sábado, 2 de novembro de 2024

MICHELANGELO BUONAROTTI - PARTE II - AS PIETÀS

Vemos, através da Biografia de Bruno Nardini, a digressão do grande génio pela Itália do Renascimento e da Arte. 

 
Madonna della Scala, 1491

A parte mais importente da sua vida passou-a Michelangelo  entre a Florença de Lorenzo il Magnifico e de Fra Savonarola e o esplendor e o luxo da Roma papal. E, depois, o périplo de Michelangelo continua pelos estados senhoriais e papais da Itália.

 
Lorenzo il Magnifico

A fase mais importante da sua vida passou-a na Florença de Lorenzo o Magnífico.  Lorenzo foi, como vimos, um diplomata e político, o patrono dos académicos dos artistas e dos poetas. Grande mecenas da Signoria di Firenze, defende as Artes e a Cultura da cidade. A sua morte marcou o fim da Idade de Ouro de Florença. E esse final mundial da paz também na Itália do século XIV -  leva ao Renascimento. 

E Michelangelo nesse momento afasta-se de Florença. Acaba por voltar, mas entretanto, o frade beneditino Girolamo Savonarola, conquistara o poder e instaurara a República de Florença. 

Num clima de perseguição de "primitivismo" religioso, criando terror na cidade, a sua perseguição dos artistas e das suas obras - que se dirige sobretudo à arte do Renascimento.


"Manda queimar livros, objectos e quadros, inclusive de Domenico Ghirlandaio. Parece que artistas como Boticcelli e Lorenzo di Credi lhe terão entregado, relutantemente, pinturas suas para serem queimadas." , conta o autor do livro.(7)

E Michelangelo afasta-se outra vez de Florença em 1496 e vai para Roma. Começara a esculpir uma estátua de Bacco. Um ano depois da sua saída, em 1497, Savonarola decide excomungá-lo. 

Nunca mais nada foi simples nesses tempos da Signoria de Florença. Nem depois. O próprio Savonarola é, por sua vez, excomungado pelo Papa Alexandre VI que condena os seus excessos e queimado na Piazza della Signoria em 1498.

Michelangelo seguira para Roma e vai viver no esplendor e o luxo da Roma papal do Papa Julius II.

Papa Julius II

Nesses diversos momentos o artista trabalhou em várias cidades – de Urbino a Veneza e Bolonha, onde o Papa Julius II o protegeu e lhe encomendou várias obras. Como por exemplo a estátua de  "Bacchus", hoje no "Museo Bargello". É a Roma que, a partir de 1496, Michelangelo vai voltar e onde  vai viver, longamente. E ali vai voltar à pintura que abandonara.

O tempo passara. A Itália fora particularmente afectada pela peste, e especula-se que a familiaridade resultante com a morte fez com que os pensadores pensassem mais nas suas vidas na Terra, em vez de na espiritualidade ou na vida após a morte.  

Também se argumentou que a Peste Negra provocou uma nova onda de piedade, manifestada no patrocínio de obras de arte religiosas.

Roma sobrevivera também ao “grande saque” de 1527-1528 do Imperador Carlos V, e a cidade papal continuara no seu esplendor renovado.

Havia que festejar. E o Papa Clemente VII Médicis decide encomendar a Michelangelo, em 1534, um trabalho que o tornará famoso no mundo: a sua obra-prima, o Juízo Universal.
 
Papa Clemente VII por Sebastiano del Piombo

De facto, tendo sido acabadas na Capela Sixtina as obras de restauro que tinham durado 22 anos  - a Capela vai ser toda pintada de novo.  

Michelangelo era considerado o melhor artista de Itália e vai ser ele pois quem é o escolhido para pintar o tecto da Capela Sixtina.

O Papa pede ao artista que apague os frescos ainda ali existentes - e que comece a pintar na Capela o “Juízo Final”.

Michelangelo Buonarrotti vai poder criar a obra visionária, de riqueza cromática e de equilíbrio de formas quase impossíveis - que será o “Juízo Universal”. (6) 

O Papa Clemente morre sem poder ver nada do enorme trabalho apenas iniciado. Mas o Papa Paulo III, dará continuidade ao imenso projecto.

                                                       o Papa Paulo III

Não podemos esquecer, porém, que enquanto pintava o tecto da Capela tudo o que se fazia e criava passava sempre pelo crivo da Santa Inquisição - e esse sentimento de terror e de medo pode ter-se reflectido na obra do Mestre.

 
Galileo perante 'Santa Inquisição'

A sensação de perigo e ideia da morte – a morte era uma constante na mente do pintor – faz com que se possa sentir um certo pessimismo em algumas figuras.

 
Pietà Vittoria Colonna

Como refere o biógrafo: "o pensamento da morte era uma constante na obra de Michelangelo e pode ter-se reflectido nesta obra cujo tema era de muita gravidade". 

O estilo espectral de algumas figuras e um certo sentido de simplicidade e precariedade nada têm que ver com a idealização das esculturas anteriores do Mestre nem com o estilo triunfante de antes. 

Tudo parece enquadrar-se mais na estética “gótica” do que na “renascentista”.

Há quem atribua essa sua atitude "menos triunfante" ao grave estado de depressão do Mestre pelo desaparecimento da sua amiga - a grande humanista Vittoria Colonna - que morre em Roma em 1547.

