Os amigos têm
andado muito calados, é verdade. A Isabel vai sempre perguntando por eles, mas
não tem acontecido nada de especial, Isabel.
Calmos, no quotidiano invariavelmente igual,
da janela para a varanda, a ver as imagens dos livros e a brincar com as frutas e a fazer composições artísticas com a Gatinha japonesa.
Ou algumas
leituras e pouco mais.
Mas
ontem fomos à Feira do Livro a Cascais! Foi uma aventura, uma festa, claro. Adoraram as barracas cheias de livros, o carrocel, o Jardim e tudo.
-
Ó Ratinho Poeta, tu já viste o carrocel?
Era
o Ouricinho sempre atento às coisas luminosas e coloridas.
-
Vi, disse, taciturno, o Ratinho, que contemplava o jardim e as pessoas.
O Ratinho é mais interiorizado, muito observador, menos expansivo. Pouco se
manifesta mesmo quando gosta.
-
Olha, um porco e um galo no carrocel! Um galão mesmo! Parece um perú...Hihihi. Não queres dar uma voltinha?
-
Não me apetece. Prefiro ver de fora. Gosto de andar por aqui, a ver os livros com calma…
- Olha
a massa frita!
E apontava com o dedinho esticado.
Logo,
o Ratinho, interveio:
-
Diz-se “farturas”. Ou “churros”, acho que é em espanhol.
- Eu
cá chamo-lhe “massa frita”!
Virou-se
para mim:
-
Era assim que lhe chamavas quando eras pequenina, não era? E ias com o teu pai à
Feira das Cebolas… Escreveste já isso numa história…
Sorri.
Ele tem razão, eu dizia sempre "massa frita". Sempre que passo numa feira e vejo
as barracas cheias de todas as coisas boas, lá vem a recordação da “massa frita” da
minha infância. E a memória volta atrás,
dolorosa e ao mesmo tempo suave na sua nostalgia.
“Senhor
Doutor, então hoje trouxe as suas meninas à feira?” E o meu pai: “Sim, D. Rosa,
viemos ver a feira à noite…”
E
revejo as luzinhas bruxuleantes das tendas iluminadas a petromax, cheias de tudo aquilo
que eu adorava: brinquedos, balões, bolas, porta-chaves…
Sim, houve um ano em que
tive a mania de comprar porta-chaves. E pendurava-os no cinto. E comprei, até na feira, um cinto
vermelho, cheio de trevos de quatro folhas dourados a enfeitar.
E
lá vinha o cheiro das farturas, o vapor que se libertava daquelas panelas
gigantescas onde se fritavam tiras enroladas, enroladas sem fim, de massa, a fritar, dourada como o sol. E as "farturas", nos papéis de embrulho que nos dava a D. Rosa, vinham a escaldar, cheias de açúcar e de canela.
Tanta melancolia nestas lembranças. Acordou-me
destes pensamentos a voz do Ouricinho. Tínhamo-nos aproximado da barraca dos
livros de espionagem e policiais.
-
Olha um livro do John Le Carré! Tu gostas… Já o leste? É barato, custa só cinco
euros!
-
Obrigada, Ouricinho, não o tenho e vou já comprar.
- Viste os livros do Tom Sharpe? Lembras-te das maluqueiras do Wilt?
Como não me havia de lembrar? Muito me ri eu com esses livros! Respondi-lhe:
- Então não lembro, Ratinho? Eram histórias de loucos e muito me ri com elas...
-
Olha, livros para crianças! Compras para nós?, pediu o Ouricinho, já instalado na barraca do lado.
-
Claro… Qual queres?
E
ele acrescentou, entusiasmado com um caixote de revistas.
-
Viste estas revistinhas de cow-boys? Levas também para nós?
-
Sim, meu querido, lia! Claro que levo para vocês. E para mim...
As velhas histórias da Colecção
Apache - que eu lia adolescente e cujos heróis depois desenhava e recortava
para depois inventar eu as minhas histórias…
A atracção que têm as feiras dos livros, para mim, é inegável. Sempre assim foi. Cada capa me encantava! Queria comprar todos os livros, mesmo os que já tinha lido e que me atraem sempre da mesma maneira...
Chego a encontrar três edições (em línguas diferentes...) dos livros de que mais gostei! E lá fico a hesitar com os autores: Scott Fitzgerald, Allan Poe, Leskov, William Golding, o terrível Golding!
Tão bom que é ler! Tão bom que haja feiras do livro onde as pessoas possam comprar livros a preços acessíveis e continuar a ler!
Demos um grande passeio e fomos até à Praia dos Pescadores. No caminho vimos um lindo "orgue de Barbarie"!
- Olha o realejo!
E os olhos do Ouricinho ficaram presos ao boneco que agitava a mãozinha a bater no coração.
- O Arlequim! Tão bonito que ele é!
