxiliares, como também das próprias vítimas.”
No livro "Il sistema periodico", Primo Levi referira já a passagem por Auschwitz. Esta sua autobiografia é considerada uma das mais belas e originais.
A particularidade é que cada capítulo do livro corresponde a um elemento químico da tabela periódica de Mendeliev que, confesso, não conheço.
Mendeliev e a tabela periódica
na Universidade de Turim, que tem de abandonar pelas "leis rácicas"
Leio na internet que "no capítulo dedicado ao Ouro,
entramos com Primo Levi no Campo de
Aushwitz".
‘Na minha cela também havia um rato. Fazia-me companhia mas, de
noite, mordiscava-me o pão. (…) Sentia-me mais rato do que ele: pensava nos
caminhos nos bosques, nas neves lá de fora, nas montanhas indiferentes, nas
centenas de coisas maravilhosas que, se voltasse a ser livre, poderia fazer, e
a garganta fechava-se como um nó.’
Sabendo que não haveria tempo para relembrar tudo isto, Grossman escolhe "falar do único,
crucial, contacto humano que Levi teve em Auschwitz, com um homem que se
chamava Lorenzo.”
E acrescenta:
Primo
Levi escreve: “a história da minha
relação com Lorenzo é ao mesmo tempo longa e breve, simples e enigmática: é a
história de um tempo e de uma situação hoje apagados por qualquer realidade
presente.
(...)
Reduz-se
a pouca coisa: um operário civil italiano trouxe-me um bocado de pão e os
restos da sua comida todos os dias durante seis meses; deu-me uma camisola
remendada, escreveu – a meu pedido - um postal para Itália e, depois, a minha
resposta a esse postal. Não pediu nada por tudo isto nem aceitou qualquer
recompensa, porque era um homem bom e simples e não pensava que o bem se
praticava para ter alguma paga.”
Tantas
coisas pequenas, quase insignificantes, mas que se revelam essenciais para um ser humano que não esteja dolorosamente ferido e cheio de medo, ao ponto de viver
mecanicamente, apenas para sobreviver de qualquer maneira.
"Num
lugar onde os civis nos olhavam com todos os matizes que estão entre o desprezo
e a comiseração. Éramos como “intocáveis”, marcados talvez por uma culpa
gravíssima para termos sido condenados a tal vida, reduzidos àquela condição, quase
como animais, batidos todos os dias, cada dia mais abjectos aceitando sem nos
rebelarmos, sem um olhar de esperança, de paz, ou de rebelião.”
Lorenzo Perrone
Primo Levi
“Lorenzo era um homem; a sua humanidade era pura e incontaminada, ele estava
fora do mundo de negação em que vivia. Graças a Lorenzo consegui nunca esquecer
que eu próprio era humano também.”
Lorenzo Perrone nasceu em Fossano, em 1904, e ali morre em 1952, alcoolizado, incapaz de "lidar" com o traumatismo do que viu em Auschwitz.
Castelo de Fossano
Primo Levi com amigos, antes
Diz
Grossman: "um simples operário italiano olhou para ele como se olha para um
homem. Recusou-se a ignorar a sua humanidade,
a colaborar com aqueles que queriam apagá-la e, fazendo-o, salvou-lhe a
vida. Quão simples e grandioso foi este seu comportamento. Penso na força de um
olhar benévolo na vida de uma pessoa. Não só nas circunstâncias da loucura
extrema de Auschwitz mas na vida normal de todos os dias.”
Um
olhar, um sorriso acolhedor, podem salvar quem se encontra numa situação
difícil ou, mesmo, desesperada. Lembra a situação trágica dos migrantes no mundo
de hoje. “Este livro ensina-nos a maneira não só de observar a vida como a vivê-la.”
Grossman acaba quase por nos convidar a seguirmos o exemplo de Lorenzo quando olhamos as tragédias dos deserdados de hoje. Olhar bem nos olhos pelo menos um desses refugiados é quase uma obrigação nossa.
Grossman acaba quase por nos convidar a seguirmos o exemplo de Lorenzo quando olhamos as tragédias dos deserdados de hoje. Olhar bem nos olhos pelo menos um desses refugiados é quase uma obrigação nossa.
Nesta
Europa que se fecha, que põe muros e redes de arame farpado ou não, ou que
ignora, desvia o olhar, na indiferença mais completa, criticando-os, cinicamente.
“Que voltem para a terra
deles, eu não tenho nada com isso!”
Todos
somos humanos e temos que ver com o que é humano. “Nada do que é humano me é indiferente” - ou "alheio" - já o dizia Terêncio, que pensava na humanidade "humana".
Não
esqueçam: basta um olhar. Um gesto. Pouca coisa, afinal…
***
(1)David Grossman,
escritor israelita que ganhou no ano passado, em Génova, o Prémio Internacional
de Literatura Primo Levi, artigo em La Repubblica
de 6 de Novembro 2017. O seu último livro “A Horse walks
into a Bar: a novel" saiu em 2017. Muitos livros escreveu. Ensaios. estudos políticos e sociais.
Gostei muito dos livros "The Zigzag kid" e "Procurar na letra amor"...
