Vemos, através da Biografia de Bruno Nardini, a digressão do grande génio pela Itália do Renascimento e da Arte.
A parte mais importente da sua vida passou-a Michelangelo entre a Florença de Lorenzo il Magnifico e de Fra Savonarola e o esplendor e o luxo da Roma papal. E, depois, o périplo de Michelangelo continua pelos estados senhoriais e papais da Itália.
A fase mais importante da sua vida passou-a na Florença de Lorenzo o Magnífico. Lorenzo foi, como vimos, um diplomata e político, o patrono dos académicos dos artistas e dos poetas. Grande mecenas da Signoria di Firenze, defende as Artes e a Cultura da cidade. A sua morte marcou o fim da Idade de Ouro de Florença. E esse final mundial da paz também na Itália do século XIV - leva ao Renascimento.
E Michelangelo nesse momento afasta-se de Florença. Acaba por voltar, mas entretanto, o frade beneditino Girolamo Savonarola, conquistara o poder e instaurara a República de Florença.
Num clima de perseguição de "primitivismo" religioso, criando terror na cidade, a sua perseguição dos artistas e das suas obras - que se dirige sobretudo à arte do Renascimento.
"Manda queimar livros, objectos e quadros, inclusive de Domenico Ghirlandaio. Parece que artistas como Boticcelli e Lorenzo di Credi lhe terão entregado, relutantemente, pinturas suas para serem queimadas." , conta o autor do livro.(7)
E Michelangelo afasta-se outra vez de Florença em 1496 e vai para Roma. Começara a esculpir uma estátua de Bacco. Um ano depois da sua saída, em 1497, Savonarola decide excomungá-lo.
Nunca mais nada foi simples nesses tempos da Signoria de Florença. Nem depois. O próprio Savonarola é, por sua vez, excomungado pelo Papa Alexandre VI que condena os seus excessos e queimado na Piazza della Signoria em 1498.
Michelangelo seguira para Roma e vai viver no esplendor e o luxo da Roma papal do Papa Julius II.
Nesses diversos momentos o artista trabalhou em várias cidades – de Urbino a Veneza e Bolonha, onde o Papa Julius II o protegeu e lhe encomendou várias obras. Como por exemplo a estátua de "Bacchus", hoje no "Museo Bargello". É a Roma que, a partir de 1496, Michelangelo vai voltar e onde vai viver, longamente. E ali vai voltar à pintura que abandonara.
O tempo passara. A Itália fora particularmente afectada pela peste, e especula-se que a familiaridade resultante com a morte fez com que os pensadores pensassem mais nas suas vidas na Terra, em vez de na espiritualidade ou na vida após a morte.
Também se argumentou que a Peste Negra provocou uma nova onda de piedade, manifestada no patrocínio de obras de arte religiosas.
Roma sobrevivera também ao “grande saque” de 1527-1528 do Imperador Carlos V, e a cidade papal continuara no seu esplendor renovado.
De facto, tendo sido acabadas na Capela Sixtina as obras de restauro que tinham durado 22 anos - a Capela vai ser toda pintada de novo.
Michelangelo era considerado o melhor artista de Itália e vai ser ele pois quem é o escolhido para pintar o tecto da Capela Sixtina.
O Papa pede ao artista que apague os frescos ainda ali existentes - e que comece a pintar na Capela o “Juízo Final”.
Michelangelo
Buonarrotti vai poder criar a obra visionária, de
riqueza cromática e de equilíbrio de formas quase impossíveis - que será o “Juízo
Universal”. (6)
O Papa Clemente morre sem poder ver nada do enorme trabalho apenas iniciado. Mas o Papa Paulo III, dará continuidade ao imenso projecto.
o Papa Paulo IIINão podemos esquecer, porém, que enquanto pintava o tecto da Capela tudo o que se fazia e criava passava sempre pelo crivo da Santa Inquisição - e esse sentimento de terror e de medo pode ter-se reflectido na obra do Mestre.
A sensação de perigo e ideia da morte – a morte era uma constante na mente do pintor – faz com que se possa sentir um certo pessimismo em algumas figuras.
Como refere o biógrafo: "o pensamento da morte era uma constante na obra de Michelangelo e pode ter-se reflectido nesta obra cujo tema era de muita gravidade".
O estilo espectral de algumas figuras e um certo sentido de simplicidade e precariedade nada têm que ver com a idealização das esculturas anteriores do Mestre nem com o estilo triunfante de antes.