- Chama-se orgue de barbarie, corrigiu o Ratinho, divertido, porque estava encantado também com a beleza daquela novidade.
- Tanto faz, disse eu, em português é realejo...
Frente ao mar, no pontão onde atracam os barcos de pesca, lá estava a "minha" boneca. Digo "minha" porque encabeça a proa de um barco que se chama "Maria João".
O Ratinho olhou e protestou, indignado:
- Viste o que fizeram à tua boneca? Que bárbaros!
- Viste o que fizeram à tua boneca? Que bárbaros!
- O que foi?, era o Ouricinho curioso.
- Deram cabo da carinha dela! Queimaram-na. E roubaram-lhe o chapéu cor de rosa que lhe ficava tão bem!
Era verdade, estava queimada, com um punhado de cabelos arrancado, sem o seu chapelinho de praia. O Ratinho e o Ouricinho quase choravam, a olhar para ela.
Lá longe o carrocel girava com a sua musiquinha alegre.
Lá longe o carrocel girava com a sua musiquinha alegre.
Sim, bárbaros, pensei, com tristeza. Por quê esta vontade do homem, este prazer, de destruir a beleza e a poesia de outro homem?
Virámos costas ao barco, tristes, e fomos ver a baía. O tempo passou depressa, e gostei muito da tarde em Cascais. Havia um vento fresco, o mar tinha um azul lindo e os barcos estavam cheios de cor. Lembrei-me da maravilha dos barcos e do mar de Turner!
Maria João,
ResponderEliminarDeliciosas como sempre, estas narrativas.
Adorei sobremaneira o realejo. Tão bonito! Acho que gostava de o ter.:)))
Também gostei do carrossel tão "retro".
Enfim, é sempre bom passar por aqui. :))
Ando a ler "O Homem de Constantinopla", aliás estou quase a terminar. Depois irei ler o segundo livro, "Um Milionário em Lisboa".
Gostou do Deus das Moscas?
Beijinho. :))
Adoro o William Golding! O"Deus das Moscas" é um livro terrível sobre o mal -ou a procura de poder e de domínio dos outros...
EliminarLi outros dele, gostei dos "Ritos de Passagem" (outra história bem dura!) e o "Darkness Visible" impressionou-me muito.
O realejo se esticer à venda, ofereço-lho! beijinhos
Manténs intacto o entusiasmo pelas coisas, dá gosto ler-te!
ResponderEliminarTambém gosto muito da Feira do Livro e de massa frita...
Feliz domingo, um beijão
Gostei muito do passeio e de rever o ratinho e o ouricinho.
ResponderEliminarTalvez quando tenhamos a Feira do Livro no Porto, também possam cá vir.
beijinhos para os três
Gábi
OLá, Redonda! quem sabe se não os levo ao POrto à Feirado Livro? Eles iam adorar já se sabe. E podíamos encontrar-nos até para os conheceres pessoalmente...beijinho
EliminarQuerida Maria João, tenho a certeza que esta visita à feira do livro de Cascais foi mesmo um momento maravilhoso!
ResponderEliminarA angústia é mesmo não podermos comprar ou ter os livros todos que desejamos. Quantos mais melhor... Não é? Nunca são em demasia!
Imagino a euforia dos nossos amiguinhos...
Como referiu a Redonda, pode ser que em Setembro, na feira do livro do Porto, venham até cá... Era bom, oh se era!
Um beijinho e boas leituras.:))
Pois é, já disse à Redonda "quem sabe se lá vamos?" O Porto chama-nos sempre... Vou sempre lá com muito prazer! UM beijinho
EliminarCom personagens destas é uma regalo dar um passeio, onde se queira, porque elas hão de arranjar "conversa" a contento. Pelos comentários que vejo os bichinhos são famosos. Parabéns MJ.
ResponderEliminarFamosíssimos, Agostinho! Têm muitos fãs!
ResponderEliminarQue saudades destes amiguinhos que logo apareceram por estes dias que eu não estava cá! Mas a tempo de ver e comentar, cá estou eu!
Adorei o diálogo, as fotos, os livros...também lia imensos do Falcão e do Xerife e essas colecções de quadradinhos. Gostava tanto.
Se calhar já não apanho aí a feira, mas nem sei se fique triste, se fique contente, porque os livros levam-me à ruína! Comprei muitos, estes poucos dias na Figueira. Não resisto! Quem me dera que o dia tivesse mais cinco horas obrigatórias para a leitura!
Também gosto muito de farturas. Comi umas deliciosas, nestes dias.
Já estou roída de inveja desse encontro possível, no Porto!! ...bem, mas espero que se concretize e que depois contem!
Um beijinho GRANDE e até breve :)
Estavas a fazer-me falta, fiel leitora! és como eu, não resistes aos livros. Então nas "feiras" e alfarrabistas....é um descontrolo total das finanças... Um beijo
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