A
nostalgia surge do nada, sem motivo. Até de uma chávena de café. Deixa-nos parados a olhar, a lembrar
coisas insignificantes que nos fizeram felizes ou nos fizeram sofrer. E vêm à
memória coisas esquecidas durante anos.
Desta
vez, a imagem de um antigo Café, encontrada por acaso na internet, trouxe-me miríades
de recordações confusas que se vão iluminando e me deram a
sensação de a memória ir revelando películas abandonadas numa caixa velha. Eu sempre tive uma atracção pelos velhos cafés, desde miúda.
Os meus pais eram frequentadores de cafés, em Portalegre. A minha mãe deve ter sido das primeiras mulheres a ir ao café, à noite!
Desde o Café Central, no Largo dos Correios, que pertencia ao meu avô, e onde iam quase todas as noites a partir da Primavera. Desde pequena adorava a atmosfera dos Cafés.
Andava, de mesa em mesa, a espreitar as lindas chávenas, os copinhos de vidro, para café, os copos grandes para o “galão” e as chávenas pequenas para o “carioca de limão” que as senhoras costumavam pedir.
Havia também o Café Alentejano, um dos mais populares - fundado muito cedo na cidade- onde iam raramente pois ficava longe da nossa casa.
Havia também o "Facha", ao fundo da Rua Direita. Hoje, nesse espaço está o "Café José Régio" - choca-me sempre ver o seu nome escrito por toda a parte, desde as chaveninhas, às cadeiras, aos pacotinhos de açúcar...
Régio, de facto, nos últimos anos de Portalegre, era assíduo frequentador do "Facha", numa "tertúlia" que reunia, além dos meus pais, o pintor Arsénio da Ressurreição, o "Capitão" Saraiva - e tantos outros.
Os meus pais eram frequentadores de cafés, em Portalegre. A minha mãe deve ter sido das primeiras mulheres a ir ao café, à noite!
Largo dos Correios
Desde o Café Central, no Largo dos Correios, que pertencia ao meu avô, e onde iam quase todas as noites a partir da Primavera. Desde pequena adorava a atmosfera dos Cafés.
Andava, de mesa em mesa, a espreitar as lindas chávenas, os copinhos de vidro, para café, os copos grandes para o “galão” e as chávenas pequenas para o “carioca de limão” que as senhoras costumavam pedir.
Havia também o Café Alentejano, um dos mais populares - fundado muito cedo na cidade- onde iam raramente pois ficava longe da nossa casa.
o Café Alentejano
Havia também o "Facha", ao fundo da Rua Direita. Hoje, nesse espaço está o "Café José Régio" - choca-me sempre ver o seu nome escrito por toda a parte, desde as chaveninhas, às cadeiras, aos pacotinhos de açúcar...
Café José Régio, interior
Régio, de facto, nos últimos anos de Portalegre, era assíduo frequentador do "Facha", numa "tertúlia" que reunia, além dos meus pais, o pintor Arsénio da Ressurreição, o "Capitão" Saraiva - e tantos outros.
Imagens
que me levam à infância e aos lugares de felicidade e descoberta de novidades
que é essa idade, seguida da adolescência, igualmente fixadora de momentos que
entraram dentro de nós. Recordar pode magoar, mas pode trazer uma alegria inesperada.
A imagem desse Café desaparecido há muito, o Café
Chave d’ Ouro, impressionou-me. Situado na Praça D. Pedro V, hoje mais conhecida por Rossio, era um palácio encantado onde senti especial emoção - diria estética- pela beleza do edifício no exterior e acolhimento no interior e pelo que me trazia de novidade e pelo ambiente diverso de encantamento quase mágico.
Carlos Botelho, Lisboa ao pôr do sol
Eram poucas as nossas idas a Lisboa, direi mesmo que eram raríssimas. O meu pai sentia-se bem na sua cidade de província.
De vez em quando, inesperadamente, a nossa mãe dizia: “Vão arranjar as vossas coisas, amanhã vamos a Lisboa!”
De vez em quando, inesperadamente, a nossa mãe dizia: “Vão arranjar as vossas coisas, amanhã vamos a Lisboa!”
Ir a Lisboa era uma aventura. Não sei quais eram as coisas que tínhamos de "arranjar". Uma malinha? Algum boneco ou um livrinho? Não recordo nada.
A
viagem era no táxi do Senhor Bretanha, que o meu pai chamava quando precisava, pois nunca quis ter comprar carro.
Van Gogh, Café
Ficávamos
num hotel central, perto do Rossio, que ainda existe, o Hotel Americano. Penso que quem não conhece uma cidade, prefere ficar perto do centro.
Em Lisboa,
deslumbravam-me esses lugares luminosos, cheios de vidros e cristais. Recordo o Café Nacional e o Leão de Ouro, mas
era o Café Chave d’ Ouro o meu preferido.
Por fora, num dos lados da Praça do Rossio, o aspecto era lindo e grandioso. Era para mim uma espécie de Palácio-Café! Ao ver as fotografias do desaparecido Café, compreendo o deslumbramento que sentia e me fez amar esse lugar.
Por fora, num dos lados da Praça do Rossio, o aspecto era lindo e grandioso. Era para mim uma espécie de Palácio-Café! Ao ver as fotografias do desaparecido Café, compreendo o deslumbramento que sentia e me fez amar esse lugar.
Café Chave d’ Ouro, interior
Quase
como um teatro amplo, luzes pendentes do tecto alto, pois o Café era construído
em dois andares, dois cafés, sendo o segundo uma espécie de galeria aberta para a sala em baixo.