Gostei muito dos livros "The Zigzag kid" e "Procurar na letra amor"...
(2)https://www.tsf.pt/programa/o-livro-do-dia/emissao/o-sistema-periodico-de-primo-levi--2543142.html
(3) Lorenzo Perrone
nasceu em Fossano, em 1904, e morreu alcoolizado porque
nunca conseguiu ultrapassar o traumatismo que foi assistir à
brutalidade de Auschwitz. Ali se encontrara em 1944 com Primo Levi.
Primo Levi sobrevive ao campo de Auschwitz e, depois da libertação do campo, vai procurar Lorenzo. Encontra-o. Contactam. Tenta ajudá-lo sem conseguir evitar a sua morte. Lorenzo morre em 1952.
Mais tarde,em 1987, o "sobrevivente" Primo Levi, 'vítima retardada da detenção num campo de extermínio', suicida-se na casa de Turim, a cidade onde nascera em 1919.
Depois de recusado por várias casas editoras entre as quais a Einaudi, "Se questo è un uomo" é publicado pela pequena casa editora De Silva, em 1947. Tem pouco sucesso. Só muito mais tarde, nos anos cinquenta, é "descoberto"...
Primo Levi sobrevive ao campo de Auschwitz e, depois da libertação do campo, vai procurar Lorenzo. Encontra-o. Contactam. Tenta ajudá-lo sem conseguir evitar a sua morte. Lorenzo morre em 1952.
Primo Levi, com Roth, em 1986, um ano antes do suicídio
***
O LIVRO:Depois de recusado por várias casas editoras entre as quais a Einaudi, "Se questo è un uomo" é publicado pela pequena casa editora De Silva, em 1947. Tem pouco sucesso. Só muito mais tarde, nos anos cinquenta, é "descoberto"...
terça-feira, 16 de janeiro de 2018
Música! "My Blue Heaven" e Lena Horne
Recordar uma voz muito bonita!
“Nasce em Nova Iorque, a
30 de Junho de 1917 – morre em Nova
Iorque, a 9 de Maio de 2010). Lena Horne foi uma
famosa cantora e atriz norte-americana.
Apesar de que já ter gravado e feito
performances com vários músicos de jazz - notavelmente Artie Shaw, nome famoso do jazz e Teddy Wilson, um grannde pianista de jazz, ela não era considerada uma cantora de jazz por muitos críticos musicais pelo fato
de nunca fazer improvisações em seus shows.
Até seu falecimento, em 9 de Maio de 2010 viveu na cidade
de Nova Iorque mas quase não fez aparições públicas.”
Mas tinha uma voz extraordinária e é
um prazer ouvi-la sempre!
(wikipedia)
domingo, 7 de janeiro de 2018
Natal, viagens e regressos...
Voltei,
por fim, das idas e vindas por aqui e por ali, Isabel. Os teus amigos
agitaram-se, viajaram um pouco, adoraram, fizeram planos para mais outras mas …da
última vez deixei-os cá!
É
simples, apesar de não ter desculpa à mesma. Na última viagem que foi até
Guildford para passarmos o Natal o avião era cedíssimo. Ou não era assim tanto? Sei que alguém
decidiu ir para o aeroporto de madrugada e, aí, o despertar foi às três da madrugada ou
coisa no género.
Levantei-me estremunhada, e andei de olhos fechados quase, a acabar de fechar as malas, a prender
os cadeados, a pôr umas fitinhas para reconhecer as malas. Tomei um café a correr e, toca!, a chamar o táxi.
Confesso
que chegámos lá quase três horas antes. O voo era, afinal, -só- às 7:20! Deixámos
em casa várias coisas importantes (perguntem ao Manuel…) até o meu perfume
preferido sem o qual não viajo e mais coisas preciosas, como são sempre aquelas de que nos esquecemos.
Mas Guildford esperava-me e não me preocupei porque ia para casa de alguém conhecido a quem não faltam ideias para resolver
os problemas.
Foi já no avião mesmo que “ai de mim!” descobri que os amigos não tinham vindo
connosco! Estavam a dormir e a dormir ficaram…
Como
foi possível? Sono! O sono é a melhor vitamina para viver em paz e fazer as
coisas como se deve. E imaginar coisas bonitas e positivas!
Não
tenho desculpa, eu sei. Não espero que me compreendas, Isabel, mas correu assim
desta vez.
-
Como é que nos deixaste cá?, perguntou o Ratinho à chegada. E foi para o
quarto, dignamente, sem me falar durante vários dias
-
Como pudeste esquecer-te de nós?, foi a pergunta no olhar triste do Ouricinho.
-
Era Natal! Levaste de viagem o anjinho que não tinha árvore de Natal e eu achei
bem. Mas nós? Deixaste-nos sem árvore, sem presentes. Como esses meninos
abandonados de quem estás sempre a falar.
- Andámos a inventar uma árvore de Natal para nós...
- Andámos a inventar uma árvore de Natal para nós...
Abracei-o,
mas para quê? Continuava de olhos tristes e chorosos.
