Comecei
a ler o livro “Prateleiras de Insignificâncias”, de Maria Luísa Moreira (1).
Um
livro que é um grito, um desabafo sentido de alguém que se abre ao mundo, sem
receios de incompreensão, sem falsos pudores, sinceramente. Porque a autora é
assim: um grande coração sem medo de o mostrar.
O
livro consta de pequenos contos, às vezes só uma página, ou meia página, que
bastam para comunicar, desabafar, mostrar o entusiasmo ou contar das tais
“insignificâncias” que se encontram como prateleiras nas estantes.
Fotografia de M.J.F.
O
livro está dividido em três prateleiras: a de cima, a do meio e a de baixo,
conforme os assuntos.
Fotografia de M.J.F.
Tudo muda,
claro, e cita o grande soneto de Camões. Mas reconhecendo, tal como o poeta,
que nem tudo muda para pior, pode até “tomar
sempre novas qualidades...”
“Mudam-se
os tempos, Mudam-se as vontades,
Muda-se
o ser, muda-se a confiança:
Todo
o mundo é feito de mudança,
Tomando
sempre novas qualidades.”
E
a ideia da “mudança” pode ter suas vantagens porque se nada mudasse a
comodidade da rotina dos dias levaria a grandes males e à paragem do que nos
chega “novo” abrindo outros caminhos.
Fotografia de M.J.F.
“Tenho sentido essa mudança, ao longo da
vida, numa vivência de primeira pessoa nem sempre suave. Já perdi muita coisa,
já ganhei muitas outras.” (pg. 102)
A
Educação, por exemplo, é um dos pontos que mais é referido nestas páginas.
Luísa Moreira leva muito a sério a sua profissão de professora e não a assustam
as mudanças para melhor (Que não se muda
mais como soía, lamenta Camões, mas ela não), as que possam transformar o
“futuro a haver” em esperança.
Fotografia de M.J.F.
O
melhor tempo é este, afirma Luísa Moreira: “é
este presente futuro do passado, é este passado de um futuro a haver”.
“É comum
(...) encontrarmos resistência à mudança: Afinal, sairmos da nossa zona de
conforto, sermos confrontados com situações que desconhecemos, desafiados para
práticas que não dominamos completamente, provoca alguma ansiedade, angústia
mesmo. (...) No entanto, se nunca sairmos da nossa
zona de conforto, se nunca nos confrontarmos com a necessária transformação de
práticas, nunca evoluímos!” (pg.250)
Fotografia de M.L.M
Professora
que continua a acreditar que se pode ensinar os alunos “com prazer” (para ambos
os lados), por isso prepara “aulas divertidas e interessantes” (pg109), mesmo
que, para isso, perca horas de repouso da noite.
“Tenho consciência de estar a viver um
momento histórico, o Tempo da transformação profunda do paradigma educativo.
(pg. 251) Luísa Moreira não tem medo dessa aventura criativa, quer avançar para
esse futuro com os seus alunos e não “ficar
na estação a ver o comboio passar...”
Olhar
observador e cáustico sempre leve ironia, a criticar -do grego criticar-, isto
é, “peneirar o que é desnecessário”, explica. As ambições e o "carreirismo", o
ridículo de certas atitudes e do desejo desenfreado de alguns de competirem para
derrotar – isso ela quer desmistificar. Sempre, porém, a grande humanidade
quando se lhe depara a fragilidade das pessoas.
A
reacção aos lugares-comuns dos que lhe dizem: “Há sempre um amanhã! quando a verdade é que nem sempre há e, por vezes,
só sobram ontens”. (pg. 128)
Fotografia de M.L.M
Um
pequeno apontamento muito belo é “O portão verde” – “a saudade de um tempo feliz, na velha casa amarela”, na Serra de
São Mamede. “Nessa velha casa amarela
tinham passado sonhos infantis, lágrimas muitas, ternuras sem limites”. (pg.
129)
O seu mundo é o dos afectos/desafectos, dos sentires, das ilusões/desilusões e da insónia. Também da vontade inabalável de continuar em frente custe o que custar. Com a sua Serra no olhar.
O seu mundo é o dos afectos/desafectos, dos sentires, das ilusões/desilusões e da insónia. Também da vontade inabalável de continuar em frente custe o que custar. Com a sua Serra no olhar.