Bruno Nardini cita uma passagem de um livro de recordações do renascentista português, o pintor e estudioso Francisco da Hollanda, que  escreveu sobre esses colóquios e sobre essa amizade que foi marcante para Michelangelo:

Via-a comportar-se com ele como alguém que se armasse com estratagemas e circunspecção, alguém que procurasse atingir uma cidadela inexpugnável."

E continua:

"E, do mesmo modo, como se Michelangelo fosse o sitiado, via-o atento e vigilante... Mas foi à marquesa a quem no fim tocou a vitória. E confesso: quem poderia resistir-lhe?” ( pg. 138-9)

E Michelangelo continua a pintar até ao fim – as últimas pinturas que são o “Martírio de São Pedro” e a “Conversão de São Paulo” (1542-1550) que o Papa Clemente VII encomendara. 

Mas depois, concretiza o seu desejo: abandona a pintura pela sua antiga paixão, a escultura.

Depois de sete anos – empoleirado em andaimes e tábuas, a viver uma espécie de vida de eremita sem vir cá abaixo, com o pescoço torcido pela posição a que era obrigado - Michelangelo dá a obra por terminada. 

Acabada a obra máxima, Michelangelo Buonarrotti vai ainda entregar-se, durante oito anos à pintura de duas obras maiores: dois quadros extraordinários: "Martírio de São Pedro" e "Conversão de São Paulo" - que serão as últimas pinturas.
 
o Martírio de São Pedro

 
A Conversão de São Paulo

O artista nunca para de trabalhar mas,  na realidade, ele quer  é  voltar à escultura – a sua verdadeira paixão. Falar dessa paixão  - é falar das quatro “Pietàs”  (ou "Deposições do Cristo morto" )  que esculpiu, incansavelmente, durante a sua vida. 

Em 1555, escrevia: “Não nasce em mim pensamento algum/ que não tenha dentro esculpida a morte.”As suas Pietàs  são talvez para ele o seu ponto superior de criação.

A primeira “Pietà”, a mais conhecida, ou a mais visitada, realiza-a com apenas 22 anos (1497-1498) quando chega da primeira vez a Roma em 1496 para trabalhar para o Papa Alexandre VI. Encontra-se em San Pietro do Vaticano. E é já uma obra de génio. 

Pietà di San Pietro (1498)

As outras três foram já realizadas depois dos seus 70 anos. Em 1550, realiza uma Pietà (‘detta’ Pietà di Palestrina) que ainda hoje não se tem a certeza de ser completamente sua.

De facto só em 1756 é que Leonardo Cecconi atribui esta Pietà, encontrada em Palestrina, a Michelangelo. Trata-se de um trabalho incompleto - quase apenas um esboço que tem algumas semelhanças com a Pietà Rondanini

Poderá pensar-se que se tratasse de uma obra começada pelo Mestre e depois passada a um dos seus discípulos.

Em 1564, em Florença, o grande escultor dedica-se a esculpir a Pietà Bandini - chamada assim pelo nome do primeiro comprador. Uma Pietà em que se vê amparando o Cristo a figura de Nicodemo e a Virgem que o abraça e tem o rosto junto ao seu.

                                                    A Pietà Bandini

 
O Cristo e a Virgem, pormenor

O estilo espectral das figuras desta Pietà afasta-se da idealização exemplificada nas esculturas anteriores - e enquadra-se mais na estética gótica do que na renascentista. Há uma simplicidade e um sentido de precariedade que nada tem do estilo triunfante de antes.

    

A Pietà Rondanini

Esta última Pietà deveria ser colocada no próprio túmulo do artista, mas nunca na realidade nunca o foi. É a esta obra que se dedica com mais força e nela trabalha muitos anos, com um amor e grande dedicação. 

Teria sido – como contam - o seu tormento, uma agonia e uma ansiedade insustentáveis - duas das características da sua arte - aqui bem presentes.

Parece ter acabado com uma “explosão de desesperada raiva, como se nota na quase destruição à martelada de duas figuras o Cristo e Madalena.” 

A Pietà está hoje no Castello Sforzesco de Milano. Trabalhara nela entre a década de 50 até à sua morte e talvez a tivesse iniciado já no tempo da Pietà di Firenze

Segundo dizem os especialistas, esta última Pietà Rondanini foi o testamento espiritual de Michelangelo. 

O seu autor trabalhou nela até morrer, deixando-a inacabada.

Igreja Santa Croce, em Florença
 
Michelangelo Buonarroti morre em Roma no ano de 1564, no dia 12 de Março.  Depois de muitas voltas pela Itália, o seu corpo é, finalmente, enterrado na sua amada Florença – como era seu desejo - na Igreja Santa Croce. É belo o túmulo de Michelangelo Buonarrotti,  em Florença.

 
Túmulo de Michelangelo Buonarrotti

NOTA: Sobre a “Biografia” de Bruno Nardini devo dizer que é muito completa, e que o autor se baseia em toda a documentação possível, em documentos históricos daquele tempo, em cartas de Miguel Ângelo e em outras correspondências. 

No final do livro há uma cuidada tabela cronológica dos acontecimentos históricos e artísticos e um índice topográfico dos trabalhos que realizou o Mestre.