E
a Gatinha japonesa? Essa não disse nada. É uma menina especial que aceita que
os outros possam ter destes esquecimentos imperdoáveis.
A Gatinha encolheu os ombros e disse:
- Mas acabámos por ter um Natal bom. Com amigos... Quando queres, encontras sempre amigos.
A Gatinha encolheu os ombros e disse:
- Mas acabámos por ter um Natal bom. Com amigos... Quando queres, encontras sempre amigos.
Tinha muita razão! E todos me perdoaram no fim. Só eu é que não me perdoei.
Agora, depois destes dias, já passou tudo. Já voltaram a vir cumprimentar-me de manhã...
Fiquei contente de ter deixado o anjinho sem árvore de Natal, na árvore de Guildford. Sei que vai ter boa companhia por lá.
Agora, depois destes dias, já passou tudo. Já voltaram a vir cumprimentar-me de manhã...
Fiquei contente de ter deixado o anjinho sem árvore de Natal, na árvore de Guildford. Sei que vai ter boa companhia por lá.
Bom
Ano Novo, amigos!
quinta-feira, 4 de janeiro de 2018
o Adeus a Aharon Appelfeld o homem que soube amar
Ainda Appelfeld? A mesma história dos judeus? Não. Para mim é a despedida de um amigo que conheci brevemente mas que senti como amigo.
Conhecêmo-lo a primeira vez em Jerusalém, nos anos de Israel.
Conhecêmo-lo a primeira vez em Jerusalém, nos anos de Israel.
Mais tarde, voltámos a visitar o amigo, na Cafetaria Tmol Shilshom onde gostava de ir escrever todas as manhãs.
Sim, escrevia todas as manhãs o seu livro -tantos livros sobre a dor e a incompreensão; o furor da Guerra e da Deportação, mas igualmente o "furor" de continuar a existir, a sobreviver amando.E recordando.
O mesmo livro? O seu livro era a vida. Cada livro, falando da mesma dor, da mesma
“chaga do lado”, é sempre um modo diferente de procurar o sentido daquilo que não
tem sentido.
Desta
vez, é o silêncio. Num dos últimos livros, (E o furor ainda não se calou) Appelfeld volta a falar desse eterno recomeçar, dessa reconstrução, dessa aquisição de uma língua nova para quebrar esse silêncio. De uma língua que soe como uma música. Uma música que é a história de uma vida...
O livro começa simplesmente, como todos os seus livros:
“Chamo-me Bruno Brumhart. Todas as noites copiava um capítulo inteiro para que a minha mão se pudesse impregnar dessa língua e da sua música. “
A impossibilidade de compreender, de explicar leva, desta vez, as
personagens ao silêncio: Bruno e os outros pouco falam,
fecham-se na dor.
Aaron
Appelfeld escolheu a "palavra" para se libertar da dor. Jovem sobrevivente dos campos, chega,
deportado, deslocado uma vez mais, agora a Itália e, em 1946, à Palestina, onde se lhe depara um país em
construção do qual não entende a língua. Do qual não entende nada, ele judeu que vem da Roménia (ou Ucrânia? as duas...), de língua e cultura alemãs.
E, dolorido, isolado, volta a ir dentro da alma buscar novas forças: outro modo de viver, de se adaptar à vida que continua sem ter sentido. Mas sem se fechar aos outros, porque o seu interesse no ser humano é insuperável.
Aaron Appelfeld com a Gui
Philip Roth disse dele: “Appelfeld, um escritor deslocado, (desenraizado?) de ficção deslocada que fez da deslocação e desorientação um tema sue, próprio.”
(Difícil traduzir "displaced" apenas como deslocado).
(Difícil traduzir "displaced" apenas como deslocado).
A
mesma história, sim, com muitas palavras diferentes. Agora falada na língua hebraica
que aprendeu com persistência e coragem nesses anos em que tudo lhe parecia aguçar mais a dor sentida. Sem família, sem
amigos, resta-lhe a palavra.
Com
essa nova música fala de coisas traumatizantes e cada palavra tem de ser
escolhida com cuidado, com prudência, para não se tornar banal ou falso. Não
queria escrever sobre o “macro”, queria falar do “micro”.
“Estamos rodeados de
pormenores, é preciso encontrar o pormenor que diz tudo e não nos alargarmos…”
Neste
momento, hoje dia 4 de Janeiro, Aaron Appelfeld deixou de existir. Calou-se? não creio. Deixa a
palavra que procurou sempre clara para “dizer” do indizível.
A palavra de Appelfeld não será esquecida. Continuará a obcecar-nos, a
perseguir-nos, cheia de imagens de dor, de beleza também e de gestos belos e
solidários.
Para
mim, fica o seu olhar azul, aberto, que nos olhava com atenção e suavidade, querendo
perceber tudo, abarcar o olhar do outro, sem se evidenciar nunca, sério e
interessado vivamente no ser humano que o olhava. Um homem que amava os outros.
Nascido
em Jadova – Bucovina (antes Roménia hoje Ucrânia) em Fevereiro de 1932, Aaron Appelfeld morreu
em 4 de Janeiro de 2018. Viveu em Mevasseret Zion, perto de
Jerusalém
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