Outra
razão me fazia gostar do Chave d’ Ouro: eram os encontros que os meus pais
tinham ali com os velhos amigos, os antigos colegas da
Universidade.
Lá
estava o Dr. Marques Cardoso, que era o meu "amigo" preferido, que me dava palmadinhas
na face e me olhava com ar divertido e muita ternura.
E faço um à parte porque era um amigo especial, amizade herdada do meu pai. Por vezes ia visitar-nos a Portalegre e era uma alegria enorme para mim!
Anos mais tarde, casada e a viver em Lisboa, passou a ser o nosso médico e protector, a pessoa com quem contávamos, nas pequenas problemas que surgiam no dia a dia. Bastava um telefonema e eu ficava tranquila.
Tinha o consultório na rua do Sol à Graça e era venerado pelos seus doentes, pessoas sem grandes posses que o consultavam de graça e ainda levavam caixas de remédios.
Subíamos as escadas até ao primeiro andar e, ao fundo do corredor, à esquerda, ficava o consultório. Lembro-me de encontrar pessoas que o iam procurar, de rosto aflito e olhos cheios de fé. Para mim, era um prazer ir vê-lo!
E faço um à parte porque era um amigo especial, amizade herdada do meu pai. Por vezes ia visitar-nos a Portalegre e era uma alegria enorme para mim!
Anos mais tarde, casada e a viver em Lisboa, passou a ser o nosso médico e protector, a pessoa com quem contávamos, nas pequenas problemas que surgiam no dia a dia. Bastava um telefonema e eu ficava tranquila.
Tinha o consultório na rua do Sol à Graça e era venerado pelos seus doentes, pessoas sem grandes posses que o consultavam de graça e ainda levavam caixas de remédios.
Subíamos as escadas até ao primeiro andar e, ao fundo do corredor, à esquerda, ficava o consultório. Lembro-me de encontrar pessoas que o iam procurar, de rosto aflito e olhos cheios de fé. Para mim, era um prazer ir vê-lo!
Uma vez, estava eu grávida do Diogo, fomos à consulta. Sei que levava um
vestido novo, azul, com florinhas vermelhas e brancas e um folho debaixo do peito.
À
saída, no tal corredor, cruzámo-nos com um senhor que me olhou , com um
sorriso de espanto. Não o conhecíamos.
Quando voltei à consulta da próxima vez, ele contou-nos a história
toda. Esse senhor era o Dr. Cruz Costa, grande amigo do meu pai. Ao entrar-lhe no consultório, a
correr, dissera:
“Tive uma visão! Vi passar ao meu lado, no corredor, a
mulher do Falcão!"
O Dr. Cardoso explicou-lhe, calmamente que era "a filha do
Falcão". Contava-nos e ia-se rindo com pequenas gargalhadas entre acessos de tosse.
Mas
voltemos ao Café Chave d’ Ouro! Sim,
esses amigos passavam por lá. Ficavam a tomar café, a fumar. Sempre na galeria.
Formava-se
uma pequena “tertúlia” em que se falava de tudo, da literatura à música, da música
ao cinema e, cuidadosamente, à situação política que se vivia sob Salazar.
Lembro o Dr. Viterbo, e os amigos do Dr. Marques Cardoso. Conversavam, bebiam café e fumavam. Fumavam muito todos eles.
José Régio quando ia a Lisboa, encontrava-se regularmente com Marques Cardoso. Escreviam-se e as cartas a que tive acesso são interessantíssimas.
Lembro o Dr. Viterbo, e os amigos do Dr. Marques Cardoso. Conversavam, bebiam café e fumavam. Fumavam muito todos eles.
José Régio quando ia a Lisboa, encontrava-se regularmente com Marques Cardoso. Escreviam-se e as cartas a que tive acesso são interessantíssimas.
Eu
girava por ali, ia contemplar o Rossio e as suas árvores, pelas enormes
vidraças que ficavam na parte do restaurante - onde íamos depois comer o bife com
batatas fritas melhor do mundo.
Encantamento
era a palavra para tudo o que sentia!
O que via? O que pensava? O que imaginava? Que histórias contaria à Florinda quando voltássemos para Portalegre?
O que via? O que pensava? O que imaginava? Que histórias contaria à Florinda quando voltássemos para Portalegre?
Portalegre e parte do Castelo
Olhava
para baixo, debruçada do parapeito do primeiro andar, via o café do rés-do-chão: a vida buliçosa e barulhenta dos
cafés, com os perfumes misturados de café, bolos e o fumo que subia em espirais dançarinas.
Sentada, sozinha, numa cadeira, encostada à balustrada, ia observando e pensando. Na
mesa ao lado, conversavam e fumavam. O meu pai, o Dr.Marques Cardoso fumavam mais do
que todos e a verdade é que os dois
morreram cedo com um enfisema pulmonar.
A verdade é que a gente que fazia parte daquele grupo morreu. Sombras que passaram, que viveram, que amaram e
tão depressa se foram. Penso em Camões…
“Se lá do assento etéreo onde subires,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças….”
O assento
etéreo está cheio de gente que amei, que me faltam, que tanto me deram nesses
anos da minha infância.
A
fotografia do Café Chave d’ Ouro trouxe-me um mundo de imagens escondidas no fundo
do coração.
Jacob Maris, Céus de tempestade
Daí a nostalgia. A ideia de “never more, never more”, nunca mais, como grasnava o corvo de Pöe.
Nunca mais voltarão! Nunca nos reencontraremos? As nuvens escuras correm e vejo-as e penso: nunca mais...
Nunca mais voltarão! Nunca nos reencontraremos? As nuvens escuras correm e vejo-as e penso: nunca mais...