domingo, 20 de março de 2022
quarta-feira, 16 de março de 2022
“A Lenda de Madala Grey” de Clemence Dane
Clemence
Dane (1)começou por escrever guiões para filmes entre os primeiros foi o de “Ana Karenina” (1935) do conhecido
realizador britânico Clarence Brown, com Greta Garbo.
Foi uma aluna prendada, interessada por todas as coisas, observadora. Estudou em várias escolas particulares e teve uma educação cuidada. Aos 16 anos foi contratada para ensinar Francês num colégio de Genève.
No regresso a casa foi estudar arte, três anos em Londres e um ano em Dresden, na Alemanha.
Consideravam-na muito boa como pintora de retratos – mas Clemence abandonou a carreira artística e decidiu aceitar um lugar de professora na Irlanda. A seguir interessou-se pelo teatro e foi actriz vários anos até a I Guerra rebentar.
Dedicou-se, então, aplicadamente ao trabalho como enfermeira ao ponto de ter um esgotamento.
A novela seguinte, “Legend” (2) foi igualmente muito
apreciada e alguns críticos sugeriram que daria uma óptima peça de teatro.
O tema do livro gira sobre a personagem de Madala Grey, uma mulher misteriosa, jovem e bela, inteligente e sensível. Novíssima, escreve um livro considerado genial.
Espanto do público, dos críticos: Como era possível, com a sua juventude e pureza, escrever um romance
como “As paredes do Eden”, sobre uma
realidade tão sórdida, interrogavam-se. O livro esteve proibido um
tempo e à volta de Madala cria-se uma espécie de lenda e mistério. Quem era afinal Madala Grey? De onde viera?
Madala Grey publica mais dois ou três livros, completamente diferentes, campestres, ambiente bucólico, solares mesmo: “Campos Arados” e “Lugar de Repouso”.
O romance começa com uma referência à publicação de “Vida de Madala Grey”, por Anita Serle, crítica literária famosa. A
narradora é Jenny - que ainda era prima de Anita Serle e em cuja casa está a
viver de momento.
Ao ler os elogios empolgados dos jornais à biografia de Madala Grey, Jenny sente-se chocada porque repara que é sobretudo a figura da biógrafa Anita Serle que ressalta e que, nos recortes, aparecem várias fotografias de Anita e nenhuma da escritora.
Um dos recortes de um jornal dizia mesmo: “Miss Serle conta-nos que a brilhante novelista tinha tão grande aversão a deixar-se fotografar que não existe alguma reprodução das suas feições”.
No entanto existia um belo retrato a óleo, pintado por um amigo de Madala, "A canção da Primavera", um rosto sorridente de uma jovem mulher com um ramo de margaridas nos braços.
E Jenny aponta: “Da sua moldura pesada e solitária (pois não temos mais quadros no nosso retiro) aquela “mulher notavelmente bela” com um lenço estampado e uma braçada de primaveras, olha neste momento para mim, para os recortes dos jornais, para o ´'Times' e para o detestável livro de Anita. E na verdade parecia dizer-me: ’Isso tem alguma importância? Que importa tudo isso’? – e ao dizê-lo como que sorri.” (pg.9)
Continua a narradora: “E rio, também, porque Anita sabe muito bem que o retrato existe. (...) não duvido que o livro esteja bem escrito; não que o venha a ler, não há necessidade; sei exactamente o que ela deve ter escrito. Sei quão convincente esse livro deve ser; mas não é verdadeiro; não é Madala Grey.”
Anita iria protestar se ela lho dissesse e Jenny parecia ouvi-la: “Minha querida Jenny, que sabes a esse respeito? Nem a conheceste. Apenas ouviste quando nós, seus amigos íntimos conversámos a respeito dela. Durante quanto tempo? Uma hora? Duas?”
E Jenny acrescenta: “Mas eu poderia responder. Lembro-me tão bem daquela noite. Creio que não esqueci uma só palavra ou movimento, e, se pudesse escrever, aquelas duas horas contariam a história de Madala Grey como o livro de Anita jamais contará.” (op.cit. pg.10)
A “história” vive-se
toda numa noite - durante a reunião habitual de escritores e intelectuais em
casa de Anita Serle. Num ambiente fechado, numa sala com duas janelas, de facto um cenário teatral.
De tudo falaram: do passado e do presente, das relações de uns e de outros. Cada um recorda a escritora e o que se dissera dela, as qualidades do seu romance "As paredes do Eden", da sua proibição.
A Menina Baxter dissera: “Um grande livro, não obstante, foi interditado.” E logo Anita insistira: “Sim, mas toda a gente o leu. É fácil obtê-lo em qualquer parte.”
Toda essa noite até de madrugada tinham falado de Madala Grey e Jenny absorvera tudo, "vira" a figura, "sentira-a" dentro de si mesma, identificara-se com ela e sabia que a sua “visão” de Madala estava mais correcta do que a de Anita.
E toda a noite aquelas pessoas tinham falado do génio, mostrando admiração sincera uns, inveja outros, e havia quem planeava já (Anita, a crítica) a "Biografia" que iria escrever e que “revelaria a verdadeira Madala Grey.”
“Oh, sim, aquele enredo!...Pense! a donzela da província, o namorado infiel...as luzes de Londres...a mulher infeliz...que mais deseja?”, dizia a Menina Howes.
Muita conversa sim, Madala, porém, continuava um mistério para todos. Desaparecera do grupo muito tempo antes. Casara, estava grávida e esperava-se que o parto fosse naquela noite. Sabiam todos também que ela estava em risco de vida. E aguardavam.
Sobre a escritora, continuou a escrever sempre, alternando peças e romances, ensaios. Escreveu também um estudo "pessoal e profissional" sobre o “métier” actor/escritor. A sua obra consta de dezenas de livro de vários géneros. Clemence Dane morreu em Londres em 28 de Março de 1965.
***
(1(1) “Legend”, 1919: a tradução em português tem o título de “A lenda de Madala Grey”. Publicado na Colecção Miniatura, Livros do Brasil, Lisboa, s/d.