Tudo parece enquadrar-se mais na estética “gótica” do que na “renascentista”.
Há quem atribua essa sua atitude "menos triunfante" ao grave estado de depressão do Mestre pelo desaparecimento da sua amiga - a grande humanista Vittoria Colonna - que morre em Roma em 1547.
Bruno Nardini cita uma passagem de um livro de recordações do renascentista português, o pintor e estudioso Francisco da Hollanda, que escreveu sobre esses colóquios e sobre essa amizade que foi marcante para Michelangelo:
“Via-a comportar-se com ele como alguém que se armasse com estratagemas e circunspecção, alguém que procurasse atingir uma cidadela inexpugnável."
E continua:
"E, do mesmo modo, como se Michelangelo fosse o sitiado, via-o atento e vigilante... Mas foi à marquesa a quem no fim tocou a vitória. E confesso: quem poderia resistir-lhe?” ( pg. 138-9)
E Michelangelo continua a pintar até ao fim – as últimas pinturas que são o “Martírio de São Pedro” e a “Conversão de São Paulo” (1542-1550) que o Papa Clemente VII encomendara.
Mas depois, concretiza o seu desejo: abandona a pintura pela sua antiga paixão, a escultura.
Depois de sete anos – empoleirado em andaimes e tábuas, a viver uma espécie de vida de eremita sem vir cá abaixo, com o pescoço torcido pela posição a que era obrigado - Michelangelo dá a obra por terminada.
O artista nunca para de trabalhar mas, na realidade, ele quer é voltar à escultura – a sua verdadeira paixão. Falar dessa paixão - é falar das quatro “Pietàs” (ou "Deposições do Cristo morto" ) que esculpiu, incansavelmente, durante a sua vida.
Em 1555, escrevia:
“Não nasce em mim pensamento algum/ que não tenha dentro esculpida a morte.”As suas Pietàs são talvez para ele o seu ponto superior de criação.
A primeira “Pietà”, a mais conhecida, ou a mais visitada, realiza-a com apenas 22 anos (1497-1498) quando chega da primeira vez a Roma em 1496 para trabalhar para o Papa Alexandre VI. Encontra-se em San Pietro do Vaticano. E é já uma obra de génio.
As outras três foram já realizadas depois dos seus 70 anos. Em 1550, realiza uma Pietà (‘detta’ Pietà di Palestrina) que ainda hoje não se tem a certeza de ser completamente sua.
De facto só em 1756 é que Leonardo Cecconi atribui esta Pietà, encontrada em Palestrina, a Michelangelo. Trata-se de um trabalho incompleto - quase apenas um esboço que tem algumas semelhanças com a Pietà Rondanini.
Poderá pensar-se que se tratasse de uma obra começada pelo Mestre e depois passada a um dos seus discípulos.
Em 1564, em
Florença, o grande escultor dedica-se a esculpir a Pietà Bandini - chamada assim pelo nome do primeiro
comprador. Uma Pietà em que se vê amparando o Cristo a figura de Nicodemo e a Virgem que o abraça e tem o rosto junto ao seu.
A Pietà Rondanini
Esta última Pietà deveria ser colocada no próprio túmulo do artista, mas nunca na realidade nunca o foi. É a esta obra que se dedica com mais força e nela trabalha muitos anos, com um amor e grande dedicação.
Teria sido – como contam - o seu tormento, uma agonia e uma ansiedade insustentáveis - duas das características da sua arte - aqui bem presentes.
Parece ter acabado com uma “explosão de desesperada raiva, como se nota na quase destruição à martelada de duas figuras o Cristo e Madalena.”
A Pietà está hoje no Castello Sforzesco de Milano. Trabalhara nela entre a década de 50 até à sua morte e talvez a tivesse iniciado já no tempo da Pietà di Firenze.
Segundo dizem os especialistas, esta última Pietà Rondanini foi o testamento espiritual de Michelangelo.
NOTA: Sobre a “Biografia” de Bruno Nardini devo dizer que é muito completa, e que o autor se baseia em toda a documentação possível, em documentos históricos daquele tempo, em cartas de Miguel Ângelo e em outras correspondências.
No final do livro há uma cuidada tabela cronológica dos acontecimentos históricos e artísticos e um índice topográfico dos trabalhos que realizou o Mestre.