Uma
historiela de Cervantes: a história da ciganita que era uma princesa.
Princesa roubada?
Princesa cigana? O que importa é que la
gitanilla era como uma princesa...
Bailarina
adolescente, leitora de sinas e de “boaventura”, bela como o sol, pura como a
lua, selvagem como um ser livre, chamava-se Preciosa. Em seu redor, as flores selvagens e os perfumes, as cores e as companheiras que andam com ela, mas não a igualam...
Delacroix, l'Orpheline ou la gitane
Jean- Baptiste-Camille Corot, Gitane et mandolino
Obras Completas de Miguel de Cervantes (*)
Preciosa não era só bela no exterior: era inteligente como o mocho
mais sábio, honesta ainda mais do que formosa, corajosa como um falcão que nada consegue demover do que decidiu fazer, nem desistir das coisas
em que acredita.
E alegre. Num ápice, fazia uns versos, cantava umas coplas. E dançava, enfeitiçando quem a via.
Alegre, ou triste, a sua vida seguia um rumo: o da perfeição. "Por mayor ventura tengo /ser honesta que hermosa", cantava.
E alegre. Num ápice, fazia uns versos, cantava umas coplas. E dançava, enfeitiçando quem a via.
A princesa-rã, Viktor Vasnetsov
Alegre, ou triste, a sua vida seguia um rumo: o da perfeição. "Por mayor ventura tengo /ser honesta que hermosa", cantava.
Cerâmica de Jorge Barradas
“En esta empresa amorosa
Donde al amor entretengo,
Por mayor ventura tengo
Ser honesta que hermosa.
La que es más humilde planta,
Si la subida endereza,
por gracia o naturaleza
A los cielos se levanta.”
Era
assim a bela ciganita que se chamava Preciosa.
rosto de cigana, mosaico antigo
Abre-se-nos um mundo rico, infindável, aberto : numa linguagem poética - ou não tivesse o sopro do grande Cervantes!
E revela-se a natureza aos nosso olhos, e a aventura e os mundos mágicos dos acampamentos de ciganos. O céu descoberto. o gelo da noite e o sol escaldante, os ribeiros de água fresca ou as searas queimadas. As areias aredntes à beira-mar.
E as cidades de Espanha, na riqueza e na pobreza, e todas as condições e modos de vida que vêm atrás como uma fita que se desenrola.
Um
dia, um cavaleiro apaixona-se pela jovem cigana e, porque essa é a condição dela para o amar, aceita ser cigano. Aceita transformar-se em cigano, com as suas exigências, valores, sacrifícios.
Na cerimónia, um
velho cigano vem contar o que é um cigano. Deixo a passagem que achei linda,
como uma poesia:
“Somos astrólogos rústicos porque sempre dormimos a céu descoberto, a qualquer hora sabemos as horas do dia e da noite; vemos como surge a aurora e como ela afasta as estrelas da noite e vai subindo no céu, com a sua companheira, a alba, as duas alegrando o ar, refrescando a água, humedecendo a terra;
e logo atrás, o sol vem, dourando os cumes dos montes: não
tememos ficar gelados, pela sua ausência, nem quando nos fere de soslaio com os
seus raios, nem ficar abrasados quando perpendicularmente nos atingem: um
mesmo rosto mostramos ao sol e ao gelo, à esterilidade e à abundância. Em
conclusão: somos gente que vive para as nossas vidas (...) temos o que
queremos, porque nos contentamos com o que temos.”
Bela filosofia, grande sabedoria sem dúvida. Como seria bom saber aceitá-la!
"Temos tudo o que queremos porque nos contentamos com o que temos..."
(*) Miguel de
Cervantes, Obras Completas, Aguilar, Madrid, 1956
E lá se passam os anos querida Falcão, metade medo, metade folclore, mas vamos andando. De certo, muitas das coisas se aprendeu a céu aberto. Hoje os miseráveis em suas lonas passam fome, existe uma luta descomunal para sobreviver. Acredito que a fantasia passou e a realidade bateu a porta, então, fugiram os poetas.
ResponderEliminarBom mesmo é que em meio a escritos antigos, resta-nos a realidade: muitos sangues nobres foram entregues a caravanas, não raptados, mas entregues.
Muita cigana teve de sustentar as famílias e muitas foram condenadas a inveja, pela beleza ou pela liberdade e garra de lutar, nada diferente de hoje.
vivemos para nossas vidas, isso é fato e permanece até hoje.
bjs muitos pela sempre lembrança, pelo carinho e pelo amor verdadeiro que tem. Pela coragem de abrir os olhos a uma realidade que muitos fecham e que a ignorancia alheia recheia tão sabiamente.
bjs meus e nossos
Muito lindo o post e as obras escolhidas para o ilustrar.
ResponderEliminarUm beijinho grande:)