Serra de
São Mamede
“Acordo a saborear o escuro. Lá fora,
baixinho, o vento insistia na melodia soprada. Lá dentro, em casa, o silêncio
imperava” (pg.132) e a insónia instalava-se com os “pensares”. A saudade, a
solidão, os sentires esconde-os.
“Viajante incurável da ilusão”, como se
considera, conhece a sua diferença e afirma-a: “desejo não ter receio de ser
assim diferente e estranha”.
A
mulher que não se envergonha das lágrimas que chora. “Eu choro. Eu sei que não há lágrimas inúteis...” (pg.144). O
passado não está lá. O passado foi para o mundo dos sonhos e a espuma das ondas
– e nunca mais é verdade.
A
professora que acredita “no sonho de
lutar por uma Escola melhor”, desfaz-se em mil tentativas para que as suas
aulas não sejam vazias, aborrecidas, repetitivas ou apenas afirmativas.
Livraria em San Francisco
A
última prateleira, a de baixo, que define como: “Ali. Onde é preciso ajoelhar para encontrar. Onde só encontra quem
procura” é quase só dedicada à Escola.
No
sonho de fazer dos seus alunos “seres
pensantes e críticos”. A páginas tantas escreve: “A minha crítica não é apenas um desabafo cansado. É, sobretudo um
alerta para a mudança. A rotina não é boa conselheira (...) penso que cada vez
é mais importante educar para a cidadania, para o respeito democrático, para o
respeito do outro”.(pg 241) Abrir horizontes é uma das suas preocupações.
Mar (foto M.L.M.)
Defende
a Escola Pública que “tem como primeiro e principal objectivo promover o
sucesso dos seus alunos.”
A
escola tem efectivamente um papel na educação dos alunos. Os alunos fazem parte
dos “problemas da Escola”, insiste.
“A
Escola tem de se centrar na resolução dos seus próprios problemas! A Escola tem
de agir sobre aqueles que pode influenciar e esses, sem dúvida, são os
alunos..."
Fotografia de M.J.F.
“Sonho com uma Escola viva. Uma Escola
onde os alunos são pessoas, onde a equidade é efectiva, onde a criatividade, a
originalidade e a individualidade não sejam palavras vãs. Sonho com uma Escola
de fazeres e de pensares, com salas de aula feitas de cumplicidade e
descobertas, de relacionar e (re)criar.” (pg. 220)
É
um livro que aconselho. Com tanta coisa importante, a sinceridade, poesia,
nostalgia dum mundo que passou, mas com os sentires,
os afectos bem no presente - neste mundo de indiferença e hipocrisia que tende
a ser o nosso de hoje.
Um
livro que me tem feito companhia, me tem feito sorrir, comover, esperar,
acreditar.
Um
livro que me leva a continuar a pensar que a Utopia não morre nunca. É uma
coisa que nos une - a autora e eu.
***
(1)Maria Luísa Moreira
define-se deste modo: “mulher, mãe, avó,
professora, lagóia (2)”. E acrescenta: “Marcada
pela Serra de S. Mamede e pela imensidão do Alentejo, pela essência da terra
que pisa”.
Serra de São Mamede (net)
(2)A palavra “lagóia” não vem nos
dicionários. Encontrei num blogue portalegrense “largodoscorreios” uma
explicação: “apodo dado aos
portalegrenses que se supõe vir de “langor”, “langóia” (moleza, preguiça).
Portalegre é cidade de há muito industrial, com fábricas que ocupavam muita
gente; quando por qualquer motivo fechavam por algum tempo, por falta de
matéria-prima ou outras razões, os “sem-trabalho”, os inactivos, ficavam nas
ruas, às esquinas, nos largos, à espera de melhores dias, dado que não estavam
habituados aos trabalhos nos campos.”https://largodoscorreios.wordpress.com/2013/05/07/entre-lagoias/
Ainda
hoje se usa o termo para referir os portalegrenses. Existe mesmo um grupo coral de sucesso chamado Os Lagóias.
(3)Colaboradora da
imprensa local desde 1990, M.L.Moreira é, também, autora de duas novelas Nu Feminino (2001) e Por
coisa nenhuma (2002)